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Atentado pode ajudar popularidade de Cristina Kirchner? O que acontece na Argentina após o ataque

Atentado a Cristina Kirchner levou milhares de apoiadores às ruas e mensagens de solidariedade de opositores. Mas momento político no país segue conturbado para as eleições de 2023

Apoiadora de Kirchner em ato nesta sexta-feira, 2: vice-presidente argentina sofreu tentativa de assassinato em frente a sua casa (Tomas Cuesta/Getty Images)

Apoiadora de Kirchner em ato nesta sexta-feira, 2: vice-presidente argentina sofreu tentativa de assassinato em frente a sua casa (Tomas Cuesta/Getty Images)

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Carolina Riveira

Publicado em 2 de setembro de 2022 às 20h42.

Última atualização em 3 de setembro de 2022 às 10h12.

A Argentina encerrou o dia na quinta-feira, 1º de setembro, em completo caos político após a tentativa de assassinato da vice-presidente Cristina Kirchner por um homem nascido no Brasil.

O presidente Alberto Fernández decretou feriado nacional nesta sexta-feira, 2, partidas de futebol foram canceladas, milhares de apoiadores foram às ruas e boa parte do establishment político argentino (à esquerda e à direita) condenou o ataque de forma unânime.

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Mas o atentado deve seguir sacundindo a política argentina nos próximos meses, à medida em que o país se movimenta para sua eleição presidencial em 2023. Antes do ataque, a Argentina já vivia um turbilhão: nos últimos dois meses, o país teve três ministros da Economia e um quase rompimento entre Kirchner e o presidente Fernández (com vitória da vice no embate).

Além disso, desde duas semanas atrás, Kirchner está no olho do furacão depois que o Ministério Público argentino pediu à Justiça sua prisão por 12 anos e inelegibilidade. Kirchner e seus apoiadores vinham acusando a promotoria de perseguição política.

"O ataque de ontem reforça a percepção de que Cristina Kirchner é uma vítima entre seus seguidores, e possivelmente deve gerar um momento de solidariedade no eleitorado mais amplo", diz o cientista político argentino Aníbal Pérez Liñan, professor da Universidade de Notre Dame, nos EUA, e que estuda as democracias e desafios de governabilidade na América Latina.

A princípio, o ataque tem gerado alguma comoção na Argentina, tanto entre os seguidores fiéis de Kirchner (pouco mais de 20% do eleitorado) quanto entre a população de forma geral - ainda que a rejeição ao governo estivesse alta até então, com a inflação galopante.

Polícia prende Fernando Montiel na quinta-feira: brasileiro tentou disparar uma arma contra Cristina Kirchner (Tomas Cuesta/Getty Images)

O responsável pela tentativa de atirar em Kirchner foi identificado como Fernando Andres Sabag Montiel, um homem de 35 anos, nascido no Brasil de pai chileno e mãe argentina. Ele se mudou para a Argentina ainda criança, segundo as primeiras informações, e trabalha como motorista de aplicativo. Há registros de Montiel na imprensa com falas contrárias ao governo Fernández e, nas redes sociais, seus perfis deixaram registrado uma tatuagem de um "sol negro", um símbolo nazista. Um amigo o descreveu como alguém que "não tinha nada a perder" e vítima de bullying. Montiel está preso e as motivações do atentado estão sendo investigadas pela polícia.

Oposição condena ataque

Já nesta sexta-feira, 2, milhares de pessoas foram à Praça de Maio, em frente à Casa Rosada, sede do governo, em manifestação de repúdio ao atentado e defesa da democracia. O ato foi convocado pela coalizão Frente de Todos, do governo Fernández.

Segundo especialistas ouvidos pela EXAME, embora o ato tenha sido composto em sua maioria por simpatizantes do governo, o caso de Kirchner gera comoção - mesmo entre os não apoiadores - em partes porque a Argentina não tem histórico recente de ataques a figuras do alto escalão, ao contrário de outros países da América Latina. (Na Colômbia, o caso mais notável, o presidente Gustavo Petro recebeu ameaças de morte ainda durante a campanha, em um país em que cinco presidenciáveis foram assassinados em campanha no último século.)

Na Argentina, o episódio mais recente é do ex-presidente Raúl Alfonsín (1983-89), que assumiu o poder na transição após o regime militar e foi alvo de atentados, nenhum bem-sucedido. No passado mais distante, o conhecido líder Juan Domingo Perón sofreu uma série de ataques nos anos 1950, também em momento político conturbado do país. Há registros recentes, é claro, de muitos embates entre militantes e com a polícia, mas não atentados ao alto escalão como o visto contra Kirchner.

"Violência não é parte do modus operandi político na Argentina, não tem sido nos últimos anos. Uma evidência disso é que ontem mesmo, à noite, a grande maioria dos líderes de oposição já prestou sua solidariedade a Cristina e já rechaçou qualquer tentativa de violência como ferramenta política", diz Gabriel Brasil, analista de Argentina na consultoria de risco Control Risks.

"Há um certo nível de institucionalidade e maturidade democrática em favor do país nesse sentido."

