MICHEL TEMER: Auxiliares de Temer afirmam não ter dúvidas de que as delações, no âmbito da Lava Jato, vão atingir não somente Geddel, como outros ministros importantes / Getty Images (./Getty Images)
Da Redação
Publicado em 15 de outubro de 2016 às 08h21.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h09.
Lourival Sant’Anna
A visita do presidente Michel Temer à Índia, onde participa da cúpula dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e de um encontro bilateral com o primeiro-ministro Narendra Mori, pode ser altamente inspiradora. Apesar das imensas diferenças culturais e geopolíticas, a Índia tem alguns pontos importantes em comum com o Brasil: dimensões continentais (6.º maior território, depois do brasileiro), sistema federativo (29 Estados), fragmentação política (90 partidos regionais) e desigualdade social. Além disso, Mori também conduz, desde 2014, um programa de reformas modernizadoras do país.
Por outro lado, a economia não sofreu um desmonte, como a do Brasil, e está relativamente bem arrumada, com juros e inflação caindo, crescimento de 7,1% e condições fiscais para um vigoroso investimento em infraestrutura como forma de compensar a desaceleração mundial e gerar empregos. Até mesmo as chuvas de monção estão conspirando a favor este ano, com a perspectiva de boa safra. Temer tem muito o que ouvir de Mori.
Com a ajuda da queda nos preços dos alimentos, a inflação dos últimos 12 meses até setembro caiu para 4,31%, frente a 5,05% no período de um ano terminado em agosto. Esse foi o índice mais baixo desde agosto de 2015, e ficou aquém da previsão do mercado. Analistas ouvidos pela agência de notícias Reuters esperavam índice de 4,80%. O Banco Central indiano antecipou de 2021 para 2018 sua previsão de chegar a uma inflação de 4%.
Antes um problema crônico, a queda da inflação, por sua vez, reforça as perspectivas de redução na taxa de juros — apesar do forte ritmo de crescimento econômico. No dia 4, a Índia surpreendeu o mercado ao cortar 0,25 ponto porcentual de sua taxa básica de juros, que ficou em 6,25% — a mais baixa em cinco anos. Foi a primeira decisão do novo Comitê de Política Monetária (Copom), e também sob a gestão do novo presidente do BC, Urjit Patel. Antes, era o presidente do BC quem decidia sozinho sobre a taxa de juros. Agora, ele votará só em caso de empate entre os seis membros do Copom. De janeiro de 2015 para cá, o juro caiu 1,75 ponto porcentual. Os economistas esperam agora cortes de até 0,5 ponto porcentual. A meta do juro real foi rebaixada da faixa de 1,5% a 2% para 1,25%.
No relatório, o Copom observa: “O crescimento global vem desacelerando mais que o previsto para 2016 até agora, com investimento e comércio fracos reprimindo a demanda agregada. Enquanto isso, riscos na forma do Brexit, estresse bancário na Europa, reequilíbrio do crescimento impulsionado por endividamento na China, crescente protecionismo e confiança declinante na política monetária (no mundo, não na Índia) têm apontado o cenário para baixo”. Já o crescimento econômico da Índia, o maior entre as economias importantes do mundo, é empurrado pelo consumo interno.
A maior vitória de Mori na direção da modernização da economia indiana foi a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (GST). Aprovado em agosto pela Câmara dos Deputados, ele unifica em 18% as alíquotas de todos os Estados e produtos. A unificação havia sido proposta 13 anos atrás, mas sofreu inúmeras resistências, incluindo do próprio Mori, quando era governador do Estado de Gujarat. Esse como outros Estados industrializados temiam a perda de receita com a cobrança dos impostos no destino em vez da origem, o que favorece as unidades mais pobres da federação. Os Estados mais ricos serão indenizados por eventual perda de receita. Mas o ministro da Fazenda, Arun Jaitley, argumentou que eles ganharão com o recolhimento de impostos sobre os serviços, que o GST ampliará a base tributária, cobrirá brechas e aumentará a arrecadação. Os impostos deixam de incidir em cascata, como acontece no Brasil. E termina a guerra fiscal, que levava as mercadorias — ou apenas notas fiscais — a transitar entre os Estados e voltar só para recolher menos impostos. Na prática, o GST cria um mercado comum de 1,3 bilhão de consumidores.
