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Anatomia de uma queda: Kamala Harris narra em livro a derrota para Trump

Vice-presidente conta bastidores da campanha democrata, marcada por desistência de Biden a 107 dias

Kamala Harris, ex-vice-presidente dos EUA, durante entrevista em outubro de 2026 (Jeff Overs/BBC/AFP)

Kamala Harris, ex-vice-presidente dos EUA, durante entrevista em outubro de 2026 (Jeff Overs/BBC/AFP)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 4 de novembro de 2025 às 06h01.

Kamala Harris chegou à noite da eleição presidencial dos EUA de 2024, em 3 de novembro daquele ano, com a roupa pronta para a vitória. Ela separou um blazer especial e tinha dois discursos prontos: um para celebrar a conquista e outro para pedir aos apoiadores paciência durante a apuração, pois a vitória estava a caminho.

Ela conta, em seu livro "107 Days", lançado recentemente nos Estados Unidos, que não esperava que Donald Trump vencesse tão rapidamente. Perto da meia-noite, já parecia claro que o republicano teria uma conquista arrasadora. Kamala, então, foi orientada a cancelar seu discurso e a esperar pelo dia seguinte. A cena de seus apoiadores voltando para casa, decepcionados, foi um dos marcos daquela noite.

A campanha de Kamala, como o título deixa claro, havia começado 107 dias antes, quando o presidente Joe Biden anunciou que não disputaria mais a reeleição. Sua capacidade física foi questionada por meses, mas ele só desistiu em 21 de julho, a menos de quatro meses do dia da votação.

Assim, a candidatura de Kamala foi colocada de pé às pressas. Geralmente, o processo leva quase dois anos. As primárias, o processo em que cada partido seleciona seu candidato, começam no ano anterior e expõem os pretendentes a muitos testes, que os fortalecem para a disputa. Em 2024, Kamala correu por fora. Por ser vice-presidente, conseguiu articular para que não houvesse primárias, mesmo de curta duração, e selou rapidamente seu nome como a escolha do partido.

Sequência de erros

Com a campanha na rua, no entanto, logo vieram os erros. O maior deles foi que Kamala não conseguiu se posicionar de forma adequada em relação a Biden. O presidente tinha alta rejeição e era criticado por não conseguir conter a inflação no país, que chegou a 10% ao ano em 2022.

Ela diz no livro que, por lealdade, escolheu não criticá-lo em público, mas ouvia de assessores que devia se afastar dele porque "os americanos o odiavam". Ao ficar em cima do muro, ela não conseguiu ser vista como opção de mudança, como desejava.

No relato, feito em capítulos separados por cada dia, Kamala admite que um dos seus erros foi dizer que "não faria nenhuma coisa diferente" do que o presidente fez, durante uma entrevista.

"Não tinha ideia de que eu tinha tirado o pino de uma granada. Não estava preparada para a explosão que viria", escreve Kamala.

No livro, ela faz críticas a Biden: diz que sempre houve uma certa distância entre os dois ao longo do governo, e relembra várias gafes do presidente que atrapalharam sua campanha, como o momento em que ele colocou um boné de Trump durante um evento e quando chamou os apoiadores do rival de "lixo", de forma indireta.

As falhas de Biden ocorreram em meio a um contexto em que a campanha democrata foi perdendo força, a partir de setembro, sem que Kamala conseguisse fazer um gesto forte para conter o avanço de Trump. O debate entre os dois, para o qual ela se preparou por dias, poderia ter sido um momento de virada, mas tampouco mexeu os ponteiros das pesquisas, que mostravam um cenário de empate técnico.

Para os fãs de política americana, o livro traz relatos interessantes dos bastidores de uma campanha, com vários detalhes, mas sob o filtro de uma biografia autorizada. Além disso, o material é pontuado por vários relatos da vida de Kamala e das causas que ela defende, como se ainda fosse uma candidata em campanha.

O futuro de Kamala na política é incerto. No último sábado, 25, ela disse, em entrevista à BBC, que poderia disputar de novo a Presidência. Se voltar a concorrer, ela terá o bônus de ser uma figura já conhecida, mas será pressionada novamente a responder por que o governo Biden, do qual ela fez parte, cometeu tantos erros. Até 2028, haverá tempo para buscar respostas melhores.

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