Manifestantes em frente à Casa Rosada, na Argentina: ato convocado pelo governo contra o atentado (Tomas Cuesta/Getty Images)

Tem havido uma quase unanimidade no mundo político argentino em condenar os ataques neste primeiro momento. Nomes como o ex-presidente Mauricio Macri (2015-19) e o atual prefeito de Buenos Aires, Horácio Larreta (um dos nomes em ascensão da direita moderada no país), prestaram solidariedade a Kirchner publicamente.

"Meu mais enérgico repúdio e condenação ao que aconteceu esta noite", escreveu Larreta.

No entanto, Brasil, da Control Risks, aponta que a própria oposição a Kirchner e a polarização no país vive "certa complexidade". De um lado, há o grupo de Macri e Larreta, visto como uma direita moderada. Do outro, o grupo de Javier Melei, economista de ultradireita por vezes chamado de "Bolsonaro argentino" - em alusão ao presidente brasileiro - e que tem ganhado espaço entre os eleitores. "Há duas direitas na Argentina hoje", resume o analista. Milei, até o fechamento desta reportagem, não havia feito comentários em suas redes sociais.

O futuro político de Kirchner

Apesar da comoção inicial com o ataque, neste menos de um ano que resta até as eleições presidenciais de agosto de 2023, o grupo político de Kirchner vive situação delicada.

A inflação no país superou 70% ao ano (e contando), a taxa de juros está em 69,5% e o país terá de pagar nos próximos anos uma dívida bilionária com o Fundo Monetário Internacional - ainda que o governo Fernández tenha conseguido, em uma vitória política, condições mais favoráveis de renegociação.

Kirchner ao ser fotografada nesta sexta-feira, 2, após o ataque: vice-presidente ainda pode ser candidata em 2023 (LUIS ROBAYO/AFP/Getty Images)

Enquanto isso, o caso judicial de Kirchner ainda não foi a julgamento, mas ocorre meses antes de a ex-presidente se preparar para ou escolher um candidato de seu grupo na eleição ou tentar ela própria concorrer. Kirchner foi presidente de 2007 a 2015 e, nas eleições de 2019, já enrolada com a Justiça, optou por dar seu apoio a Fernández, saindo como vice na chapa. A dupla terminou vencendo o então presidente, Mauricio Macri.

"Para seus mais fiéis seguidores, que representam pouco mais de 20% do eleitorado, esta investigação reflete uma conspiração política. Para a maior parte da sociedade, mostra, por outro lado, a desonestidade da classe política", explica Pérez Liñan, da Universidade de Notre Dame, sobre as acusações judiciais contra Kirchner.

Antes do atentado desta semana, como a EXAME mostrou, o governo Fernández também viveu um racha definitivo em agosto, após Kirchner rejeitar a atuação do ministro da Economia, Martín Guzmán, um dos braços direitos do presidente e cabeça da renegociação com o FMI.

VEJA TAMBÉM: Binetti, da LSE: o que a crise na Argentina diz sobre as eleições na América Latina

Fernández saiu derrotado e ficou cada vez mais isolado no governo, com informações de bastidores apontando que ele e Kirchner mal se falavam desde então. Já a vice-presidente terminou conseguindo colocar, na sequência, dois novos nomes na Economia - o atual ministro é Sérgio Massa, presidente da Câmara, que virou "superministro" com um gabinete reformulado.

Após o episódio, se abriu uma disputa nos bastidores, na prática, para definir quem será o presidenciável do campo à esquerda, liderado por Cristina, nas eleições de 2023. O próprio Massa é um dos concorrentes internos.

"Fernández diz que quer ser reeleito, mas me parece, nesse momento, uma fantasia que é só dele. A verdade é que, apesar de tudo, é Cristina quem vai ter o controle sobre essa decisão, e acredito que ela vá especular até o último momento para ver se tem chances de ser candidata, ou se vai escolher alguém", disse em entrevista anterior à EXAME o internacionalista argentino Bruno Binetti, pesquisador no think-tank Inter-American Dialogue, nos EUA, e na London School of Economics, na Inglaterra.

Alberto Fernández e Cristina Kirchner

Alberto Fernández e Cristina Kirchner: racha no governo nos últimos meses (Marcos Brindicci/Getty Images)

Ainda é difícil dizer o quanto o atentado impactará na disputa eleitoral, dizem analistas. Na opinião de Pérez Liñan, o Partido Justicialista de Kirchner e Fernández pode sair perdendo se "o momento de solidariedade popular incentivar Kirchner" a tentar nova candidatura. "Isso seria um grave problema para o Partido Justicialista, que necessita renovar sua liderança para recuperar apoio na sociedade", diz.

Enquanto isso, a própria reação da oposição no longo prazo é uma incógnita, aponta Matheus de Oliveira Pereira, professor da PUC-SP e da Unaerp e especialista em temas de Argentina e América Latina. "De início, o principal impacto deve ser o de forçar uma moderação no tom de oposição a Cristina", diz.

O internacionalista, que é pesquisador do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional, lembra que, após a morte do ex-presidente Néstor Kirchner, marido de Cristina, em 2010, a ex-presidente saiu fortalecida e venceu as eleições seguintes no primeiro turno. "A questão é em que medida esse apoio agora vai se sustentar ao longo do tempo, sobretudo diante do agravamento da situação econômica."

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