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A política de Biden para a China depende de quanto Xi está disposto a ceder

O presidente chinês Xi Jinping pode oferecer concessões no comércio para conseguir a revogação de tarifas impostas por Trump à China. Entendimentos em temas como mudanças climáticas podem reaproximar os dois países

Joe Biden, então vice-presidente dos EUA, se encontra em 2016 com o presidente chinês Xi Jinping: Biden é visto como a pessoa certa para aparar agora as arestas entre os dois países (Lintao Zhang/Getty Images)

Joe Biden, então vice-presidente dos EUA, se encontra em 2016 com o presidente chinês Xi Jinping: Biden é visto como a pessoa certa para aparar agora as arestas entre os dois países (Lintao Zhang/Getty Images)

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Fabiane Stefano

Publicado em 21 de fevereiro de 2021 às 08h01.

À medida que Joe Biden se acomoda na Casa Branca, está acontecendo um debate sem fim sobre como deve, como pode, e como vai ser a política dele para a China. No entanto, para esta dança são necessárias duas superpotências, de modo que a abordagem de Xi Jinping com Biden terá tanto peso quanto a de Biden com Xi – talvez até mais. Qualquer melhora significativa nas relações EUA-China é impossível a menos que Xi esteja disposto a entrar na dança.

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E o presidente chinês está aberto a essa aproximação? Não sabemos ao certo. Xi não compartilha muito do que pensa sobre a política econômica americana. Ele raramente, quando muito, menciona os EUA pelo nome. Como muitas outras coisas da China, estamos limitados a interpretar os comentários de Xi, dissecar suas ações e fazer algumas projeções abalizadas.

Um quadro de fato surge das sombras. E, para o horror da estabilidade e prosperidade global, não parece bonito.

O motivo pode ser visto no modo como Xi vem mudando a China e o papel da China no mundo. As rejeições dos princípios tradicionais da política externa americana por Donald Trump ganharam as manchetes, mas o rompimento de Xi com as antigas práticas de Pequim foi igualmente drástico. E, se Trump foi posto porta afora pelos eleitores americanos, Xi não vai a lugar algum, muito menos a agenda dele.

Neste sentido, o impacto de Xi no mundo pode se provar muito maior e mais fundamental do que o de Trump. E isso pode tornar a reconciliação da China com os EUA difícil, se não totalmente impossível.

Sem dúvida, Pequim tem emitido alguns sinais positivos. Na cúpula virtual de Davos, em 25 de janeiro, em seu primeiro discurso desde a inauguração de Biden, Xi pediu ao mundo que abandonasse uma “mentalidade ultrapassada do tempo da Guerra Fria”, acrescentando que “o confronto nos levará a um beco sem saída”. Além disso, há maneiras pelas quais Biden e Xi podem no mínimo diminuir as tensões. Xi provavelmente estará aberto a fazer acordos pequenos para obter fins específicos.

Por exemplo, ele pode oferecer a Biden algumas concessões no comércio ou acesso das empresas americanas ao mercado para conseguir a revogação das tarifas restantes impostas por Trump aos produtos da China. Ele também pode identificar mais oportunidades de entendimento com Biden do que com Trump – por exemplo, uma preocupação mútua sobre as mudanças climáticas.

Biden pode ser a pessoa certa para aparar as arestas. Para um político americano de primeira linha, ele passou uma quantidade pouco comum de tempo ao lado de Xi. Os dois tiveram extensas conversas durante um intercâmbio de visitas em 2011 e 2012, quando ambos eram vice-presidentes. (Dá até pra adivinhar qual dos dois falou mais.)

Porém, Biden vai descobrir que o Xi Jinping de 2021 não é o Xi Jinping de uma década atrás. Naquela época, observadores da China previam que Xi continuaria a “reforma e abertura” lançada por Deng Xiaoping na década de 80. Agora sabemos que foi o contrário. Xi está reformulando o governo chinês centralizando mais controle em suas próprias mãos do que qualquer outro líder desde Mao Zedong, e aparentemente quer entrar para os enormes livros de história da China como o restaurador da grandeza do país asiático.

Isto tem levado a uma mudança drástica na visão de mundo de Pequim. Os antecessores da era de reformas de Xi se contentavam em focar principalmente no desenvolvimento econômico. Já Xi, para reforçar sua imagem cuidadosamente construída em seu país, vem buscando uma política econômica muito mais agressiva no exterior.

