Os presidentes Vladimir Putin, da Rússia, e Xi Jinping, da China, durante evento em Pequim, em outubro de 2023 ( Sergei Savostyanov/AFP/Getty Images)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 20 de junho de 2025 às 17h01.
Última atualização em 20 de junho de 2025 às 17h53.
No começo desta semana, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, parecia decidido a ordenar um ataque americano ao Irã. Ele chegou a ameaçar o líder supremo do país, Ali Khamenei, ao dizer que sabia onde ele estava, mas não iria atacar “agora”.
Na quinta-feira, 19, no entanto, Trump recuou e disse que irá decidir sobre o ataque “em até duas semanas”.
Para Hussein Kahlout, pesquisador da Universidade Harvard e do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e ex-secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência do Brasil, a mudança de Trump foi motivada por movimentos feitos por Rússia e China.
“No campo diplomático, as cartas do Irã agora se fortaleceram, com a articulação que russos e chineses estão fazendo. Se não fosse essa mobilização, Trump não mudaria o discurso”, disse, em entrevista à EXAME.
“Os russos e os chineses não querem perder o Irã como uma peça fundamental no seu arco de aliança. E Trump percebeu que ele pode estar cometendo o erro que a Rússia cometeu ao invadir a Ucrânia: entrar em uma guerra de desgaste, de sangramento”, afirma.
Kahlout avalia ainda que as saídas para a crise atual são difíceis, mas vê espaço para o Irã ceder. “Eu não vejo o Irã renunciar ao programa nuclear para fins pacíficos, mas vejo o Irã entregando seu estoque de 400 kg de urânio enriquecido a mais de 60% se a negociação for boa e houver garantias reais”, prossegue.
Na conversa, o pesquisador analisou diversos outros pontos do conflito, como a situação interna de Irã e Israel, o desgaste dos dois lados até agora com o confronto. Veja a íntegra abaixo.
Como vê os possíveis cenários para o avanço deste conflito?
O cenário é extremamente volátil, muito intrincado e complexo. Irã, Israel e os Estados Unidos estão numa posição em que é muito difícil o recuo, a não ser que haja uma força que incida sobre os interesses dos três atores. Há uma mudança nas posições. Não uma mudança completa, mas uma abertura. E ela ainda é dúbia. A posição americana sofreu uma leve mutação. Trump havia dado um ultimato ao regime: ou assinava um acordo renunciando por completo ao programa nuclear, ou a guerra. Ele evoluiu para uma segunda posição de que ele estará tomando essa decisão em até duas semanas. Com isso, ele está mandando um sinal de que a decisão está tomada, mas não será necessariamente implementada.
O que pode ter levado Trump a mudar de posição?
Ele começou realmente a entender o risco. Como falei, estamos numa posição muito difícil de recuar, exceto se houver algo muito forte que incida sobre a posição de um dos lados. Essa variável chama-se Rússia e China. Os russos e chineses não querem perder o Irã como uma peça fundamental no seu arco de aliança. E Trump percebeu que ele pode estar cometendo o erro que a Rússia cometeu ao invadir a Ucrânia: entrar em uma guerra de desgaste, de sangramento.
Qual é a importância estratégica do Irã?
O Irã é o grande fornecedor da Rússia em drones e grande fornecedor da China em minerais estratégicos e petróleo. O Irã é também um país de quase 100 milhões de habitantes, um grande mercado para esses países. Uma coisa é Israel bombardear o Irã. A entrada dos Estados Unidos significa dizimar por completo as capacidades do Irã, e essa entrada, da forma como Trump estava propondo, levaria à queda do regime. Isso eles não vão permitir. Isso fez Trump repensar. Os Estados Unidos podem entrar em um atoleiro, e isso poderá gerar um imenso desgaste ao poderio americano na região.
Benjamin Netanyahu, premiê de Israel, faz discurso em frente a prédio atingido por míssil do Irã, em Rehovot, em 20 de junho (Jack Guez/AFP)
Como russos e chineses poderiam ajudar o Irã?
Eles poderiam dar para os iranianos armamento estratégico, como baterias antiaéreas. Com isso, vai ficar muito mais difícil para os americanos usarem seus caças. Podem também dar outros armamentos, para alvejar navios e porta-aviões. Eles também podem oferecer informações de inteligência. Isso torna o teatro de guerra muito mais complexo.
Como avalia o andamento das negociações?
Trump basicamente deu sinal verde para os países europeus abrirem um canal de diálogo com os iranianos, pois os iranianos não estão querendo conversar com os americanos. A posição iraniana é que não há viabilidade para estabelecer um diálogo diplomático um a um com os americanos enquanto houver guerra. Não dá para definir quanto tempo as conversas vão durar, se dias ou semanas. No campo diplomático, as cartas do Irã agora se fortaleceram um pouco, com a articulação que russos e chineses estão fazendo. Se não fosse essa mobilização, Trump não mudaria o discurso e nem os europeus proporiam um diálogo em Genebra.
