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Apesar de bilhões de doses reservadas, Europa não consegue vacinar e intensifica crise

Ritmo lento da vacinação leva países europeus à segunda crise econômica e pode criar novos sentimentos de rejeição à União Europeia

Fila em loja de Milão: com vacinação atrasada, poucos acreditam que zona do euro recupere sua força econômica antes de 2022 (Alessandro Grassani/The New York Times)

Fila em loja de Milão: com vacinação atrasada, poucos acreditam que zona do euro recupere sua força econômica antes de 2022 (Alessandro Grassani/The New York Times)

CR

Carolina Riveira

Publicado em 14 de fevereiro de 2021 às 08h01.

O ano novo deveria trazer melhor fortuna econômica para toda a Europa, à medida que as vacinas contra o coronavírus iam sendo aplicadas.

Em vez disso, a economia da zona do euro encolheu no fim de 2020, de acordo com dados oficiais deste mês, gerando temores de uma recessão renovada e demonstrando que a pandemia provavelmente continuará a ser uma força por pelo menos mais alguns meses, graças aos problemas da União Europeia em distribuir vacinas.

A produção econômica dos 19 países que pertencem à zona do euro caiu 0,7% no quarto trimestre em relação ao trimestre anterior, de acordo com uma estimativa preliminar da agência oficial de estatísticas da União Europeia. No ano inteiro, a produção global caiu 5,1%.

É provável que a Europa sofra contração econômica contínua nos primeiros três meses de 2021 e talvez no início do próximo trimestre, já que os governos são forçados a manter restrições ao comércio, de acordo com um relatório divulgado em dois de fevereiro pela Oxford Economics, em Londres. "Há definitivamente o risco de que a distribuição de vacinas continue decepcionando. Há o risco de que o segundo trimestre também seja muito ruim", disse Tomas Dvorak, economista da zona do euro da Oxford Economics.

O fracasso dos governos europeus em obter vacinas para seus cidadãos poderia criar uma reação política, alimentando o ressentimento contra Bruxelas e azedando as já inquietas relações entre os 27 países que integram a UE. A concorrência por vacinas já azedou as relações do bloco com o Reino Unido.

"Temos de observar as possíveis consequências políticas", declarou em nota Holger Schmieding, economista-chefe do Berenberg Bank, em Londres.

Trabalhador em bar de Paris: é provável que a Europa sofra contração econômica contínua nos primeiros três meses de 2021 e talvez no início do próximo trimestre (Andrea Mantovani/The New York Times) (Andrea Mantovani/The New York Times)

Anteriormente, a Oxford e outros economistas haviam previsto estagnação para o primeiro trimestre do ano, seguida por uma melhora acentuada no segundo. Essa visão foi guiada pela suposição de que as vacinas seriam amplamente distribuídas, permitindo que as autoridades levantassem as restrições impostas para controlar a propagação do coronavírus. Conforme as pessoas fossem retornando às lojas, restaurantes e destinos de férias, e conforme as fábricas retomassem a produção, as economias se expandiriam novamente.

Esse resultado parece agora contar com um atraso garantido, pois a Europa enfrenta dificuldades para obter e distribuir vacinas. A zona do euro enfrenta sua segunda recessão em seis meses, depois que sua economia encolheu no primeiro semestre de 2020.

As fábricas europeias em grande parte se adaptaram à pandemia e estão operando quase normalmente, mas as pessoas cujo emprego depende do contato presencial estão sofrendo. Mais da metade dos alemães que trabalham em hotéis ou restaurantes, cerca de 600 mil pessoas, estão em licença subsidiada pelo governo e efetivamente desempregadas, de acordo com o Instituto Ifo em Munique, organização de pesquisa.

A Alemanha conseguiu apenas um crescimento pequeno no quarto trimestre de 2020, e a economia da Itália e a da França diminuíram. As três permanecem em confinamento.

Nos 27 Estados da União Europeia, apenas 2,5%, em média, da população receberam pelo menos uma dose de vacina, enquanto a Alemanha, a Itália e a França estão todas abaixo dessa marca sombria.

Em contrapartida, o Reino Unido – que comprou agressivamente vacinas e que depende de seu sistema nacional de saúde para distribuí-las – garantiu pelo menos uma dose a mais de 13% da população.

Economistas assumem que a UE terá sucesso em aumentar substancialmente a vacinação em breve, permitindo que as restrições sejam gradualmente levantadas. Mas o potencial para mais decepção permanece.

"As duras quarentenas contra o vírus fizeram mais uma vez a economia da zona do euro entrar em recessão", afirmou Christoph Weil, economista do Commerzbank, em nota a clientes. Ele previu que a queda no trimestre atual seria ainda mais acentuada.

Os europeus esperavam estabilidade depois de um ano de montanha-russa. No segundo trimestre de 2020, o Produto Interno Bruto caiu 11,7% com a pandemia. Em seguida, o crescimento se recuperou 12,4% no trimestre seguinte, o maior já registrado, à medida que os bloqueios iam diminuindo e as empresas se ajustavam à crise.

Os economistas não esperam variações tão severas em 2021, mas poucos acreditam que a zona do euro recupere sua força econômica antes de 2022.

Muitas vezes difamada por suas atitudes ponderadas e burocráticas diante das crises, a União Europeia se desentendeu com empresas farmacêuticas por causa de termos contratuais, permitindo que governos mais agressivos em Londres, Washington e outros lugares garantissem os suprimentos. Muitos Estados-membros optaram, então, por não comprar todos os seus suprimentos do bloco europeu.

Britânico antes de se vacinar em Gales: vacinação tem sido mais rápida no Reino Unido (Andrew Testa/The New York Times) (Andrew Testa/The New York Times)

Se a escassez e os gargalos de distribuição persistirem, a recuperação econômica pode ser ainda mais prejudicada, já que os governos poderão manter as restrições por mais tempo.

Além do momento do eventual retorno ao crescimento econômico, a deficiente campanha europeia de vacinação também ameaça a magnitude da recuperação.

Conforme as esperanças de que as vacinas se revelem transformadoras vão dando lugar a uma compreensão mais complexa dos riscos contínuos da pandemia, as pessoas podem se mostrar mais cautelosas mesmo depois que os governos permitam o retorno às lojas, escritórios e locais de entretenimento. As empresas que descobriram como substituir viagens de negócios por reuniões via Zoom podem evitar colocar seus funcionários de novo nos aviões. Se persistir uma aversão ao risco, isso pode limitar o crescimento econômico, mesmo depois que a pandemia for controlada.

No entanto, no fim, as vacinas chegarão a toda a população europeia e a taxa de infecção cairá, permitindo um retorno a lugares agora evitados como vetores do vírus.

"Tenho cuidado ao dizer que voltaremos ao normal, porque é muito difícil determinar o que é normal. Mas acho razoável supor que os consumidores vão retomar seus padrões de consumo", disse Dvorak.

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