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Argentina: corrida contra o tempo

O ministro das Relações Exteriores, José Serra, escolheu a Argentina como destino de sua primeira viagem internacional, que começou nesta segunda-feira. Lá, o projeto é retomar a boa relação com os vizinhos. Mas Serra também poderá colher ensinamentos – positivos e negativos – de um governo que, em muitos aspectos, começou as reformas difíceis meses antes […]

SERRA E MACRI: laboratório das mais tresloucadas experiências econômicas, a Argentina tenta arrumar a casa / Divulgação

SERRA E MACRI: laboratório das mais tresloucadas experiências econômicas, a Argentina tenta arrumar a casa / Divulgação

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Da Redação

Publicado em 24 de maio de 2016 às 12h38.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h00.

O ministro das Relações Exteriores, José Serra, escolheu a Argentina como destino de sua primeira viagem internacional, que começou nesta segunda-feira. Lá, o projeto é retomar a boa relação com os vizinhos. Mas Serra também poderá colher ensinamentos – positivos e negativos – de um governo que, em muitos aspectos, começou as reformas difíceis meses antes do Brasil. Desde que assumiu, em dezembro, o presidente Mauricio Macri tem seguido os manuais de economia, num esforço de arrumação da casa inédito na história recente da Argentina, laboratório das mais tresloucadas experiências econômicas.

Renegociou e pagou a dívida de 9,4 bilhões de dólares com credores, retirando o país da condição de pária financeiro internacional; elevou a taxa básica de juros, atualmente em estratosféricos 36,75%, para segurar a inflação; eliminou subsídios nas tarifas dos serviços públicos, liberou preços, o câmbio e a saída de divisas, introduzindo dados de realidade do mercado; para setembro, promete estabelecer metas de inflação, para conferir credibilidade e previsibilidade à política econômica. Saindo dos manuais para a vida real, as medidas causaram aumento dos preços, do desemprego e da pobreza, abalando a popularidade do presidente e pondo fim à “lua-de-mel”. Apoiado pelo mercado, no entanto, Macri segue firme em sua aposta.

“No momento, o pilar da estratégia para combater a inflação está na política monetária do Banco Central (BCRA), com níveis de juros em pesos que conduziram a uma forte absorção de base monetária nos primeiros meses do ano e que, segundo a retórica do BCRA, buscaria convencer os agentes do compromisso da autoridade monetária com uma trajetória declinante de inflação”, escreveram, em um diagnóstico pedido por Exame Hoje, os economistas Federico Furiase e Martín Vauthier, da consultoria Estudio Bein & Asociados, e professores do Mestrado em Finanças da Universidade Torcuato Di Tella.

“No entanto, acreditamos que os juros altos, em um país com baixa disponibilidade de crédito em relação ao PIB, impactam sobre o índice de inflação no curto prazo, por meio da ancoragem da taxa de câmbio. Como demonstra o exemplo do Brasil, a construção de uma moeda nacional, sustentada na credibilidade do Banco Central, é um caminho longo e sem atalhos.”

Um histórico de atalhos

A observação é plena de significados, no contexto da experiência argentina. Da hiperinflação dos anos 80 para a dolarização promovida por Carlos Menem (presidente entre 1989 e 99) e a súbita desistência da paridade do peso com a moeda americana, em 2002, os argentinos foram de experimentos em experimentos, tentando escapar das leis da economia segundo as quais não se atinge a estabilidade da moeda sem sacrifícios, entre eles a responsabilidade fiscal.

A dolarização produziu nos argentinos uma euforia baseada na crença de que estavam se tornando um país desenvolvido. Já a derrocada desse programa os lançou na depressão, introduziu na população um senso de humildade, antes desconhecido, e até mesmo uma certa inveja do caminho trilhado pelo eterno rival, o Brasil. Agora, ironicamente, a Argentina olha para o vizinho com uma certa altivez, de quem largou cinco meses na frente na corrida da reorganização.

Durante apresentação no dia 28 de abril, o presidente do BCRA, Federico Sturzenegger, advertiu que a redução dos juros, esperada com ansiedade, só ocorrerá quando estiver assegurada a introdução de regime de metas de inflação, que o governo deseja promover em setembro. A equipe econômica fala em uma meta de 25% para este ano. O mercado acha isso difícil. Graças às manipulações estatísticas ocorridas no governo de Cristina Kirchner (que presidiu o país de 2007 a 2015, como sucessora de seu marido Néstor, que assumiu em 2003), atualmente não há um índice oficial de inflação.

O Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec) está revendo seus cálculos, e só deve voltar a anunciar seus índices no segundo semestre. A Estudio Bein calcula que a inflação tenha atingido 26,1% em 2015. Para este ano, a consultoria projeta um índice de 37,4%, consistente com uma alta mensal de 1,5% a partir de julho. No mês passado, os preços aumentaram 7,2% na Região Metropolitana de Buenos Aires, segundo Furiase e Vauthier, em razão do impacto da alta das tarifas de serviços públicos.

A Argentina lida com o desafio de reverter a inércia. Evitando comprometer-se com a meta de 25%, Sturzenegger disse que pretende manter o índice o mais próximo possível desse patamar, de maneira a “acomodar as expectativas abaixo de 20% em 2017”. No Informe de Política Monetária deste mês, o BCRA afirma que procurará “reduzir a inflação abaixo do nível esperado pelo consenso para 2016 e levar as expectativas para abaixo de 17% para 2017”. Tudo isso com o objetivo de “transitar na direção de uma inflação de 5% ao ano para 2019”.

É uma calibragem fina. “A política monetária do BCRA prevê o regime de metas de inflação, no qual os instrumentos para gerar reputação e coordenar expectativas são a taxa de juros e a comunicação”, analisam Furiase e Vauthier. “Mas, no fim das contas, para construir reputação, o BCRA tem de ir aproximando a inflação da meta, e por isso é crucial que ele adote uma meta viável.”

Furiase e Vauthier acham que Macri reúne condições de resgatar a Argentina do risco de insolvência. “O governo leva a vantagem de começar uma história financeira com dívida pública muito baixa nos mercados (em torno a 16% do PIB em 2015), e com a possibilidade de seguir estreitando os spreads (diferença entre o que os bancos pagam de juros para captar recursos e cobram para emprestar o dinheiro) para convergir para taxas de juros mais parecidas com a de seus vizinhos.”

Corrida contra o tempo

Politicamente, é uma corrida contra o tempo. A fatia de argentinos com renda menor que uma cesta básica aumentou de 29%, no fim do ano passado, quando Macri assumiu, para 33%, segundo levantamento da Universidade Católica da Argentina. No primeiro trimestre deste ano, o desemprego na Grande Buenos Aires foi de 8,6%, ligeiramente mais alto do que em igual período de 2015, quando o índice registrou 8,4%.

A aprovação do governo Macri caiu de 71% em dezembro para 53% neste mês. Já a rejeição subiu de 26% para 43%, segundo pesquisa da Ricardo Rouvier & Asociados. Para o analista Pablo Knopoff, da consultoria Isonomia, os argentinos não aguentarão esperar muito tempo pela retomada: “A lua-de-mel está cedendo espaço para demandas por soluções concretas”. A diminuição do apoio já se reflete no Parlamento. No dia 19, Macri sofreu a primeira derrota desde que assumiu, com a aprovação de uma lei na Câmara de Deputados que proíbe demissões por 180 dias. No dia seguinte, o presidente usou seu poder de veto pela primeira vez para barrar o projeto. Sua base tem apenas 91 dos 257 deputados, mas até aqui o presidente contava com a chamada “oposição racional”.

O psicanalista Marcos Aguinis, autor do livro O Atroz Encanto de ser Argentinos, que descreve a tendência de seus compatriotas de buscar atalhos em vez de fazer a tarefa de casa, está otimista, no entanto. “O presidente Macri tem desmonstrado ser melhor político do que se esperava. Ele compôs o gabinete mais jovem e eficiente de que se tem notícia nas últimas décadas”, elogia Aguinis. “A inflação e o aumento das tarifas são compreendidos pela maioria das pessoas, como resultado da má gestão dos Kirchner. Não havia um caminho melhor para ordenar o país. Você verá que, nos próximos meses, a inflação se reduzirá e as tarifas ficarão estáveis. Além disso, está se produzindo um forte aumento dos investimentos nacionais e estrangeiros, o que resultará em crescimento do emprego.”

É o que dizem os manuais.

(Lourival Sant’Anna) 

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