Até que ponto o Irã pode ceder?
Eu não vejo o Irã renunciar ao programa nuclear para fins pacíficos, mas vejo o Irã entregando seu estoque de 400 kg de urânio enriquecido a mais de 60% se a negociação for boa e houver garantias reais.
Como avalia os impactos dos ataques de Israel até agora?
Israel, em termos de objetivos estratégicos, atingiu o que precisava e impôs superioridade militar aérea. Não eliminou o programa nuclear iraniano, mas danificou razoavelmente as principais plantas nucleares do Irã. Não eliminou o programa de mísseis balísticos do Irã, mas eliminou boa parte do arsenal iraniano. Eram esses os dois grandes objetivos e eles conseguiram chegar perto do ponto ideal.
Quais poderão ser as consequências de uma piora no conflito?
A escalada pode levar ao fechamento do estreito de Hormuz. Isso teria um impacto imenso na economia mundial e colocaria os europeus em uma situação muito difícil. Eles já não tem mais petróleo da Rússia e não iria ter mais o do Oriente Médio.
Iranianos protestam contra Israel em Teerã, em 20 de junho (AFP)
Os dois países conseguiriam manter o conflito por muito mais tempo, dado o custo envolvido e os estoques limitados de armamentos?
O Irã está fazendo lançamentos de forma muito calculada. Como eles não sabem quanto isso vai durar e se os Estados Unidos vão entrar, eles estão sendo seletivos no uso. Do lado israelense, há estimativas de eles têm mais 11 dias ou 12 dias de baterias antiaéreas. Depois, precisariam de suprimento dos Estados Unidos ou da Europa. Além disso, a aviação israelense está no ponto de exaustão. Eles empregaram na operação 200 aviões. Toda vez que você faz um voo a 1.400 km [de distância], é muito tempo no ar. É um voo longo. O avião tem que ser abastecido e volta. Quando volta, aquele avião precisa ser revisado. Muitas peças precisam ser trocadas. Se a coisa dura mais de duas, três semanas, você vai ter muitos aviões pendentes de peças e não vai poder manter a intensidade de ataque. É um jogo de estratégia entre os dois lados, de como usar os recursos, pois o gasto econômico é muito grande.
Como avalia o risco de queda do governo do Irã?
O regime tem apoio substancial, senão teria saído. A oposição no Irã é de 15%, 20% da população. Não há dúvida que existe oposição, mas ela odeia Israel. Eles podem odiar o regime, mas odeiam mais Israel. Eles não vão trair o Irã e apoiar Israel. Os iranianos são muito nacionalistas e patriotas. Eles acham que o que estão fazendo é justo, uma autodefesa. Há também todo o misticismo em torno do martírio. Os iranianos tiveram uma guerra contra o Iraque de Saddam Hussein por oito anos e aguentaram. Saddam, inclusive, usou armas proibidas contra eles.
E dentro de Israel?
Do lado israelense, há uma sociedade mais aberta e democrática. Não sei até que ponto a sociedade ainda aguenta esse tipo de pressão, assim como o governo. No jornal Haaretz, li vários artigos de opinião contra as ações de Netanyahu, dizendo que pode ser um equívoco, que ele está fazendo mais uma guerra para escamotear os erros em Gaza. Por outro lado, há aprovação das ações por parte da direita e da extrema-direita.
O Brics, que terá uma reunião de cúpula no começo de julho no Brasil. Ela poderá ser um fórum de debate de soluções para o confronto?
Não há dúvida de que o tema vai ser debatido na cúpula dos Brics. Isso será levado para o presidente Lula à mesa dos chefes de Estado. E me parece que Rússia e China também querem que isso seja debatido, assim como a África do Sul. Vejo aí uma convergência do posicionamento dos países entre houve uma violação. Não sei como será o posicionamento da Índia, porque a Índia tem uma relação de cooperação militar com Israel. Mas não creio que a Índia obstruiria uma resolução de consenso que aborde a questão da violação de soberania. Mas há o fator tempo, e é preciso ver como a situação vai estar até lá.
Como este conflito poderá mudar o futuro do Oriente Médio de forma mais ampla?
Hoje, o grande problema na região, na visão dos países da região, não é o Irã. A variável de instabilidade regional é Israel, com sua hegemonismo militar, com uma série de violações ao direito internacional. A percepção de como Israel está operando está gerando muito mais insegurança e instabilidade regional. Isso preocupa muito o Egito e a Arábia Saudita. Os dois países tinham posições diferentes até 2018. Encontros de alto nível entre Egito e do Irã foram muito frequentes nos últimos anos. Houve a abertura da embaixada iraniana em Riad. Os países árabes estão se distanciando de Israel.