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Ao negar derrota, Trump influencia líderes que resistem em deixar o poder

Especialista estima que o efeito seja mais tangível em democracias problemáticas, cujos líderes podem encontrar algum apoio na atitude de Trump

Para condenar Trump, dois terços dos senadores teriam de aprovar o artigo de impeachment (Casa Branca/Reprodução)

Para condenar Trump, dois terços dos senadores teriam de aprovar o artigo de impeachment (Casa Branca/Reprodução)

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AFP

Publicado em 22 de novembro de 2020 às 14h35.

Os Estados Unidos há muito são o bastião da democracia no mundo, pressionando de forma persistente, embora nem sempre consistente, para que os líderes que perdem as eleições em seus países deixem o poder.

O presidente Donald Trump estabelece agora um novo modelo: se recusa a ceder, faz alegações infundadas de fraude e busca a intervenção de tribunais e aliados políticos na esperança de reverter sua derrota para Joe Biden.

Figuras políticas e especialistas de vários países temem que tal postura seja adotada com entusiasmo em democracias frágeis, especialmente na África, permitindo que homens fortes apontem para a nação mais poderosa do mundo para justificar sua intenção de se agarrar ao poder.

"A recusa de Donald Trump em conceder a vitória reforça a opinião de nossos líderes na África de que as eleições devem ser conduzidas de modo que eles não percam", disse Mahamat Ahmat Alhabo, secretário-geral do Partido pela Liberdade e Desenvolvimento, opositor ao governo do Chade.

Eldred Masunungure, um cientista político da Universidade do Zimbábue, chamou a postura de Trump de "doce música para governantes autocráticos". "É uma lição suja que nossos dirigentes vão aproveitar e citar (...) quando não quiserem aceitar a derrota", lamentou.

Garry Kasparov, lenda do xadrez russo e crítico declarado do presidente Vladimir Putin, acredita que o ataque de Trump ao processo democrático resultará em "muitos ataques semelhantes em eleições futuras". Trata-se do "descrédito da democracia, o sonho de Putin", escreveu ele no Twitter.

Efeitos tangíveis

Thomas Carothers, um especialista em promoção da democracia, observou que países como Rússia, China e Egito dificilmente precisavam de qualquer conselho de Trump sobre como se opor a eleições competitivas.

Mas ele estima que o efeito seja mais tangível em democracias problemáticas, cujos líderes podem encontrar algum apoio ao verem como Trump pode reivindicar descaradamente a vitória, apesar de Biden acumular quase seis milhões de votos a mais e superá-lo por 306 a 232 no Colégio Eleitoral.

"Eles vêem o poder dessa abordagem, que mesmo uma sociedade tão educada e sofisticada em alguns aspectos como os Estados Unidos pode ser vítima desse tipo de grande mentira", avaliou Carothers, do Carnegie Endowment for International Peace em Washington.

Ele também traçou um paralelo com as denúncias de Trump de "fake news", um termo atualmente usado em todo o mundo por governos que querem amordaçar a mídia.

Entre as nações onde a atitude de Trump pode servir de modelo está a Índia, a maior democracia do mundo que há muito tempo tem eleições fortes, mas onde o primeiro-ministro de direita Narendra Modi tem confrontado a sociedade civil, ressaltou o especialista.

Carothers indicou ainda que o México poderia ser afetado, país onde o presidente Andrés Manuel López Obrador, um populista de esquerda, alegou fraude em suas duas tentativas anteriores de chegar ao poder. Ele também é um dos poucos líderes mundiais que ainda não parabenizaram Biden.

Piers Pigou, um especialista da África Austral do International Crisis Group, prevê que a posição de Trump pode ter um efeito dominó em uma região onde muitos países não têm procedimentos claros para a transição de poder.

No entanto, muitos observadores pensam que isso poderia enviar a mensagem oposta: apesar dele ter todo o poder à sua disposição, ainda se espera que Trump renuncie o cargo em 20 de janeiro.

"A força da democracia está em suas instituições", frisou Jean Gaspard Ntoutoume Ayi, membro do partido opositor União Nacional do Gabão, país onde uma família governou por meio século.

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