Dia de abertura no encontro dos BRICS na África do Sul. (Bloomberg/Getty Images)
Editor de Macroeconomia
Publicado em 24 de agosto de 2023 às 19h28.
Última atualização em 25 de agosto de 2023 às 09h02.
Há muitas dúvidas sobre o anúncio, feito nesta quinta-feira, 24, da adesão de seis novos países ao Brics. Na avaliação de Hussein Kalout, cientista político e pesquisador da Universidade Harvard, tudo dependerá da agenda concreta que surgirá após a adesão de países tão distintos. Um fato, porém, sobressai: a China, superpotência em ascensão, amplia seu prestígio internacional. "A China demanda ser reconhecida como uma superpotência mundial por direito. Então, olhando sob essa perspectiva, sem dúvida nenhuma que a China eleva seu capital político internacional, seu prestígio internacional", diz Kalout em entrevista à EXAME.
Para o Brasil, o pesquisador avalia que ainda faltam evidências de benefícios concretos. "Se o Brasil pensa que é preciso diversificar as suas relações para criar alternativas estratégicas para implementar a sua política externa, talvez seja válido. Mas não sei se a expansão dos Brics é o caminho que se encaixa nessa estratégia ou não", afirma Kalout, ex-secretário especial de assuntos estratégicos da Presidência da República. "É prematuro fazer qualquer avaliação concreta. Somente quem está na ponta da negociação, munido de estudos mais preciso, é capaz de oferecer uma reposta mais aprofundada."
Como entender o anúncio de hoje sobre a ampliação dos Brics?
A discussão vinha ocorrendo há algum tempo entre os países membros. É claro que havia pontos de convergências e de dissonância. No entanto, chegou-se a um denominador de que deveria se incluir os países anunciados. Se essa expansão é boa ou ruim vai depender da perspectiva de cada um. Pode ter sido bom para a Rússia, excelente para a China. Para o bloco BRICS em si, tudo vai depender de uma agenda concreta e efetiva a ser implementada nos próximos anos. É prematuro fazer uma avaliação detida a respeito da qualidade dessa expansão. Obviamente não se trata de uma expansão pequena, até porque mais do que dobrou o tamanho do bloco. É preciso avaliar com cuidado quais são os ganhos tangíveis para um. Isso só será possível após o redimensionamento de uma agenda programática para avaliar quais serão os pontos de convergência e dissonância doravante.
Analisando os novos membros, o que pode ser entendido em termos geopolíticos?
Olhando o perfil dos novos membros fica muito difícil falar em um bloco de um movimento não-alinhado. Há uma clara antagonização entre a Rússia e o Ocidente. Além disso, há uma clara e crescente rivalidade entre a China e os Estados Unidos. Há uma aliança entre Moscou e Pequim e essa aliança está se colocando como contendora do eixo Berlim-Paris-Londres-Washington. Então, a expansão desse bloco pode ser interpretada como um bloco antagonista ao bloco que compõe o eixo ocidental. Não me parece que a interpretação no âmbito dos think tanks ou da academia será a de que é um bloco neutro. Muito pelo contrário, a tentativa seja, da mais moderada até a mais conservadora, de interpretar como um bloco de contraponto e de rivalidade ao bloco do mundo ocidental.
A China sai como uma grande "vencedora" nessa negociação?
A China tem um peso desproporcional vis-à-vis os demais atores do bloco. É o único país hoje, entre os cinco membros fundadores -- e os seis que acabam de ser convidados a ingressarem --, capaz de desafiar a hegemonia dos Estados Unidos. A China demanda ser reconhecida como uma superpotência mundial por direito. Então, olhando sob essa perspectiva, sem dúvida nenhuma que a China eleva seu capital político internacional, seu prestígio internacional -- e o Brics se torna um instrumento geopolítico muito favorável à China para que possa empregar a sua estratégia geopolítica, geoeconômica, energética e tecnológica no contexto global. A China se beneficia sem dúvida, assim como a Rússia -- o que a tira de seu isolamento e permite que tenha pontes muito mais consolidadas com os países que compõem os Brics.
O que o Brasil ganha com as novas adesões?
