Os afegãos estão há 30 anos envoltos em diferentes conflitos e, além disso, há o desafio ideológico, pois os talibãs rejeitam a música instrumental (Romeo Gacad/AFP)
Da Redação
Publicado em 30 de janeiro de 2012 às 08h58.
Cabul - Apesar de mal conseguir segurar o saxofone, a jovem Fatima Majeed se esforça para tirar o melhor deste instrumento no Instituto Nacional de Música do Afeganistão, que busca resgatar a antiga herança musical do país, desolado pela guerra.
'Comecei tocando flauta, mas passei para o saxofone há três meses porque seu som me incentiva a tocá-lo', conta Fatima, de 13 anos, nas dependências do edifício de dois andares em Cabul que reabriu suas portas em 2010.
No Instituto estudam 140 alunos, um terço deles meninas, e seus responsáveis afirmam que a metade é órfã ou crianças que trabalhavam nas ruas, enquanto os demais foram selecionados em audições musicais.
'Nosso compromisso é reconstruir vidas arruinadas através do poder de cura da música e formar as crianças com mais talento', disse o chefe do Instituto Nacional de Música, Ahmad Sarmast.
'Elas estão sedentas por arte e música. É impressionante ver como o país está mudando', acrescentou o professor de violão Ustad Arman, de 69 anos, que fugiu para a Suíça com sua família há mais de 25 anos e agora voltou ao Afeganistão para ensinar no centro.
Embora Cabul esteja repleta de necessidades urgentes em infraestrutura educativas e a grande maioria da população seja analfabeta, o instituto é um marco no desenvolvimento da educação musical do país.
Os afegãos estão há 30 anos envoltos em diferentes conflitos e, além disso, há o desafio ideológico, pois os talibãs rejeitam a música instrumental e dão prioridade ao hinos vocais de estilo religioso ou épico, as chamadas 'tranas'.
Durante o regime talibã (1996-2001), os radicais proibiram a música instrumental, mas depois de sua queda os afegãos tiraram a poeira de suas fitas cassetes com suaves melodias de amor - muitas 'importadas' da Índia - e as canções do popular Ahmad Zahir.
O país tem uma longa tradição musical e produziu artistas de instrumentos tradicionais como o sarod, a tabla e o sitar, porém o Instituto concilia essa tradição com um ativo departamento de música clássica ocidental.
Por isso, das salas de aula também saem notas de violino, violoncelo, contrabaixo, violão, trombeta, saxofone e também triângulo, bateria e piano, em partes graças à ajuda do Banco Mundial, das embaixadas de Estados Unidos, Alemanha e Finlândia, e do Governo indiano, entre outros.
'O currículo da academia possibilita que nossos estudantes aprendam não só a música tradicional afegã, mas estilos como o jazz, o pop e o rock', afirmou o chefe do Instituto, que estudou durante anos em Moscou e na Austrália.
Sarmast voltou ao país em 2008 com a missão de reabrir um centro musical em Cabul, onde a guerra tinha impossibilitado os afegãos de estudarem música de uma maneira digna.
Antes da reforma, o próprio prédio onde agora as crianças brincam com a bateria e sonham em criar seus grupos, tinha as paredes de suas salas de aula perfuradas por tiros, frutos das cruéis batalhas e confrontos que a cidade viveu na década de 1990.
Para Sarmast, o centro procura não só criar um apreço pela música entre os afegãos, mas também ensinar às crianças uma forma de progredir na vida e prestigiar o ensino feminino, desprezado pelos fundamentalistas talibãs.
Na tarefa colaboram sete professores estrangeiros, aplicados em ensinar crianças como Fatima a técnica de domar com delicadeza o instrumento e de sair pelo menos por algumas horas, através da música, das ruas empoeiradas do país ainda em ruínas.
'Quero ser a melhor saxofonista do mundo', declarou a duras penas esta moça de voz suave e família pobre, enquanto limpava o instrumento - quase maior do que ela - com um pequeno pano