A África passa por uma transformação estrutural, embora ainda desigual (Luis Tato/AFP/Getty Images)
Repórter
Publicado em 25 de maio de 2025 às 05h58.
Última atualização em 25 de maio de 2025 às 09h11.
Segundo dados do relatório Perspectiva Econômica Global, do Fundo Monetário Internacional (FMI), a África subsaariana (a parte do continente situada ao sul do Deserto do Saara) cresceu 4% em 2024. O PIB mundial subiu 3,3% no mesmo período. Já o Oriente Médio e Norte da África tiveram números mais modestos, crescendo 1,8%. Para se ter uma ideia, a economia brasileira avançou 3,4% no ano passado.
Para 2025, a África subsaariana deve avançar 3,8%, enquanto o mundo crescerá 2,8%, projeta o FMI.
Alguns países africanos devem continuar trilhando um caminho de forte crescimento neste ano. As projeções do FMI apontam que Senegal, Etiópia, Costa do Marfim, Ruanda e Guiné são nações que terão crescimento de, no mínimo, 6%.
Para Carlos Lopes, professor na Nelson Mandela School of Public Governance, da Universidade Cape Town, na África, o que estamos vendo hoje é mais do que um ciclo passageiro de crescimento: é o sinal de uma transformação estrutural em andamento, embora ainda desigual.
"Senegal, Etiópia e Costa do Marfim são exemplos claros: apostaram pesado em infraestrutura, modernizaram seus ambientes de negócios e conseguiram diversificar suas economias", diz o professor.
A participação da China nesse boom tem um peso importante. De acordo com dados da UN Comtrade, o comércio entre a China e os países africanos totalizou 250 bilhões de dólares em 2022 (último ano completo com dados disponíveis). A China importou principalmente matérias-primas como petróleo e minérios, e exportou principalmente industrializados.
Em setembro do ano passado, na cúpula do Fórum de Cooperação China-África, Pequim anunciou que quase 51 bilhões de dólares foram alocados para empréstimos e investimentos na África. Mais da metade desse valor, 29,5 bilhões de dólares, é uma linha de crédito.
A China também está incentivando mais empresas do país a se associarem a companhias e governos africanos por meio de modelos de financiamento de parcerias público-privada
Esse modelo construiu a Via Expressa de Nairóbi, com 27 km de extensão, em 2022, financiada e construída pela estatal China Road and Bridge Corporation. A empresa chinesa vai operar a via por 30 anos. Modelos de financiamento semelhantes foram utilizados também em Uganda, Nigéria e Zâmbia.
Para o professor da Universidade Cape Town, alguns aspectos jogam a favor da África.
Na demografia, enquanto países do hemisfério norte enfrentam envelhecimento populacional e retração na força de trabalho, a África será responsável por mais de 50% do crescimento populacional global até o fim do século, segundo dados da ONU.
No clima, apesar das crises (que acontecem no planeta inteiro), o continente também apresenta vantagens. A África possui 60% do potencial global de energia solar, segundo a Agência Internacional de Energia, e vastos estoques de minerais críticos para a transição energética. "Sem acesso a esses recursos africanos, a agenda global de descarbonização simplesmente não se materializa. O continente deixou de ser apenas vítima das mudanças climáticas para se tornar parte da solução", diz o professor da Universidade Cape Town.
Claro que existem obstáculos para esse caminho de crescimento. Conflitos armados, como no Sudão e no Sudão do Sul, instabilidades em partes do Sahel e disputas políticas seguem sendo barreiras para a atração de investimentos de longo prazo. "A inflação de alimentos e energia, apesar de alguma desaceleração prevista, continuará comprimindo o poder de compra e testando a resiliência social, especialmente em grandes economias como Nigéria, África do Sul e Angola", diz Carlos Lopes.
Também não podemos esquecemos da guerra tarifária impulsionada pelo governo Trump. "Embora o continente não esteja no centro das tarifas, o impacto indireto via queda no comércio global afetará as economias mais conectadas às exportações, como Marrocos, África do Sul e Etiópia. Os países africanos só terão chance real de mitigar esses choques se acelerarem a integração regional, diversificarem seus mercados e apostarem na industrialização verde", explica o professor.