Mundo

Agressão ofusca os 20 anos do massacre em Srebrenica

Presidência bósnia condenou com firmeza o incidente em que pedras foram jogadas contra o primeiro-ministro sérvio Aleksandar Vucic

Homens rezam em cerimônia dos 20 anos do massacre de Srebrenica  (Matej Divizna/Stringer/Getty Images)

Homens rezam em cerimônia dos 20 anos do massacre de Srebrenica (Matej Divizna/Stringer/Getty Images)

DR

Da Redação

Publicado em 11 de julho de 2015 às 18h04.

A presidência bósnia condenou com firmeza o incidente em que pedras foram jogadas contra o primeiro-ministro sérvio Aleksandar Vucic durante a cerimônia de recordação pelo 20º aniversário do massacre de Srebrenica, depois do pedido de condenação pública por parte de Belgrado.

A presidência tripartite bósnia "condena nos termos mais firmes e lamenta profundamente o ataque de hoje", afirma o comunicado divulgado após o incidente.

O ministério sérvio das Relações Exteriores também exigiu das autoridades de Sarajevo que condenem publicamente o que chamou de tentativa de assassinar o primeiro-ministro Vucic.

"Esperamos que as autoridades da Bósnia condenem publicamente a tentativa de assassinar o primeiro-ministro sérvio", afirma o ministério em uma nota de protesto entregue ao ministério bósnio das Relações Exteriores.

Milhares de pessoas recordaram neste sábado, na localidade bósnia de Srebrenica, o 20º aniversário do massacre de 8.000 muçulmanos pelas forças sérvio-bósnias, em uma cerimônia ofuscada pelo ataque com pedras ao primeiro-ministro sérvio, que teve que abandonar o memorial.

Aleksandar Vucic, um ex-ultranacionalista que se converteu em pró-europeu convicto, acabava de depositar flores diante do monumento com os nomes das mais de 6.200 vítimas identificadas e enterradas no memorial, quando a multidão começou a gritar 'Alá Akbar' (Deus é grande) e a atirar pedras em sua direção.

Cercado pelos seguranças, Vucic conseguiu deixar o local, depois que uma pedra o atingiu na cabeça, enquanto os organizadores do evento pediam calma nos alto-falantes.

Em Belgrado, o ministro das Relações Exteriores da Sérvia considerou o incidente um "ataque" ao país.

"O primeiro-ministro se comportou como homem de Estado ao decidir comparecer e inclinar-se ante as vítimas. É um ataque não apenas contra Vucic, e sim contra toda a Sérvia e sua política de paz e de cooperação regional", afirma Ivica Dacic em um comunicado.

Vucic, no entanto, disse que sua mão permanece estendida para a reconciliação.

"Lamento o que aconteceu hoje e lamento que alguns não tenham reconhecido nossa intenção sincera de construir uma amizade sincera entre sérvios e muçulmanos. Minha mão segue estendida e prosseguirei minha política de reconciliação", declarou Vucic.

Vucic, sem um ferimento visível, disse que uma pedra o atingiu no lábio inferior, mas minimizou a agressão e disse que "não foi nada".

Após o incidente, em um ambiente repleto de emoção e de dor, os restos mortais de 136 vítimas recentemente identificadas do massacre de 11 de julho de 1995 foram sepultados.

Um total de 6.241 corpos identificados estão enterrados no memorial e outros 230 em vários cemitérios.

"Vucic veio nos ver para pedir perdão, mostrar que tem coração, e agora nós vamos ser considerados selvagens", lamentou uma mulher, que pediu anonimato.

O prefeito de Srbrenica também criticou o ataque ao dirigente sérvio.

"Isto é obra de doentes mentais que abusaram deste evento digno. Vucic estendeu a mão hoje a Munira Subasic, a presidente da Associação de Mães de Srebrenica", disse Camil Durakovic, que pretende telefonar ao premier sérvio para pedir desculpas.

Crime monstruoso

Antes de viajar a Srebrenica, Vucic publicou neste sábado uma carta aberta na qual definiu a matança como um "crime monstruoso".

"Não há palavras para expressar a tristeza e a dor pelas vítimas, nem a revolta contra os que cometeram este crime monstruoso", escreveu Vucic, sem utilizar a palavra "genocídio".

Em julho de 1995, em uma região declarada "zona protegida" pela ONU, quase 8.000 adolescentes e homens muçulmanos foram assassinados pelas forças sérvio-bósnias em Srebrenica, no maior massacre registrado na Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Begajeta Salihovic, de 51 anos, enterrou o pai.

"Quando fiquei sabendo que haviam encontrado os restos mortais, tive a impressão de que acabara de morrer", disse a mulher, que também perdeu um irmão no massacre.

Outros dois irmãos, mortos no início do conflito bósnio, nunca tiveram os corpos localizados.

A guerra entre comunidades da Bósnia (1992-1995) deixou 100.000 mortos e dois milhões de refugiados, o que representa quase metade da população da época.

Em Washington, o presidente americano Barack Obama denunciou o "genocídio de Srebrenica", afirmando que seu país continua comprometido em "ajudar os sócios nos Bálcãs a curar as feridas do passado".

Muitas autoridades internacionais estiveram presentes em Srebrenica, entre elas o ex-presidente americano Bill Clinton, cujo governo foi o idealizador dos acordos de paz de Dayton que acabaram com o conflito.

A Bósnia respeita neste sábado um luto nacional em todo o seu território, dividido após o conflito em duas entidades: uma sérvia - a Republika Srpska (RS) - e a outra croata-muçulmana, unidas por frágeis instituições centrais.

Veto russo na ONU

O massacre ainda provoca debate no cenário político internacional e envenena as relações entre Sérvia e Bósnia.

Na quarta-feira, a Rússia vetou um projeto de resolução da ONU sobre Srebrenica, uma decisão comemorada por Belgrado e criticada pelas famílias das vítimas por "impossibilitar a reconciliação".

Os líderes político e militar dos sérvios na Bósnia, Radovan Karadzic e Ratko Mladic, respectivamente, foram acusados de planejar o massacre e são julgados atualmente por genocídio no Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia.

Em 2001, um comandante sérvio-bósnio, Radislav Krstic, foi o primeiro condenado por um genocídio na Europa. Depois vieram outras quatro condenações.

Vinte anos depois do massacre, a Bósnia, um dos países mais pobres da Europa, com 3,8 milhões de habitantes, segue dividida entre comunidades e permanece no fim da fila dos países candidatos a entrar para a União Europeia.

As principais comunidades, muçulmanos (40%), sérvios (30%, cristãos ortodoxos) e croatas (10%, cristãos católicos), não conseguem esconder a hostilidade.

Acompanhe tudo sobre:BósniaEuropa

Mais de Mundo

Manifestação reúne milhares em Valencia contra gestão de inundações

Biden receberá Trump na Casa Branca para iniciar transição histórica

Incêndio devastador ameaça mais de 11 mil construções na Califórnia

Justiça dos EUA acusa Irã de conspirar assassinato de Trump; Teerã rebate: 'totalmente infundado'