Em praticamente todas as frentes, ele tem usado a força redescoberta da China em busca de mais influência, e mais respeito, no resto do mundo. Com seu projeto diplomático de estimação – a Iniciativa do Cinturão e da Rota, voltada à construção de infraestrutura –, Xi vem ampliando o alcance chinês à Eurásia e além. Ele vem buscando uma influência maior no interior de instituições internacionais como a Organização Mundial da Saúde. O que Pequim considera interesses-chave vem sendo buscado com um gosto excepcional, seja sua controversa reivindicação de quase todo o Mar da China Meridional ou o tema sensível chamado Taiwan.

Incluam-se aí as discutíveis políticas de Xi em seu país – detenção de números desconhecidos de integrantes da minoria uigur e repressão do movimento pró-democracia de Hong Kong – e o resultado é que ele tem tanta responsabilidade pela perigosa degradação das relações com os EUA quanto Trump. Melhorar estes laços exigirá mudanças nas políticas de Xi, assim como nas de Washington.

Existe uma possibilidade de que uma abordagem menos combativa de Biden, mesmo que seja em tom, possa em troca amenizar as políticas de Xi. O governo Trump, afinal, não deu outra opção que não botar a China totalmente na defensiva ao espancar o país com sanções e ameaças e cutucá-lo nos pontos mais fracos, como Taiwan. Uma vez que o governo de Pequim gosta de descrever as políticas americanas como recíprocas, cada passo atrás de Biden praticamente forçaria Xi a fazer o mesmo.

No entanto, em muitas frentes, Xi parece estar cavando mais fundo. Apenas duas semanas após a posse de Biden, a polícia de Hong Kong deteve dezenas de ativistas pró-democracia com base na nova lei municipal de segurança nacional. De modo semelhante, Xi deu de ombros à indignação americana com seu péssimo tratamento dos uigures da China, chamando sua política de “totalmente correta” em setembro. Poucos dias após a posse de Biden, o exército chinês enviou jatos para perto da Taiwan para intimidar o governo democrático da ilha, ignorando um protesto do novo governo americano.

Também nas questões econômicas, Xi parece implacável. A pesada subvenção estatal às empresas chinesas de alta tecnologia há tempos é alvo de reclamação de empresas americanas e um (suposto) alvo da guerra comercial de Trump, mas Xi continua a gastar. Em agosto, ele anunciou generosas isenções fiscais para empresas de semicondutores.

Em um raro artigo publicado em agosto passado, Yang Jiechi, integrante do Politburo do Partido Comunista, pôs toda a culpa pelas crescentes tensões em “uma dúzia de políticos americanos egoístas” que dão “falsas declarações e afirmações infundadas” sobre a China. “Apelamos a estes que corrijam seus erros e seus rumos”, concluiu ele. Em troca, Yang não oferecia nada concreto. Na verdade, ele tirou alguns dos principais temas da mesa de negociação – entre eles Hong Kong, Taiwan e os uigures –, afirmando serem questões que “dizem respeito à soberania e integridade territorial da China”.

Tradução: Xi quer um “restart” das relações com os EUA desde que Biden cuide de reiniciar tudo. Não é realista. Democratas e republicanos veem hoje a China como um adversário estratégico, de modo que quase não há chance de Biden voltar o relógio e restaurar a antiga política de relacionamento, especialmente se Xi se recusar a fazer concessões.

Ao que parece, Xi talvez já tenha chegado a essa conclusão. A nova urgência com que ele vem pressionando por “autossuficiência”, sobretudo em tecnologias-chave como chips, indica que ele busca limitar a dependência chinesa dos EUA e influência de Biden na economia chinesa. O novo bordão econômico de Xi, “circulação dupla”, coloca mais ênfase no desenvolvimento interno e, portanto, deve mudar o foco da política para dentro do país. Isso também pode aumentar as tensões com os EUA caso Xi substitua as importações por produtos nacionais ou discrimine ainda mais as empresas americanas.

No limite, Xi tem prioridades de política econômica, tanto internas quanto no exterior, que não irá mudar por Biden. Em uma entrevista em dezembro, Biden disse que pretende “deixar muito claro à China que existem regras internacionais que, se vocês quiserem jogar por elas, nós jogamos com vocês. Se não, não vamos jogar.” As ações de Xi deixam bastante claro que ele não tem intenção alguma de seguir o que Biden chama de “regras”, e pretende em vez disso definir suas próprias regras de como outros países devem negociar com sua China.

Cada vez mais, o conflito EUA-China vem se tornando uma competição dos principais interesses nacionais das duas principais superpotências com ideologias de governo e visões de mundo fundamentalmente distintas. Idealmente, pelo bem de todos nós, Xi e Biden podem chegar a algum consenso. Porém, sem determinadas mudanças drásticas nas políticas de Xi, é difícil imaginar algo assim. Embora Xi possa fingir que vai dançar, é provável que deixe Biden sozinho no baile.

Tradução por Fabrício Calado Moreira

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