“A aprovação do GST nos dá convicção adicional na nossa previsão de crescimento em torno de 8% na Índia nos próximos anos”, afirma um relatório do dia 11 da agência de avaliação de risco Standard & Poor’s. “Pode-se dizer que é a reforma estrutural mais importante até o momento do governo Modi e melhorará a eficiência, o comércio intra-estados e a fluidez tributária.” A agência considera o crescimento indiano “de alta qualidade, sem esteróides, apoiado pela ampliação da base de consumo”.
Apesar de robusto, o crescimento não tem criado empregos no ritmo desejado. O índice de desemprego é de 5%, comparado com 3,8% em 2011, quando a Índia começou a ser afetada pela desaceleração mundial. Modi prometeu criar 250 milhões de vagas, e esse se tornou o seu calcanhar de Aquiles. Isso se deve ao fato de que os investimentos do setor privado ainda não decolaram, em parte por falta de disponibilidade de crédito. Diante disso, além de baixar os juros, o governo planeja apresentar no mês que vem no Parlamento um plano de investimentos públicos em rodovias, ferrovias e projetos de geração de empregos na zona rural, no valor de 7,5 bilhões de dólares para os próximos cinco meses, o que representa 2,5% do orçamento anual do país. Em agosto, o Parlamento já havia aprovado uma emenda para investimentos adicionais de 3,1 bilhões de dólares. O Ministério das Finanças calcula que, somadas, essas injeções de investimentos devem acrescentar 0,4 ponto porcentual de crescimento ao PIB.
A equipe econômica está instruída a aumentar os gastos sem pôr em risco a meta de déficit público de 3,5% do PIB. No ano passado, o governo cortou 630 milhões de dólares nos gastos, para atingir a meta de 3,9% de déficit, porque as estimativas de aumento de 5% de receitas tributárias não se confirmaram.
Os técnicos do Ministério das Finanças monitoram o déficit com lupa. No ano fiscal iniciado em abril e que vai até março do ano que vem, o déficit já havia alcançado em agosto 76,4% do orçamento. Houve frustrações de receitas. Um leilão de faixa de telefonia rendeu 2,25 bilhões de dólares a menos do que o esperado pelo governo. E um programa de cortes de ativos, destinado a economizar 8,47 bilhões de dólares, levantou até agora apenas 480 milhões. O governo concedeu ainda aumentos e benefícios de moradia para 10 milhões de servidores e pensionistas, aumentando os gastos.
Mas a equipe econômica espera economizar 1,8 bilhão de dólares na retirada de subsídios para combustíveis. Uma anistia fiscal, que levou 64 mil contribuintes a declarar ativos ocultos, gerou uma arrecadação de US$ 9,8 bilhões. E o próprio GST também deve aumentar a receita tributária.
No âmbito dos Brics, o boom econômico da Índia — além do clássico dinamismo chinês, um pouco contido agora — é o motor do comércio. As trocas no grupo dos cinco maiores emergentes aumentaram 5,8% no primeiro semestre deste ano, em contraste com uma contração de 2,2% em igual período de 2015, de acordo com a Maersk Line, maior empresa de transporte marítimo do mundo.
Esse crescimento, segundo nota da Maersk Line para a imprensa, “foi liderado pela Índia, seguida da China, e a previsão é de que aumente o ritmo no ano que vem, quando o Brasil e a Rússia deverão sair da recessão, contribuindo por maior expansão do PIB”. As trocas da Índia com os outros Brics cresceram 6,5% em 2015 e devem aumentar 7,8% este ano. A China ainda é o maior parceiro comercial, tanto dos Brics quanto da Índia. As trocas com a China representam 82% do total da Índia com os Brics.
Temer chega para tentar aumentar a participação do Brasil nesse extraordinário mercado. Mas, para começar, ele bem que pode ser contagiado pelo esforço de Modi de organizar a economia de seu país.