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A inesgotável ambição de Emmanuel Macron

Macron tomou uma série de medidas polêmicas que fizeram com que o seu estilo de governo fosse comparado com as práticas do século 19

MACRON OUVE DISCURSO DA PREFEITA DE PARIS, ANNE HIDALGO: pesquisas mostraram que a popularidade do presidente caiu dez pontos percentuais, chegando a 54% (Charles Platiau/File Photo/Reuters)

MACRON OUVE DISCURSO DA PREFEITA DE PARIS, ANNE HIDALGO: pesquisas mostraram que a popularidade do presidente caiu dez pontos percentuais, chegando a 54% (Charles Platiau/File Photo/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 19 de agosto de 2017 às 06h05.

Última atualização em 19 de agosto de 2017 às 15h12.

Paris – Emmanuel Macron foi eleito presidente francês com o discurso da modernidade. Aos 39 anos, o ex-ministro da economia de François Hollande não vinha de nenhum dos tradicionais partidos de esquerda e direita, mas sim de um que ele próprio fundara meses antes. Nos quatro meses em que se instalou no Palácio do Eliseu, contudo, Macron tomou uma série de medidas polêmicas que fizeram com que o seu estilo de governo fosse comparado com as práticas do século 19. O candidato da nova política virou o presidente “napoleônico”. Como isso aconteceu?

Tudo começou nas vésperas do 14 de julho, o Dia da Bastilha, a data mais importante da história francesa. No fim de junho, o governo divulgou que o presidente não concederia a tradicional entrevista coletiva transmitida pela televisão no dia da festa, um ritual iniciado por Valéry Giscard d’Estaing nos anos 1970. A explicação dada por sua equipe ao jornal Le Monde foi que “os pensamentos complexos do presidente não se aplicam bem ao jogo de perguntas-respostas com jornalistas”.

Desde que foi eleito no dia 7 de maio, Macron concedeu apenas duas entrevistas. Em vez da coletiva, o presidente faria um discurso em Versalhes direcionado às duas casas do parlamento e aos franceses no dia 3 de julho. Afirmou que seria um “um presidente jupiteriano”, e que tinha a intenção de reduzir o número de deputados e senadores. A dúvida é como redesenhar o complex mapa eleitoral francês.

Para completar, Macron convidou ninguém menos do que Donald Trump para assistir com ele aos festejos do feriado nacional mais importante do país.

“Macron queria afirmar a autoridade de um presidente e de um estado que se situam acima da face política tradicional e do debate público”, disse a EXAME o francês Yves Sintomer, professor de ciência política da Universidade Paris 8. “É um jogo político de imagem: ele se mostrou um presidente capaz de apertar a mão de Donald Trump impondo sua energia e força e ao mesmo tempo bajular o ego do presidente americano”.

Embate com oficial do exército

Somou-se aos acontecimentos ligados ao 14 de julho o embate entre Macron e o chefe do Estado Maior das Forças Armadas francês, Pierre Villiers. O general que ocupava o posto há três anos tinha como um de seus focos o aumento das verbas para a defesa. Hoje o exército francês conduz internamente a operação Sentinela, composta de 10.000 militares espalhados pelo território nacional e operações internacionais, como a guerra na região do Sahel desde 2013 e na região do Levante desde 2014.

Para chamar a atenção dos candidatos ao tema, Villiers chegou a escrever uma carta aberta no jornal Le Monde sobre o assunto durante a campanha presidencial. “Apenas um modelo completo de exército permite adaptar-se à ameaça (do Estado Islâmico) (….) Esse modelo tem um custo, o qual foi relembrado no última evento da Otan em setembro de 2014, com o objetivo de 2% do PIB consagrado às despesas da defesa. A guerra também tem um preço: aquele do sangue dos que aceitam ir de encontro ao inimigo”, escreveu.

O problema foi que Macron anunciou um corte imediato de um bilhão de euros nas verbas do exército, que já correspondiam a apenas 1,78% do PIB. Além disso, o ministério das finanças congelou outros 2,7 bilhões em créditos. No dia seguinte ao anúncio de um dos cortes, Villiers fez um discurso revoltado em uma sessão parlamentar fechada da comissão da defesa. “Eu não vou deixar me f****** assim”, disse.

Trechos de sua fala exaltada vazaram para a imprensa. No dia seguinte foi a vez do presidente Macron proferir o discurso anual para as forças armadas, circunstância aproveitada por ele para retrucar o general. “Eu não considero honrável levar certos debates à exposição pública”, disse ele. “Eu sou o chefe de vocês. Os compromissos que eu fiz para com os nossos cidadãos, para com o exército, eu os mantenho”. Em uma rara entrevista posterior, ele chegou a declarar que caso houvesse um problema entre o presidente e o responsável pelas forças armadas, o segundo teria que partir.

