Talibãs no Afeganistão: os fundamentalistas, no entanto, menosprezaram reiteradamente o governo afegão por considerá-lo uma marionete dos EUA (Shah Marai/AFP)
Da Redação
Publicado em 1 de abril de 2013 às 12h46.
Cabul/Islamabad - O apoio do Paquistão continua sendo considerado estratégico para o sucesso do processo de paz afegão, mas após meses de contatos inúteis, Cabul parece disposto a tentar o diálogo com os talibãs sem a mediação de Islamabad.
Na semana passada, o porta-voz de Relações Exteriores afegão, Janán Musazai, afirmou à Agência Efe que diante da ambiguidade paquistanesa o governo afegão prepara-se para buscar a paz por sua conta.
A advertência chegou dias antes que o presidente afegão, Hamid Karzai, partisse para Doha para se reunir no domingo com as autoridades do Catar visando a criar uma via de diálogo no emirado com a insurgência talibã, que tem representação lá.
Os fundamentalistas, no entanto, menosprezaram reiteradamente o Executivo de Karzai por considerá-lo uma marionete dos EUA e da comunidade internacional, e por enquanto não mostraram interesse em participar da nova iniciativa, uma das muitas dos últimos anos.
Depois de mais de uma década de guerra, o governo de Karzai se vê obrigada a encontrar uma saída dialogada ao conflito perante a próxima retirada do escudo protetor das tropas da Otan, que finalizarão sua retirada em 2014.
A impressão entre analistas e membros da diplomacia ocidental em Islamabad é de que o Paquistão segue sua tradicional política de aproximação dos seguidores do mulá Omar como forma de garantir para os próximos anos um governo amigo em Cabul.
Os talibãs são compostos essencialmente pela etnia pashtun, majoritária no Afeganistão e também presente no Paquistão, enquanto as outras etnias afegãs, que atualmente apostam muitos postos de destaque, são percebidas como menos próximas a Islamabad.
Apesar do endurecimento de sua postura, Cabul se vê impotente em relação ao papel crucial de Islamabad em qualquer esforço de diálogo com uma milícia cuja cúpula se refugia no Paquistão com o suposto apoio encoberto do aparelho de segurança paquistanês.
A diferença entre os interesses afegãos e paquistaneses levou nas últimas semanas a uma troca de acusações e de gestos hostis entre as duas nações, por vezes com a desculpa de incidentes na conflituosa fronteira comum.
No final de 2012, o Paquistão deu a impressão de estar aberto a desempenhar um papel ativo no processo de paz afegão e houve uma aproximação que hoje parece mais uma miragem que uma mudança de atitude real.
As autoridades paquistanesas libertaram em novembro uma dezena de talibãs afegãos para estimular a reconciliação, gesto que foi muito elogiado tanto por Cabul como pela comunidade internacional.
Meses depois, os analistas opinam que a ação era um flerte de Islamabad com a cúpula insurgente, que desconfia das intenções de um país que joga tanto com eles como com seu maior inimigo, os Estados Unidos, cujos planos no Afeganistão pós-2014 ainda não estão claros.
"O problema agora é que o governo de Cabul não é a entidade com a qual é preciso negociar o futuro do Afeganistão", admitiu à Efe o analista paquistanês Fazal ur Rehmán, diretor do Instituto de Estudos Estratégicos de Islamabad (ISSI).
"Negociar com o governo de Karzai não corresponde à realidade no local, porque não tem poder real e é uma entidade criada pelos "managers" (EUA)", acrescentou Rehmán, cuja instituição é bastante conectada à cúpula militar paquistanês.
Essa postura, compartilhada por outros analistas locais e estrangeiros no Paquistão, evidencia que Islamabad não leva em conta o governo afegão como interlocutor e parece ter acabado com a paciência das autoridades de Cabul, cada vez mais isoladas.
O analista afegão Ahmad Saidi endossou essa impressão ao afirmar que no "Paquistão nunca é levado a sério o processo de paz no Afeganistão" e culpou seu próprio governo por ser "condescendente demais" com os movimentos bruscos de Islamabad.
Para tumultuar ainda mais o cenário, o Paquistão está imerso em um processo eleitoral incerto que se soma à substituição no final do ano do principal general do exército.
Os observadores, no entanto, não preveem uma reviravolta na política paquistanesa respeito ao Afeganistão, país que terá suas próprias eleições presidenciais no ano que vem, em plena fase final da retirada da base aliada.