Manifestantes em barricada na Praça da Independência: acordo foi assinado depois de confrontos que deixaram cerca de 80 mortos e dezenas de feridos desde terça em Kiev (AFP)
Da Redação
Publicado em 21 de fevereiro de 2014 às 20h03.
O presidente Viktor Yanukovytch e a oposição ucraniana assinaram nesta sexta-feira um acordo para o fim da crise prevendo de importantes concessões do governo, mas que podem parecer insuficientes no dia seguinte ao banho de sangue que deixou Kiev em luto.
Assinado nesta sexta-feira no palácio presidencial na presença dos mediadores europeus, o acordo prevê principalmente uma eleição presidencial antecipada - no mais tardar em dezembro -, a formação de um governo de coalizão dentro de dez dias e um retorno à Constituição de 2004, que foi votada às pressas pelo Parlamento ucraniano.
A Rada também votou, para a surpresa geral uma lei abrindo teoricamente caminho para a libertação da opositora e ex-primeira-ministra Yulia Timochenko. A musa da Revolução Laranja pró-ocidental de 2004 tinha sido condenada em 2011 a sete anos de prisão por abuso de poder. A lei ainda deve ser aprovada pelo presidente Yanukovytch.
Sinal de uma mudança em Kiev durante o dia, essas duas votações foram realizadas na noite desta sexta-feira no Parlamento em um bairro governamental totalmente esvaziado pelos policiais, e onde a segurança era garantida pelos próprios manifestantes, constatou a AFP.
O acordo foi assinado depois de confrontos que deixaram cerca de 80 mortos e dezenas de feridos desde terça em Kiev, em um nível de violência sem precedentes para este jovem país saído da antiga União Soviética.
A crise, que começou há três meses, transformou o centro da cidade em uma zona de guerra, repleta de barricadas e de barracas de manifestantes.
Mas Praça da Independência, no coração da capital ucraniana, as reações não foram muito efusivas e davam a impressão de que as concessões anunciadas por Yanukovytch foram vistas como, ao mesmo tempo, tardias, insuficientes e sujeitas a mudança.
Dezenas de milhares de pessoas continuavam a ocupar a praça na noite desta sexta em meio a um ambiente mais descontraído do que na véspera, com alguns manifestantes tirando fotos ou acendendo fogos de artifício.
"O inimigo ainda está vivo"
"As pessoas certamente vão continuar aqui", declarou Michael Dudar, um jovem padre católico, aquecendo-se em uma fogueira perto de uma barraca. "O inimigo ainda está vivo", ressaltou.
"Não sei se fomos traídos ou não", disse Petro Nazapo, um homem de cerca de 50 anos de Lviv (oeste). Afiando um pedaço de madeira com uma faca, ele disse que se preparava para um novo ataque", acrescentando: "Não sairemos até vencermos".
"As pessoas dizem que não deixarão a Maidan (Praça da Independência) enquanto Yanukovytch não tiver saído do governo", explicou Oleg Bukoyenko, de 34 anos. "As eleições em dezembro não são suficientes. É preciso que saia agora. Senão ele pode acabar como Kadhafi ou Ceaucescu", acrescentou, referindo-se aos ex-ditadores da Líbia e da Romênia, ambos executados.
O grupo paramilitar de extrema direita "Área Direita", muito ativo na guerrilha urbana das últimas semanas, deixou claro que "a revolução nacional vai ser mantida e só acabará com a saída total do regime".
"Passar das palavras aos atos"
A prudência também era grande entre as autoridades europeias, principais artífices do compromisso alcançado depois de um dia e uma noite de negociações realizadas pelos ministros das Relações Exteriores polonês, alemão e francês em Kiev.
Em um vídeo mostrando um momento das negociações exibido na internet, é possível ver o chefe da diplomacia polonesa, Radoslaw Sikorski, fazer declarações duras aos líderes da oposição: "Se vocês não concordarem, terão uma lei marcial, com o Exército. Vocês todos morrerão!".
Segundo o chefe da diplomacia francesa, Laurent Fabius, o acordo é o "melhor que podia acontecer".
"Vamos ser prudentes", acrescentou, "porque a situação econômica continua terrível e é necessário acompanhar (o estabelecimento de um acordo)".
"Houve crimes. Todos devem ser submetidos a uma investigação e que haja consequências", alertou Fabius.
Para o presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, "é da responsabilidade de todos os partidos serem corajosos e passar das palavras aos atos".
Os presidentes dos Estados Unidos, Barack Obama, e da Rússia, Vladimir Putin, conversaram por telefone sobre o acordo nesta sexta-feira, segundo um alto funcionário americano.
A Ucrânia está à beira da quebra, e a Rússia prometeu conceder um crédito de 15 bilhões de dólares e uma redução considerável no preço do gás.
Europeus e americanos aumentaram a pressão sobre o governo de Yanukovytch durante a semana, decidindo cancelar os vistos e congelar os bens de autoridades ucranianas, e ameaçando com mais sanções.
O acordo desta sexta foi assinado pelos três principais líderes da oposição ucraniana, Vitali Klitschko, Arseni Yatseniuk e Oleg Tiagnibok, assim como pelos ministros europeus.
O representante da Rússia, no entanto, não assinou, embora a influência desse país na crise seja considerada primordial pelos especialistas.
Isso "não significa que a Rússia não deseje um compromisso", indicou a diplomacia russa. "Estaremos sempre preparados para ajudar os ucranianos se eles pedirem", assegurou o Ministério russo das Relações Exteriores.
A oposição, representada pelo "Conselho da Maidan", aceitou o acordo, contanto que o atual ministro do Interior, Vitali Zakhartchenko, não faça parte do próximo governo.
Enquanto isso, a 1.400 km de Kiev, as biatletas ucranianas vencedoras do revezamento feminino dos Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi homenagearam as vítimas do conflito com um minuto de silêncio.