O embate chegou ao fim no dia 19 de julho, quando Villiers entregou a sua carta de demissão, um ato sem precedentes desde 1958. O evento gerou reações emocionadas na sociedade francesa, especialmente entre os militares, que consideraram injusta a sua saída do posto.

A polêmica mais recente na qual o presidente se envolveu foi o anúncio de que criaria uma status oficial para a sua mulher como “primeira dama”, algo que não existe na França. Desde a sua campanha eleitoral Macron disse que o faria se fosse eleito para “acabar com a hipocrisia francesa” e “deixar as coisas mais claras”. Uma pesquisa, contudo, mostrou que mesmo se 49% dos franceses têm uma imagem positiva de Brigitte, 68% deles não apoiam a criação de um cargo oficial.

Assim, como resposta ao anúncio da oficialização do cargo, os franceses criaram uma petição online contra a medida, que em duas semanas reuniu mais de 240.000 assinaturas. O texto no site dizia que “não há nenhuma razão para que a esposa do chefe de estado tenha uma verba de fundos públicos” e que “Brigitte Macron dispõe atualmente de uma equipe de dois a três colaboradores, assim como dois secretários e dois agentes de segurança, e isso é o suficiente”.

A reação pública levou o governo a divulgar um esclarecimento dizendo que o papel de Brigitte seria mais bem explicado nos dias seguintes por um documento no qual a equipe trabalhava havia muitas semanas. O que está claro é se Brigitte realmente não receberá nenhuma remuneração. O porta-voz do governo, Christophe Castaner publicou em sua conta no Twitter a seguinte mensagem: “Nenhuma modificação à Constituição, nenhum dispositivo novo, nenhuma remuneração por Brigitte Macron, um basta à hipocrisia!”, acrescentando que a futura primeira dama “recebe mais de 22 cartas por dia e mantém essa ligação com os franceses na maior discrição”.

De onde vem o autoritarismo

Para completar, há ainda o grande debate envolvendo a reforma nas leis de trabalho. O presidente já declarou algumas vezes que o rígido código trabalhista francês está matando os postos de trabalho. Por isso, o governo aproveitaria o verão para consultar sindicatos sobre o assunto, o que não tem exatamente avançado.

Há muitos pontos dos quais o governo não abre mão, como a criação de um limite dos pagamentos que as empresas devem fornecer aos funcionários em casos de demissão. Segundo os empresários, as grandes indenizações estariam desmotivando novas contratações. A ideia de Macron é fazer as mudanças necessárias por decreto, para que elas não enfrentem resistência no parlamento.

O professor Yves Sintomer ressalta que o sistema francês favorece governos autoritários. “Em comparação com países vizinhos europeus, o sistema político francês é muito centralizador. Toda a lógica das instituições induz ao autoritarismo ao concentrar as decisões oficiais na mão do presidente”, disse a EXAME. Mesmo levando isso em conta, ele admite que Macron tem um perfil mais autoritário que seu antecessor François Hollande, por exemplo. A explicação disso estaria no percurso profissional de cada um. “Hollande trabalhou por muito tempo como secretário do partido socialista, e nesse cargo tinha como função realizar a síntese entre as diferentes frações do partido, estratégia que manteve como presidente.”, diz. “Já Macron trabalhou em cargos mais solitários, nunca precisou tentar conciliar grupos que defendiam ideias diferentes”.

Depois de tantas polêmicas, pesquisas mostraram que a popularidade do presidente caiu dez pontos percentuais, chegando a 54%. Foi a maior queda de popularidade de um presidente depois de três meses no poder, com exceção de Jacques Chirac em 1995. Analistas explicam que é normal que a popularidade de recém-eleitos caiam, mas não tão rapidamente e a esse nível. Para Sintomer, a queda não é surpreendente, tendo em vista a pequena base eleitoral. “Ele tirou vantagem da fraqueza e do descrédito de seus adversários, mas isso não vai durar para sempre. Agora, veremos a sua capacidade de construir um projeto hegemônico com base em sua própria força”, diz.

Outro desafio, ironicamente, é a falta de oposição – ele e seus aliados controlam 350 das 577 cadeiras da Câmara. “A concentração de poder e a pretensão de saber tudo sozinho leva a erros. É mais fácil aprovar propostas, mas o risco de não conseguir responder às grandes aspirações da sociedade francesa nem aos desafios do século é maior”, diz o professor Sintomer.

Macron parece confiante na sua capacidade de governar. Em uma de suas raras entrevistas como presidente, ele disse que a sua chegada ao poder seria o “começo de um Renascimento Francês (…), um renascimento que permitirá repensar o equilíbrio entre o nacional, o internacional e o europeu”. A ambição de Macron é sua principal força, e pode vir a ser sua maior fraqueza.

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