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Aumento da repressão marca a nova China de Xi Jinping

A China era, e continua sendo, um país autoritário sob o domínio do Partido Comunista. Mas a natureza de seu autoritarismo é muito mais dura sob Xi Jinping

Xi Jinping: sob sua gestão, a atitude tradicionalmente suspeita do governo chinês contra empresários politicamente ativos piorou (Dion MBD/The New York Times)

Xi Jinping: sob sua gestão, a atitude tradicionalmente suspeita do governo chinês contra empresários politicamente ativos piorou (Dion MBD/The New York Times)

CR

Carolina Riveira

Publicado em 27 de fevereiro de 2021 às 08h00.

Última atualização em 27 de fevereiro de 2021 às 11h43.

Em 2003, um empresário rural chamado Sun Dawu foi preso depois de desafiar o governo chinês. Um grupo reformista de oficiais, jornalistas, advogados e acadêmicos fez uma campanha bem-sucedida para libertá-lo.

Em 2020, o governo chinês prendeu Sun depois de outra atitude desafiadora. Mas a China mudou, e o resultado até agora é bem diferente.

Sun está preso há três meses sem ser acusado. Sua família e sua equipe administrativa, 24 pessoas no total, foram presas com ele. Inicialmente, ele não pôde contratar um advogado. Sua empresa foi assumida pelo governo. E, desta vez, outros não tentam salvá-lo.

A China era, e continua sendo, um país autoritário sob o domínio do Partido Comunista. Mas a natureza de seu autoritarismo é muito mais dura sob Xi Jinping, o principal líder do partido desde o fim de 2012. O caso de Sun exemplifica a drástica mudança de uma nação que luta pela liberalização econômica e social, se não política, para um país que cada vez mais opera com uma camisa de força ideológica.

É bom ter em mente as lições de Sun, agora que o governo chinês sitia o império de negócios de outro proeminente empresário, Jack Ma. O líder de fato do Alibaba e do Ant Group não foi acusado de irregularidades, e não está claro como pode ser duro o controle de reguladores chineses sobre seus negócios. Mas, quaisquer que sejam os méritos do caso do governo contra o Alibaba, poucos se atreverão a falar em nome da empresa.

Sun Dawu: preso há três meses sem ser acusado (Na Zhou)

Xi vem constantemente minando a sociedade civil chinesa – empresários, advogados, grupos cívicos e muitos outros que compõem o tecido do cotidiano de uma nação. Pessoas em muitos países veem a sociedade civil como algo garantido. Na China, onde o Partido Comunista procura assumir todos os papéis, a sociedade civil começava a brotar em 2003.

Desde que Xi chegou ao comando, ela foi praticamente dizimada. Jornalistas com inclinação independente foram silenciados. Advogados estão presos. Autoridades, mesmo aposentadas, sabem manter a boca fechada. Empresários são cautelosos, evitando contrariar o governo.

A China sempre foi atormentada por violações dos direitos humanos, segundo Chen Min, jornalista veterano conhecido por seu pseudônimo, Xiao Shu. Ele disse que a diferença é que a sociedade civil já teve algum espaço para contra-atacar: "Agora, não há nem sociedade civil nem espaço. São duas épocas diferentes."

Sob Xi, a atitude tradicionalmente suspeita do partido contra empresários politicamente ativos ou francos piorou. Wang Gongquan, ex-capitalista de risco que financiou a defesa de medidas sociais e políticas mais liberais, estava entre os primeiros indivíduos de maior destaque presos depois que Xi chegou ao poder. Ren Zhiqiang, magnata imobiliário aposentado, foi condenado no ano passado a 18 anos de prisão depois de criticar repetidamente as políticas de Xi, incluindo o manejo governamental nos primeiros dias do surto do coronavírus.

Em salas de bate-papo privadas e em segredo, algumas pessoas se perguntam que sinal Pequim está enviando para o setor privado ao prender Sun. Franco e generoso, ele é de certa forma o modelo do empresário de mente cívica que o partido exalta. Sun construiu uma cidade – Dawu City – em torno do campus de sua empresa na província rural de Hebei, que conta até com um hospital de mil leitos. "Meu sonho é construir uma cidade moderna no campo", afirmou ele uma vez.

Sun, de 66 anos, nasceu em Xushui, na província de Hebei, cerca de duas horas de carro ao sul de Pequim. Alistou-se no Exército de Libertação Popular depois de se formar no ensino médio. Deixou o exército oito anos depois e voltou para sua cidade natal para trabalhar no Banco Agrícola da China, de propriedade estatal.

Curioso e inquieto, estudou direito e fez cursos de literatura chinesa em seu tempo livre. Em 1985, largou seu emprego no banco e começou um negócio com mil galinhas e 50 porcos. Sua empresa, o Grupo Agropecuário Dawu, agora emprega cerca de nove mil pessoas, muitas de aldeias próximas.

À medida que seu negócio crescia, Sun se aproximou de intelectuais liberais em Pequim. Em 2003, começou a se tornar uma voz dos direitos de agricultores e empresários, fazendo discursos nas melhores universidades chinesas.

Xi Jinping, líder da China: repressão aumentou sob sua gestão (STR/AFP)

Depois de irritar as autoridades, foi preso sob a acusação de arrecadação ilegal de fundos. Seus novos amigos vieram em sua defesa. Estudiosos jurídicos argumentaram que a lei usada para acusá-lo havia sido escrita de tal forma que dava às autoridades ampla liberdade para usá-la contra empresários discordantes.

Apesar de sua prisão, Sun continuou a se misturar com intelectuais e ex-autoridades. Forneceu locais de conferência para grupos de inclinação liberal, think tanks e publicações até que todos foram banidos em anos recentes. Permaneceu amigo íntimo de alguns dissidentes mais famosos, mesmo depois que estes acabaram malvistos nos meios políticos.

Em novembro, as autoridades o prenderam. Na superfície, ele e seu pessoal foram presos por sua conduta durante uma disputa de terras entre sua empresa e uma fazenda estatal, que às vezes levava a brigas físicas entre os trabalhadores. Então, à 1h do dia 11 de novembro, seis ônibus cheios de policiais armados apareceram em um complexo residencial da empresa Dawu, de acordo com o jornal "Southern Weekly".

Quase três meses depois, os detalhes ainda são obscuros. Inicialmente, Sun e seus familiares não tinham advogados porque a lei chinesa exige que um membro da família assine para obter permissão, e todos eles foram presos. Agora, eles têm representação, mas seus advogados confirmaram apenas que se reuniram com Sun e sua família.

Ao contrário de 2003, poucos pedem pela libertação de Sun. Um ex-jornalista que escreveu um artigo influente sobre ele em 2003 não conseguiu um lugar para publicar um comentário. Um amigo próximo disse que havia sido avisado pela segurança do Estado para não falar com jornalistas. Até as pessoas que receberam assistência de Sun no passado não responderam a meus pedidos de entrevista, mesmo que sigilosa.

"Sun Dawu teve sorte em 2003. Foi silenciado pelo governo, mas foi resgatado pelo público. Pagou seu preço, que foi relativamente pequeno", comentou Chen, o jornalista veterano.

Desta vez, ninguém acredita que ele terá sorte. A questão é até que ponto ele terá azar.

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