É uma pergunta que talvez o Palácio do Planalto, mais especificamente a assessoria internacional da Presidência da República, seja mais capaz de responder. Eles estão na ponta da negociação, envolvidos diretamente nisso. Talvez tenham feito um estudo mais acurado embasado em dados geoeconômicos e referenciais baseados em dados estatísticos capazes de dizer o que o Brasil pode ganhar no curto, médio e longo prazo. A olho nu, não sei dizer o que o Brasil ganha de imediato. Talvez muito mais de forma opinativa acho que é preciso avaliar com muito cuidado. O Brasil tem interesses difusos, multidimensionais. Se o Brasil pensa que é preciso diversificar as suas relações para criar alternativas estratégicas para implementar a sua política externa, talvez seja válido. Mas não sei se a expansão dos Brics é o caminho que se encaixa nessa estratégia ou não. Talvez o fortalecimento seja importante, mas o perfil dos atores não sei se é o mais favorável para essa diversificação. Se a gente tem um objetivo econômico, talvez o perfil dos atores deveria contemplar forças econômicas com PIBs mais robustos. Então, depende da perspectiva. Se estamos falando da construção de uma nova ordem mundial que pretende revogar ou se contrapor à ordem vigente, daí é um outro fio condutor de análise. O ponto central: é prematuro fazer qualquer avaliação concreta. Somente quem está na ponta da negociação, munido de estudos mais preciso, é capaz de oferecer uma reposta mais aprofundada e abalizada e crível para a sociedade, academia e empresariado.
Como isso pode influenciar na rivalidade entre China e EUA?
A rivalidade entre China e EUA tende a se amplificar independentemente da ampliação ou não dos Brics à medida que a China vai flexionando seus músculos e exigindo ser reconhecida como superpotência. Naturalmente, isso tensiona a relação entre Pequim e Washington. Essa expansão, especialmente tendo quatro países médio-orientais aderindo aos Brics (Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes e Irã), demonstra que a China avança sobre áreas de influência — especialmente países árabes do Oriente Médio, como Egito, Arábia Saudita e Emirados — sobre países que há pouco tempo estavam mais suscetíveis à influência americana. Então, sob essa ótica, podemos ver é um refluxo da influência americana no Oriente Médio e um avanço da influência chinesa. Isso pode estimular o processo de competição entre os dois lados. No entanto, é importante ter clareza que Estados Unidos e China têm uma relação de mútua interdependência. A natureza da rivalidade deles é muito diferente da natureza da rivalidade que caracterizou a relação entre EUA e União Soviética, em que não havia interdependência econômica, era de modelos ideológicos. No momento, essa rivalidade é muito mais sobre expansão econômica, domínio tecnológico. Então, se caracteriza por outro arquétipo geoestratégico.
Como entende o fato de o Irã fazer parte do bloco?
Nesse caso houve uma tentativa de aglutinar, digamos, os países que haviam enfatizado inicialmente o seu desejo de ingressar. Tanto os russos quanto chineses haviam manifestado tempos atrás seu beneplácito pela inclusão do Irã. E também pela Arábia Saudita. Uma vez que você vai incluir a Arábia Saudita era importante incluir o Irã, e vice-versa, para achar um ponto de equilíbrio no Oriente Médio, especialmente no Golfo Pérsico. Isso se faz ainda mais obrigatório à medida que a China exerceu um papel preponderante na mediação do encontro entre sauditas e iranianos recentemente em Pequim. Um ponto que talvez chame a atenção é o contorno da inclusão de países que, em sua maioria, com exceção da Argentina, não são plenamente democráticos ou têm déficit de democracia. Isso também muda em certo sentido o fenótipo do bloco, muda a topografia política do bloco. Lança indagações sobre como esses países no futuro podem vir a trabalhar em agendas mais complexas, como quando se tratar de temas mais espinhosos como direitos humanos, concernentes a gênero, igualdade, LGBTQI+ e direito ao trabalho. São temas muito caros ao programa do governo brasileiro, do Partido dos Trabalhadores, e nesses países são temas que obedecem a outro critério de mensuração, comportamento social e avaliação jurídica padronizada por leis muito particulares e próprias de suas respectivas sociedades.
Por fim, qual peso o Brics terá numa nova ordem mundial?
Acho que não podemos assumir que vai ter uma nova ordem mundial já de cara somente pela expansão dos Brics. É prematuro. É importante avaliar qual a agenda concreta dos países que integram os Brics. Vamos lembrar que existe também, no âmbito dos países que compõem os Brics, certa dissonância de visões. Entre a Índia e a China, entre Arábia Saudita e Irã, entre Egito e Arábia Saudita. E entre Brasil e Argentina sobre alguns temas, ainda mais com a possibilidade de haver um governo de direita na Argentina, o que levará a uma dissonância natural. Então, como amalgamar uma agenda, uniformizá-la e unificá-la numa agenda unificada para impactar a transformar da ordem internacional há um caminho a se percorrer. É preciso avaliar com certo cuidado esse processo evolutivo. É claro que o Brics se torna, na minha opinião, mais relevante. Mais importante? talvez sim. Possuirá mais impacto? Provavelmente sim. Mas tudo dependerá de uma agenda de resultados, daquilo que vai ser construído daqui em diante. Assumir pelo valor da face que será um bloco hiperpotente que mudará a ordem internacional é se precipitar.