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Após ataques, Irã só terá força para lutar guerras 'de série B', diz especialista

Israel e EUA fizeram uma série de bombardeios para destruir a capacidade militar e nuclear do país

Iranianos celebram cessar-fogo em Teerã, na terça-feira, 24 de junho (Atta Kenare/AFP)

Iranianos celebram cessar-fogo em Teerã, na terça-feira, 24 de junho (Atta Kenare/AFP)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 24 de junho de 2025 às 18h08.

Última atualização em 24 de junho de 2025 às 18h40.

O conflito entre Israel e Irã, que teve um cessar-fogo iniciado nesta terça-feira, 24, deixou claro que os iranianos não têm condições de lutar uma guerra moderna. Dois exemplos disso são que Israel conseguiu, em questão de horas, anular a defesa aérea do país, enquanto os mísseis iranianos foram quase todos abatidos pelos sistemas israelenses. 

“Guerra moderna, com drones e mísseis, o Irã não faz mais. Os mísseis iranianos estão duas ou três gerações atrasadas em relação aos mísseis de interceptação”, disse Leonardo Trevisan, professor de relações internacionais da ESPM, em entrevista à EXAME.

“Sem guerra moderna, a realidade é como a de um jogo de série B. O Irã pode 'jogar futebol', mas é na turma B. Ele não vai estar mais na série A”, afirma.

Trevisan, que tem pós-doutorado pela University of London, avalia ainda que as ações de Israel e do presidente Donald Trump, que ordenou um bombardeio ao Irã e depois mediou um cessar-fogo, foram motivadas por interesses econômicos.

“Trump tem o olhar de corretor de imóvel, de quem vê bons negócios. Ele já disse que Gaza seria um resort. Com os Acordos de Abraão, imagine Dubai sendo multiplicada por dez ou 100, em todo o Oriente Médio. Em outras palavras, seria o dinheiro do petróleo fabricando outro tipo de Oriente Médio com a tecnologia israelense”, afirma.

Veja a seguir mais trechos da entrevista. 

O cessar-fogo entre Israel e Irã deve durar?

O Irã não tem como retornar [o conflito]. A violência do ataque israelense foi definitiva. O Irã vai levar muitos anos para repor a sua capacidade militar, e seus braços armados [no exterior] não existem mais. Israel, para usar uma expressão de Trump, fez o serviço e eliminou o poder militar do Irã. Guerra moderna, com drones e mísseis, o Irã não faz mais. Os mísseis iranianos estão duas ou três gerações atrasadas em relação aos mísseis de interceptação. Isso basta para ver que o Irã não consegue avançar muito na guerra moderna. E sem guerra moderna, a realidade é como a de um jogo de série B. O Irã pode “jogar futebol”, mas é na turma B. Ele não vai estar mais na série A. 

Qual é a extensão dos danos feitos por Israel?

Os céus iranianos são de Israel. E isso não é de agora, é de outubro do ano passado, quando Israel destruiu as bases dos S-300 e S-400 que a Rússia tinha dado para o Irã. A partir daí, a aviação israelense tinha controle absoluto, fora a inteligência militar, que fez um serviço brutal no Irã. Neste quadro, é muito difícil pensar em um renascimento militar do Irã. Israel não permitiria. O Irã perdeu completamente seus braços armados [em outros países], como os houthis, o Hamas e o Hezbollah. Depois do 7 de outubro [ataque do Hamas a Israel], Israel tomou a decisão de eliminar os braços armados do Irã e conseguiu. O Hezbollah praticamente desapareceu e o Hamas hoje é apenas um grupo guerrilheiro. Foram 16 mil combatentes mortos em Gaza, segundo dados de Israel e dos palestinos. Os Houthis do Iêmen também foram silenciados. Os militares israelenses têm uma expressão para definir o Irã: a cabeça da cobra. A ideia é: não adianta cortar o rabo da cobra, porque ele cresce de novo. Você precisa ir para cima da cabeça da cobra, E é isso que aconteceu. 

Se o conflito acabar de fato, esta será a maior conquista de Trump na arena internacional até agora?

Desde que chegou na Casa Branca, ele estava atrás de um cessar-fogo para chamar de seu. Mas estava difícil, porque Gaza é o que é e a Ucrânia o jogo é de outra natureza. Para Trump, com os objetivos dele, esse cessar-fogo é ideal. Ele pegou carona com as conquistas israelenses. Foi uma carona competente. Ele é um bom comunicador e isso serve para atender os objetivos dele de comunicação, de presença, de exercício de hegemonia. 

Donald Trump, presidente dos EUA, recebido por Tamim bin Hamad al-Thani, emir do Qatar, em Doha, em 14 de maio (Brendan Smialowski/AFP)

Por que Trump quer tanto um cessar-fogo no Oriente Médio?

