Mulheres sauditas: com frequência, elas eram detidas pela polícia por dirigir e precisavam que um parente do sexo masculino as buscassem (Faisal Al Nasser/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 4 de junho de 2018 às 18h57.
Última atualização em 4 de junho de 2018 às 19h14.
Dubai - A Arábia Saudita emitiu carteiras de motorista para mulheres pela primeira vez em sua história nesta segunda-feira, 4. Dez sauditas receberam suas habilitações, enquanto o país se prepara para suspender a lei que proíbe as pessoas do sexo feminino de dirigirem.
Um comunicado transmitido pelo governo saudita informou que as dez mulheres que receberam os documentos já tinham habilitação em outros países, como Estados Unidos, Reino Unido, Líbano e Canadá. Elas fizeram exames de direção breves e exame oftalmológico antes de receber as licenças do Departamento- Geral de Trânsito da capital, Riad.
O veto será retirado no dia 24 e muitas se preparam para exercer o direito conquistado fazendo cursos de direção. Algumas sauditas estão até mesmo fazendo treinamento para se tornarem motoristas de empresas, como a Uber. Mulheres sauditas se queixam, há muito tempo, de serem obrigadas a contratar motoristas homens ou depender de parentes do sexo masculino para ir ao trabalho ou cumprir tarefas.
A emissão das habilitações antes da suspensão da lei foi uma surpresa, pois quatro ativistas pelos direitos das mulheres estão presas e aguardam um possível julgamento. No domingo, um promotor da Arábia Saudita disse que 17 pessoas foram presas nas últimas semanas por suspeita de atrapalhar a segurança e estabilidade do país. Ativistas afirmam que o caso tem como alvo figuras importantes na campanha pelos direitos das mulheres sauditas.
Segundo comunicado do promotor, oito mulheres foram libertadas temporariamente, enquanto cinco homens e outras quatro mulheres continuam detidos.
Dentre as ativistas mantidas presas, estão Loujain al-Hathloul, Aziza al-Yousef e Eman al-Nafjan. As três estão entre as mais conhecidas ativistas na Arábia Saudita.
Por anos, elas arriscaram ser presas ao pressionar o governo pelo direito de dirigir e também ao pedir o fim das leis de tutela, que dão a parentes do sexo masculino a palavra final sobre uma mulher se casar ou viajar para o exterior. O ativismo das três é visto como parte de um movimento maior pelo direitos civis e democráticos no reino saudita.
Agora, as elas enfrentam acusações que incluem comunicação com pessoas e organizações hostis ao reino e fornecimento de apoio financeiro e moral e elementos hostis ao reino no exterior. Meios de comunicação ligados ao Estado se referiram às três como "traidoras".
Histórico. Três outras ativistas pelos direitos das mulheres sauditas foram detidas. Elas foram as primeiras a se manifestar sobre a questão, na década de 90. Cerca de 50 mulheres participaram desse primeiro movimento, há 28 anos. Elas foram presas, perderam seus empregos, tiveram seus passaportes confiscados por um ano e enfrentaram estigmatização severa.
Outras pessoas foram detidas ao longo dos anos, durante vários esforços de ativistas em favor do direito das mulheres de dirigir. Enquanto a lei saudita nunca proibiu de maneira explícita que pessoas do sexo feminino conduzam veículos, elas nunca chegaram a receber carteiras de motorista.
Com frequência, mulheres detidas pela polícia por dirigir precisavam que um parente do sexo masculino as buscassem. Além disso, os homens tinham de assinar um compromisso, em nome da mulher detida, afirmando que ela não voltaria a dirigir.
Para impulsionar a economia e aliviar as críticas internacionais, o príncipe herdeiro Mohammad bin Salman vem promovendo mudanças no país. Além de permitir que mulheres dirijam, ele também tentou atrair apoio do público mais jovem, ao abrir o país para o entretenimento.
O príncipe autorizou a realização de shows e permitiu que, pela primeira vez, um filme fosse exibido nos cinemas. No entanto, grupos de defesa dos direitos humanos dizem que a prisão de ativistas pelas forças de segurança é uma tentativa de silenciar os dissidentes e pode ser uma maneira de congelar quaisquer pedidos para reformas maiores.
A porta-voz do Alto-Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, Liz Throssell, descreveu a repressão aos ativistas como "desconcertante". "Se, como parece, suas detenções estão relacionadas unicamente a seus trabalhos como defensoras dos direitos e ativismo sobre questões femininas, eles devem ser liberados imediatamente", afirmou.