Parte externa do sítio criacionista Encontro com a Arca, em Williamstown, Kentucky, em 30 de setembro de 2022 (AFP/AFP Photo)
AFP
Publicado em 19 de outubro de 2022 às 15h26.
Uma enorme Arca de Noé, que abriga figuras articuladas em tamanho real de ovelhas, veados e até dinossauros, tornou-se um símbolo do criacionismo nos Estados Unidos, atraindo multidões de cristãos evangélicos com sua encenação e mensagens políticas.
Junto com o Museu da Criação, esse parque de diversões afirma que Deus criou a Terra em seis dias por volta de 4.000 a.C. e denuncia, ferozmente, a teoria da evolução.
Longe de serem marginais, essas crenças estão inscritas em uma sociedade americana, na qual alguns põe verdades estabelecidas em xeque, até mesmo sobre a extinção dos dinossauros há 65 milhões de anos.
“Achamos que uma grande maioria desapareceu durante o dilúvio”, afirma Mark Looy, cofundador do projeto, ao lamentar que “os dinossauros são, normalmente, usados pelos evolucionistas para propagar sua visão do mundo”.
“Mas nós os recuperamos para contar a verdadeira história!”, explica ele, ao lado de um esqueleto de alossauro na entrada do Museu da Criação.
Administrado pela organização Answers in Genesis e financiado por uma campanha de doações, abriu suas portas em 2007 em Petersburg, no leste do Kentucky, centro dos Estados Unidos.
Em 2016, esta poderosa associação criacionista inaugurou sua Arca de Noé, de dimensões imponentes, em Williamstown, a 70 quilômetros de distância. Trata-se de uma infraestrutura de 150 metros de comprimento, 15 metros de altura e 25 metros de largura. Desde então, os dois locais permanecem cheios, apesar de um ingresso combinado de US$ 85 por adulto.
Em casal, com amigos, ou com filhos, os visitantes — mais de um milhão por ano, segundo Looy — chegam de todo o país para visitar as exposições, mas também para pular de uma tirolesa, ou acariciar os animais do zoológico.
A maioria dos visitantes é criacionista.
“Meu marido e eu acreditamos que a Terra tem 6.000 anos”, diz Suzanne Swindle, uma executiva de 37 anos que viajou de Atlanta para ensinar sua filha de 4 anos que a Bíblia “não é apenas uma história".
Ela não nega, porém, que as espécies “se adaptam ao seu ambiente”, um dos pilares da Teoria da Evolução de Darwin.
Da mesma forma, Mike Barrington, um ex-militar de 70 anos, de Louisiana, também se identifica como criacionista, mas acrescenta: "Essa história dos dinossauros é nova para mim".
Essas contradições se refletem nas pesquisas. De acordo com uma pesquisa Gallup de 2019, 40% dos americanos acreditam que Deus criou o homem há menos de 10.000 anos.
Já o Harris Institute fez perguntas mais sutis e chegou a um número menor, em torno de 15% a 17%, diz Adam Laats, historiador da Universidade de Binghamton e autor do livro "Creationism USA".
Para ele, essa diferença se deve ao fato de que se autodenominar criacionista nos Estados Unidos "vai além da religião, ou da ciência: é um marcador identitário em uma guerra cultural muito mais ampla".
"Alguém pode dizer: 'Acho que sou criacionista, porque não gosto de pornografia, não quero direitos ao aborto, nem quero direitos LGBTQ'".
Para Laats, décadas de conflito sobre quais instituições são confiáveis nos Estados Unidos — da Justiça e política à ciência e à mídia — criaram "ideias radicalmente diferentes sobre verdade e realidade".
No museu, um videogame reflete essa leitura binária do mundo. Dois campos se enfrentam: "o mundo do Homem", associado ao "aborto", ou ao "casamento gay"; e o de "Deus", ligado ao "casamento cristão" e à "vida sagrada".
Essas questões estão no centro das eleições de meio de mandato de 8 de novembro, e Laats vê "uma correlação entre os criacionistas e os trumpistas mais ardentes".
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