Strauss-Kahn liderou socorro às economias fragilizadas da Europa e agora pode pegar 74 anos de cadeia por tentativa de estupro (Wikimedia Commons)
Da Redação
Publicado em 16 de maio de 2011 às 18h21.
São Paulo - Dominique Strauss-Kahn passou boa parte dos dois últimos anos tentando acalmar um terremoto que ameaçava engolir países europeus à beira da falência. À frente do Fundo Monetário Internacional (FMI), ele foi o nome responsável por organizar o socorro a economias como Grécia, Irlanda e Portugal, afetadas por severas crises de débito. Mas ao ser acusado de atacar sexualmente uma camareira de hotel no último sábado (14), Strauss-Kahn provocou um efeito semelhante ao que ele mesmo tentava conter: o que o jornal britânico The Guardian chamou de “terremoto político”.
Como a imprensa do mundo todo reforçou, não é a primeira vez que o chefe do FMI se envolve em problemas deste tipo. Há pelo menos dois outros episódios mal contados em que Strauss-Kahn teria dado vazão a impulsos que lhe valeram o apelido de “grande sedutor”, dado pela imprensa francesa. Um deles, em 2008, não teve grande repercussão. O segundo veio à tona depois da prisão de Strauss-Kahn no domingo (15).
A lista de escândalos em que o economista e político francês se envolveu não é a única que impressiona. Dono de um longo histórico profissional, Strauss-Kahn, Ph.D. em economia, começou sua trajetória política em 1981. Naquele ano ele foi nomeado comissário-adjunto da Agência de Planejamento Econômico da França. Cinco anos depois, foi eleito membro do Parlamento para a Assembleia Nacional Francesa.
Sua estreia no primeiro escalão da política veio em 1997, quando foi nomeado ministro da Economia, Finanças e Indústria da França, cargo que ocupou até 1999. Em 2006, veio a primeira oportunidade de concorrer à presidência da república na França, pelo partido socialista. Mas Strauss-Kahn foi preterido pela candidata Segolene Royal, indicada para disputar as eleições com o atual presidente francês Nicolas Sarkozy. Antes de ser detido por agressão sexual, Kahn era o nome forte do partido para evitar a reeleição de Sarkozy nas eleições de 2012.
Em setembro de 2007 Dominique Strauss-Kahn foi nomeado diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional. À frente do órgão, o político deu início a uma trajetória de sucesso, notória sobretudo por ter resistido à crise financeira de 2008 e a seus desdobramentos, como as crises de débito que se alastraram pela Europa dois anos depois.
O chefe do FMI é conhecido como o homem que aproveitou de forma audaciosa a fase de profundas crises no continente europeu para dar uma nova cara ao fundo, com um papel mais relevante no cenário internacional. Segundo perfil publicado pelo jornal norte-americano New York Times, até a crise de 2008, o FMI tomava atitudes conservadoras, recuando e agindo dentro de padrões considerados “seguros”.
Quando a tormenta financeira chegou, o fundo foi obrigado a agir para resgatar países à beira da falência, como Islândia e Paquistão. A receita prescrita por Strauss-Kahn e sua equipe era quase sempre a mesma: empréstimos a juros baixos e duros cortes nos gastos dos países. Nesta fase, ele conseguiu convencer as nações do G20 a aumentar a quantia de recursos disponível para o fundo.
Mas Strauss-Kahn apareceu de verdade no cenário internacional com a crise da dívida na Grécia, que acabou se espalhando pela Europa. O FMI foi chamado para participar de um grande plano de resgate aos países com problemas. O New York Times diz que Strauss-Kahn “bancou o mocinho” no caso da Grécia, persuadindo a União Europeia a colaborar financeiramente.
Ele deu ao país, praticamente falido, mais tempo para desenvolver seu programa de corte nos gastos. Graças a seus esforços, diversos líderes europeus concordaram em cooperar com o pacote de auxílio à economia grega, no valor de um trilhão de dólares.
A reputação que Strauss-Kahn construiu ao longo da vida política sofreu os primeiros abalos em 2008. Naquele ano o FMI abriu uma investigação contra ele, sobre um suposto envolvimento sexual com a economista húngara Piroska Nagy, alta funcionária do FMI para assuntos africanos. Em uma sucinta declaração por escrito, Strauss-Kahn declarou que não havia feito nada de errado.
À época, o fundo apoiou o diretor, afirmando que o episódio não tinha passado de um erro de julgamento. O chefe do FMI encerrou o caso com um pedido público de desculpas aos funcionários do órgão e à sua esposa, a jornalista franco-americana Anne Sinclair. Nagy acabou sendo demitida, junto com outros 600 funcionários, em uma estratégia do FMI para cortar custos.
‘Chimpanzé no cio’
Um dia depois da notícia de que Strauss-Kahn havia sido detido por agressão sexual, veio à tona outro suposto caso envolvendo o chefe do FMI. A jornalista e escritora francesa Tristane Banon declarou a um programa da televisão francesa que foi atacada sexualmente por Strauss-Kahn em 2002. Durante a entrevista, Banon chegou a afirmar que Strauss-Kahn era um “chimpanzé no cio”.
Banon disse que, à época do suposto ataque, ela chegou a contratar um advogado para processar seu agressor. Entretanto, ela foi persuadida por sua mãe, uma vereadora do Partido Socialista Francês, a não levar a denúncia adiante, porque sua família era amiga da família de Strauss-Kahn. Banon é afilhada da segunda esposa do diretor do FMI. Com a repercussão do novo episódio envolvendo Kahn, Banon decidiu entrar com uma ação legal contra o político francês.
Strauss-Kahn compareceu na tarde desta segunda-feira (16) diante de uma juíza de Nova York, para pedir o direito de aguardar seu julgamento em liberdade. A solicitação foi negada, dada a gravidade das acusações - agressão sexual e tentativa de estupro contra a camareira - e o histórico do político. Até a próxima audiência, que deve acontecer na sexta-feira (20), Strauss-Kahn deve continuar sob custódia da Justiça dos Estados Unidos. A pena máxima prevista para ele, se for condenado, é de 74 anos e três meses de prisão.