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Acordo entre EUA e China trava o termômetro global? Calma lá

Entenda porque a iniciativa vale mais pelo que simboliza do que pelo conteúdo em si


	Aperto de mão histórico: iniciativa vale mais pelo que simboliza do que pelo conteúdo
 (Montagem sobre foto/ REUTERS)

Aperto de mão histórico: iniciativa vale mais pelo que simboliza do que pelo conteúdo (Montagem sobre foto/ REUTERS)

Vanessa Barbosa

Vanessa Barbosa

Publicado em 13 de novembro de 2014 às 13h07.

São Paulo – Os Estados Unidos e a China anunciaram nesta quarta (12) um acordo histórico na luta contra o aquecimento global. Pela primeira vez, as duas maiores economias do mundo — e maiores consumidores de energia, responsáveis por quase metade das emissões globais de gases efeito estufa — prometeram reduzir suas emissões. Não é pouca coisa. Mas será que é suficiente?

Passada a empolgação inicial, é hora de avaliar qual o peso real do “pacto” para a resolução dos desafios galopantes das mudanças climáticas. Segundo especialistas consultados por EXAME.com, por si só, o acordo não vai resolver o problema. Tampouco é suficientemente ambicioso.

Politicamente, contudo, ele marca uma ruptura no longo impasse entre os dois países sobre o tema. E ainda pode ajudar a pressionar as próximas reuniões climáticas da ONU rumo a um acordo global, a ser definido em dezembro de 2015, na COP21 em Paris, para substituir o Protocolo de Quioto.

Falta ainda saber como os dois países vão superar os desafios para cumprir os seus objetivos.

PROMESSA AMERICANA

Os Estados Unidos dizem que “pretendem” diminuir suas emissões de 26% a 28% até 2025 em relação aos níveis de 2005. É um avanço claro, comparado à meta de redução que o país anunciou em Copenhague, em 2009 – de 17% entre 2005 e 2020.

Agora vem a parte difícil.

“O compromisso americano é relevante, mas Obama é um presidente frágil. É certo que a promessa enfrentará forte oposição no Congresso, majoritariamente republicano”, afirma Eduardo Viola, professor titular do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília e um dos maiores especialistas em negociações climáticas.

“Mas independentemente do resultado, é uma jogada política boa. Obama deixará um legado forte frente ao ambientalismo”, avalia.

Viola pondera, entretanto, que o novo compromisso abraçado pelos EUA continua defasado em relação à meta original do Protocolo de Quioto, que definia reduções tendo como base o ano de 1990.

Para efeito comparativo, no mês passado, a União Europeia anunciou metas para cortar as emissões do bloco em pelo menos 40% até 2030 em relação aos níveis de 1990, um desígnio bem ambicioso.

Apesar da defasagem, o compromisso de Obama sinaliza alguns avanços.

Tasso Azevedo, engenheiro florestal e Coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG) sublinha que a meta original (de 17% até 2020 com base em 2005) gerava dúvidas sobre a possibilidade de atingir o objetivo de redução no longo prazo.

Conforme o último Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), é preciso reduzir as emissões de CO2 em até 70% até 2050 e a zero em 2100 (com base nas emissões de 1990) para que a temperatura média na Terra não suba mais do que 2 graus Celsius, evitando, assim, catástrofes humanitárias.

“A nova proposta dos EUA [de redução 26% a 28% até 2025] sinaliza que a curva de redução está sendo mais profunda e que é possível entrar numa trajetória descendente”, explica Azevedo.

PROMESSA CHINESA

A China, por sua fez, se comprometeu a reduzir as emissões a partir de 2030, quando atingiria o “pico” de CO2. Segundo o presidente chinês Xi Jinping, até lá, 20% da energia produzida em seu país vai ter origem em fontes limpas e renováveis.

Para Viola, da UNB, fixar metas de redução somente após 2030 é pouco ambicioso. “A China é um gigante emissor mundial. Do ponto de vista do orçamento de carbono, o corte deveria começar antes, em 2020”, diz.

André Nahur, coordenador de Mudanças Climáticas e Energia do grupo WWF-Brasil, concorda. “É um prazo muito longo. Deixar só pra daqui a 15 anos para começar a reduzir talvez seja tarde demais”, teme.

Quanto à meta de energia renovável, Nahur acredita que o país cumprirá facilmente. Segundo ele, não há novidade na investida anunciada.

Explica-se: a promessa chinesa de ter 20% de sua demanda energética proveniente de fontes de baixo carbono é parte de um Plano Quinquenal de Desenvolvimento Econômico e Social do país, anunciado em 2011, que prevê investimentos milionários em energia limpa no período de 2011 a 2015.

Para Eduardo Viola, seriam necessários maiores esforços de Pequim para conter o vício do país em carvão. “O compromisso com as fontes de energia renováveis deveria ser de 40% pelo menos”, sugere o especialista em negociações climáticas.

Tasso Azevedo, do SEEG, acredita que China não vai conseguir reduzir suas emissões a partir de 2030, sem que haja uma “injeção impressionante em energias renováveis”. E os efeitos da mudança de apetite chinês podem ser muito positivos.

“Quando os chineses decidiram apostar na energia eólica, ela ficou mais competitiva e isso impactou o mercado no mundo inteiro. O acordo é o sinal de um país líder em inovação se comprometendo com um objetivo que pode mudar o rumo da história. Pode não ocorrer, claro, mas a China está dizendo que vai mudar seu curso”, afirma.

"O PISO E NÃO O TETO" da ação climática

Se há algo realmente relevante no acordo é o fato dos maiores poluidores trocarem um aperto de mãos no tema do clima, o que demonstra um senso de responsabilidade conjunta para lidar com um dos maiores desafios do nosso tempo.

O acordo entre Pequim e Washington também sinaliza o rompimento da barreira que separa as nações desenvolvidas e as nações em desenvolvimento nas negociações climáticas.

Claro que é preciso ir além para mudar o jogo e garantir um futuro seguro para as próximas gerações. Conforme declarou ontem o representante de Clima e energia do Greenpeace na Ásia, Li Shuo, “os anúncios de hoje devem ser apenas o piso e não o teto” das ações climáticas.

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