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Afeganistão: a revolução está no tomate

Mujib Mashal © 2016 New York Times News Service Afeganistão – Neste exuberante e tranquilo cinturão verde no centro do Afeganistão, as mulheres têm sido a força organizadora por trás da nova onda de sindicatos agrícolas de pequenas vilas. E esse fato parece ter trazido algumas mudanças. Em uma reversão das tradições, os maridos tendem […]

AGRICULTORAS NA PROVÍNCIA DE BAMIAN: a diversificação de cultura está mudando rotinas e simboliza uma esperança para todo o Afeganistão  / Adam Ferguson/The New York Times

AGRICULTORAS NA PROVÍNCIA DE BAMIAN: a diversificação de cultura está mudando rotinas e simboliza uma esperança para todo o Afeganistão / Adam Ferguson/The New York Times

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Da Redação

Publicado em 12 de setembro de 2016 às 13h04.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h48.

Mujib Mashal
© 2016 New York Times News Service

Afeganistão – Neste exuberante e tranquilo cinturão verde no centro do Afeganistão, as mulheres têm sido a força organizadora por trás da nova onda de sindicatos agrícolas de pequenas vilas.

E esse fato parece ter trazido algumas mudanças. Em uma reversão das tradições, os maridos tendem a andar atrás de suas mulheres, alguns passos depois delas, com as mangas enroladas e os rostos queimados pelo sol. De uma maneira importante para esta região empobrecida, os sindicatos estabeleceram modestas cadeias de suprimentos no mercado central da província de Bamian. E, ao longo de apenas alguns anos, conseguiram colocar novos vegetais em seus humildes pratos de comida.

“Antigamente, cultivávamos apenas batatas e trigo aqui. Agora temos repolho, couve-flor, tomate, feijão e vários vegetais”, conta Zainab Husseini, professora de Biologia de uma escola colegial em meio-período e líder sindicalista dos fazendeiros da vila de Iraq-ulya.

Ao modernizar antigas tradições da agricultura, os sindicatos ajudaram a garantir um suprimento mais confiável e diversificado de alimentos em uma região onde sempre houve fome. No processo, as mulheres que organizam os grupos estão encontrando um novo status e mais poder. Elas não são mais cumprimentadas como a mãe de Ahmad ou a mulher de Mahmoud, mas, ao invés disso, como a “líder sindicalista Gul Bahar” ou a “vice-líder sindicalista Reza Gul”.

Os sindicatos colocaram as mulheres de Bamian na linha de frente de uma luta importante: os esforços para moldar uma economia sustentável no Afeganistão, que seja independente da ajuda internacional. A agricultura é, com certeza, uma das partes cruciais para que esse projeto dê certo.

Perto de 40 por cento da população ainda está abaixo da linha da pobreza, segundo autoridades afegãs. De acordo com o Banco Mundial, mais de 80 por cento da população local – e cerca de 90 por cento dos pobres – vivem em comunidades rurais. A agricultura, portanto, é central não apenas para combater a desnutrição generalizada em áreas remotas, mas também para criar empregos permanentes.

Assadullah Zamir, ministro da Agricultura do Afeganistão, diz que uma área que precisa de atenção é conectar os fazendeiros e os mercados locais e nacionais e ajudar suas colheitas a competir com os alimentos importados, impondo taxas, por exemplo, às verduras paquistanesas. “A produção aumentou com os programas e os treinamentos, e o mercado não é suficiente”, explica Zamir.

Se o Afeganistão puder administrar melhor seus recursos hídricos e estabelecer conexões decentes entre os fazendeiros e os mercados – um problema crítico em meio a uma guerra onde as batalhas são travadas com bombas e postos de seguranças nas estradas – o setor agrícola pode criar de dois a cinco milhões de novos empregos sustentáveis ou mesmo dobrar a porcentagem dessa indústria no PIB do país, segundo autoridades afegãs e analistas econômicos. Mas aqui no remoto Bamian, o próprio relevo representa um enorme desafio para levar as colheitas para o mercado.

Para chegar a Shibar, é necessário dirigir da capital da província, Bamian, por cerca de uma hora em uma subida de terra estreita esculpida ao longo das montanhas. O carro serpenteia lentamente em seu caminho para o topo da montanha, tão alta que as nuvens parecem estar ao alcance da mão. Então, ainda mais devagar, o caminho desce em curvas espiraladas, o veículo espalha a água de repentinos riachos de neve derretida que correm por meio de gargantas finas.

De Buda às batatas 

Depois que o Taliban destruiu as estátuas dos Budas gigantes em 2001, a província de Bamian se tornou conhecida por apenas uma coisa: batatas. Muitas batatas. Em 2015, a região produziu quase 318.000 toneladas métricas do tubérculo, cerca de 60 por cento do consumo total do Afeganistão, segundo o Ministério da Agricultura do país.

Mas a grande abundância de um produto apenas se tornou uma dor de cabeça para os fazendeiros de Shibar, deixando-os vulneráveis à exploração do mercado e fazendo com que tivessem que batalhar para satisfazer suas próprias necessidades básicas de alimentos pela maior parte do ano.

Durante a época da colheita, as batatas são vendidas por atacado a preços baratíssimos. Os fazendeiros não têm como mantê-las até os meses de inverno, quando os preços no atacado dobram. As cerca de 500 instalações de refrigeração construídas em Bamian com a ajuda do governo afegão nos últimos anos não são suficientes. (As menores guardam cerca de 14 toneladas métricas, e as comunitárias maiores, cerca de 54.)

Poucos anos atrás, essa percepção forçou o governo afegão e seus parceiros internacionais a encorajar a plantação de outros produtos, e mulheres como Zainab Husseini, a líder do sindicato de Iraq-ulya, passaram a liderar essa mudança em Shibar.

Há cerca de cinco anos, Zainab aproveitou um grupo local de direitos das mulheres que liderava para formar um pequeno sindicato e procurar ajuda do Ministério da Agricultura afegão. O ministério, que reconheceu os sindicatos formalmente em 2013, ofereceu terrenos de teste onde os fazendeiros poderiam plantar sementes melhoradas e aprender novas técnicas com a visita de profissionais, como usar espaçamentos diferentes entre as plantas ou sistemas de irrigação por gotejamento.

“Antigamente, as batatas eram pequenas assim”, explica Zainab mostrando uma pedrinha. “Quando os comerciantes vinham, deixavam metade de lado porque não eram boas. Agora, querem tudo. Cada batata pesa em média um quilo.”

Hoje há oito sindicatos agrícolas em Shibar, cada um com cerca de 30 mulheres. Além de melhorar a produção de batatas, eles se voltaram para novos legumes e verduras e, mais recentemente, começaram a cultivar pomares.

Como a melhoria da atividade econômica e o fato de que agora são elas que lidam com o dinheiro, as mulheres dizem que também perceberam uma mudança em seu status na comunidade.

“Todo mundo me convida para festas, e eles até me consultam sobre vários assuntos agora”, contou uma senhora mais velha, banguela, agitando as mãos, a uma delegação de oficiais que fez uma visita à vila recentemente. Não consegui encontrá-la depois para descobrir seu nome.

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