Trump e Bolsonaro: o governo brasileiro foi pego de surpresa com o anúncio de sobretaxas ao aço e ao alumínio feito por Trump (Kevin Lamarque/File Photo/Reuters)
Gabriela Ruic
Publicado em 6 de dezembro de 2019 às 13h26.
Última atualização em 6 de dezembro de 2019 às 14h44.
São Paulo – Aconteceu com a Coreia do Norte, com o Irã e com o México. Nesta semana, foi a vez de o Brasil sentir na pele as ameaças do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Na última segunda-feira (02), ele acusou Brasil e Argentina de manipulação cambial e anunciou que iria restaurar tarifas ao aço e ao alumínio exportados pelos países, pegando seu aliado, Jair Bolsonaro, de surpresa.
O episódio foi descrito por analistas e a imprensa internacional como uma demonstração de fracasso de um dos pilares da política externa do governo Bolsonaro: o alinhamento com os Estados Unidos. Trouxe, ainda, lições valiosas para o governo brasileiro. A maior delas? Tratando-se de Trump, usar o seu boné de campanha e fazer uma visita à Casa Branca não são gestos suficientes para blindar o Brasil.
O estilo agressivo do americano ensina que negociar com a sua gestão não é fácil, ainda que o presidente Bolsonaro alegue ter um canal aberto com ele. “Trump é coercitivo, sabe identificar as fraquezas do oponente”, explicou Joshua Sandman, cientista político da Universidade de New Haven. Essas características deixam claro que o americano pressionará as vulnerabilidades e até conseguir o que deseja, custe o que custar.
Nos casos da Coreia do Norte e Irã, por exemplo, a pressão tinha como objetivo fazer com que os países acabassem com seus programas nucleares, mas analistas alertaram Trump de que a agressividade dos tuítes poderia levar a uma guerra. Já no embate com o México, Trump desejava que o país tomasse medidas para conter o fluxo migratório, sob ameaça de tarifas que poderiam afetar diretamente os americanos.
Com Brasil e Argentina, importantes aliados dos Estados Unidos na América Latina, a avaliação é a de que o movimento de Trump teria relação com questões domésticas a pressão de grupos de interesse. Em busca da reeleição em 2020, o presidente americano estaria tentando garantir que sua base eleitoral se mantenha satisfeita.
“Trump construiu uma base forte entre a classe trabalhadora impactada negativamente pela globalização”, explicou a EXAME o professor Joshua Sandman, da Universidade de New Haven, “e seu objetivo é reconstruir o comércio global justamente em benefício desse eleitorado”. Sob a perspectiva do presidente americano, portanto, não há aliado mais importante que os seus eleitores. Nem mesmo um fã declarado, como o brasileiro.
Há, ainda, um ponto delicado, e que é justamente o fato de o Brasil ter reorientado a sua política externa na direção de uma aproximação com Trump, mas se viu frustrado pelo desprezo com o qual o americano vem tratando o país. Embora o caso das tarifas seja o mais recente, há outros exemplos, como a promessa americana de apoio à entrada do Brasil na OCDE, que não se concretizou.
“Depois de o Brasil ter feito juras de amor, Trump demonstra um desprezo quase casual em relação a essa aproximação que o governo brasileiro tentou consolidar”, notou Carlos Gustavo Poggio, professor de Relações Internacionais da FAAP, “com isso, ele mostra que, se for preciso jogar um dos seus principais aliados na América Latina embaixo de um ônibus, ele fará isso”, analisou Poggio, que é especialista em política americana.
Na avaliação de Poggio, uma política externa de aproximação com os Estados Unidos precisa incluir todos os atores do mecanismo de formulação, como a sociedade, grupos de interesse e o Congresso americano. Peças que parecem ter ficado de fora do cálculo do governo Bolsonaro.