Essa é uma pergunta de um trilhão de dólares. Porque é de trilhão que nós estamos falando. Trump quer um cessar-fogo para que os Acordos de Abraão saiam efetivamente da gaveta, sejam assinados e um novo Oriente Médio, que seja muito bom para os negócios, apareça. No primeiro mandato do Trump (2017-2021), ele formalizou os Acordos de Abraão, uma aproximação muito forte entre Israel e os países árabes. Era uma aproximação diplomática, um reconhecimento mútuo e abertura de frentes de negócio. Durante o governo Biden, essa aproximação entre países árabes moderados e Israel avançou de forma moderada. 

Como está o avanço desses acordos hoje?

Há uma liderança mais moderna nos países árabes. Eu estou falando, por exemplo, de Mohammed bin Salman na Arábia Saudita, mas isso está se espraiando por outros países árabes moderados que têm clareza de que virá uma era pós-petróleo, e eles querem se preparar para isso. Eles perceberam que Israel é uma nação de startups, uma nação moderna, com uma possibilidade infinita de crescimento. Quando [Benjamin] Netanyahu fala que haverá um novo Oriente Médio quando o conflito terminar, a ideia dele é juntar forças. E como terminar o conflito? Primeiro, se for possível, eliminar os palestinos, ou silenciá-los totalmente. O outro ponto é o Irã, que atrapalhava bastante esse jogo. Os xiitas não veem essa mudança do Oriente Médio dessa forma. Israel foi para cima do Irã porque o Irã era o grande entrave a essa modernização dos acordos de Abraão.

E como Trump tenta avançar estes acordos agora?

Trump fez a primeira viagem como presidente [neste mandato] para a Arábia Saudita. Ele olha para esse novo Oriente Médio com o olhar de corretor de imóvel, de quem vê bons negócios. Ele já disse que Gaza seria um resort. Com os Acordos de Abraão, imagina Dubai sendo multiplicada por dez ou 100, em todo o Oriente Médio. Em outras palavras, seria o dinheiro do petróleo fabricando outro tipo de Oriente Médio com a tecnologia israelense. 

Como a China poderá influenciar o futuro do Irã?

A única tábua de salvação para o Irã se chama China. O país tem uma proximidade forte com o Irã, compra o petróleo do país, o que praticamente mantém o Irã funcionando, devido às sanções [americanas]. A China percebeu um bom negócio no Irã, de o país se transformar em uma espécie de cabeça de ponte da China no Oriente Médio. Então, tem a possibilidade do Irã se transformar numa espécie de protetorado chinês para negócios. A China não se mete em questões políticas, ideológicas e muito menos religiosos. A China só quer negócio. Então o Irã pode se transformar nesse papel. A China vai colocar uma mão protetora sobre o Irã, com oxigênio econômico, e o Irã vai sobreviver economicamente.

Como vê o futuro do regime iraniano?

O Aiatolá Khamenei já indicou três novos sucessores, que ninguém sabe quem são, mas provavelmente são uma ala mais moderada em relação ao convívio com esse novo Oriente Médio. Se ele tomar esse caminho, sobrevive como liderança. Se não tomar, provavelmente não dura muito.

A oposição teria força para derrubar o regime? 

Vontade [de mudança] existe no Irã. Você lembra da Mahsa Amini, aquela moça de 22 anos que foi morta porque esqueceu de puxar o xador mais para frente e apareceu os cabelos? Os protestos por essa morte deixaram 500 mortos e não resolveram muita coisa. Existe uma polícia de costumes, uma polícia política que consegue manter o poder do Aiatolá, mas tem outro Irã, mais moderno, mais jovem. O Irã tem uma grande população jovem, que não gosta do governo do aiatolá. Agora, tirar os aiatolás de lá, de repente, vai implicar uma guerra civil. E isso ninguém quer, porque os exemplos do Iraque, da Líbia, e da Síria são assustadores. O Irã tem 100 milhões de habitantes. É muito maior do que o Iraque. O Ocidente não vai deixar um caos ali, então talvez o governo do aiatolá continue mais algum tempo.

Como vê o futuro do programa nuclear iraniano

O golpe mortal foi a perda de toda a inteligência, a ciência acadêmica, os cérebros, os cientistas nucleares que o Irã tinha. Sem cientista nuclear fica difícil fazer qualquer coisa e parece que Israel, na prática, atrasou bastante esse projeto nuclear, matando essa inteligência. 

Como fica a situação de Gaza neste contexto?

Como diz uma expressão brasileira, Israel está limpando o terreno, tirando os obstáculos da frente. O primeiro obstáculo são os palestinos. Os palestinos não têm interesse nesse grande acordo. Os palestinos são mal-vistos pelos árabes moderados faz séculos. O Exército de Israel recebeu uma ordem do gabinete do Netanyahu para ocupar dois terços de Gaza. O Exército está fazendo um movimento de pinça, empurrando e colocando os 2 milhões de palestinos em Gaza, na parte norte a faixa, na beira do Mar Mediterrâneo. Na prática, está criando um gueto. Os palestinos perderam 2/3 de Gaza, no mínimo. Ah, para não falar em 80% ou mais. O futuro dos palestinos está mais ou menos decidido.

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