Dança: grupo de jovens do Brooklyn luta para dar fim a uma velha lei nova-iorquina que proíbe o bailado e atinge milhares de bares e discotecas (rattodisabina/Thinkstock)
AFP
Publicado em 29 de outubro de 2017 às 16h30.
Última atualização em 29 de outubro de 2017 às 16h30.
Apesar de parecer insólito, na cidade que nunca dorme, dançar é ilegal. Mas um grupo de jovens do Brooklyn luta para dar fim a uma velha lei nova-iorquina que proíbe o bailado e atinge milhares de bares e discotecas.
A medida municipal aprovada há quase 100 anos, em 1926, exige uma permissão quase impossível de conseguir para autorizar festas em lugares fechados.
Quem não tiver, pode ser multado e, eventualmente, perder a permissão para vender álcool, o que praticamente levaria o estabelecimento à falência.
Menos de 100 dos mais de 22 mil bares, restaurantes e discotecas de Nova York têm a autorização, que só pode ser conseguida através de trâmites kafkianos e de um sem fim de medidas de segurança, excessivamente caras para pequenos comerciantes, critica Rafael Espinal, vereador democrata do Brooklyn.
"Nós podemos ir atrás dos problemas reais, sejam o barulho, o crime ou as condições de segurança, mas não da dança", diz em seu escritório subterrâneo no Brooklyn o político de 27 anos, autor de uma proposta para revogar a lei e substituí-la por outra, que poderia ser aprovada em dezembro.
Sua proposta ganhou, recentemente, apoio do prefeito Bill de Blasio, mas o fim da lei depende de uma votação no legislativo municipal.
O vereador e grupos de ativistas, como a Rede de Libertação de Dança, garantem que a lei foi usada, historicamente, para fechar estabelecimentos onde se reúnem minorias, de negros e latinos à comunidade LGBTQ.
A princípio, a "lei do cabaré" foi aprovada para limitar o consumo ilegal de álcool durante a Lei Seca, apesar de, segundo historiadores, seu real objetivo ser o fechamento de bares de jazz do Harlem nos anos 30, 40 e 50, para evitar o encontro de negros e brancos.
Nos anos 70 e 80, foi usada para fechar estabelecimentos frequentados pela comunidade LGBTQ, que lutava por seus direitos civis. Na década de 1990, o prefeito Rudy Giuliani utilizou-a para controlar a vida noturna da cidade, em sua meta de "limpar" Nova York.
Hoje em dia, ela é pouco usada, mas seus críticos apontam que se recorre a ela para fechar locais considerados indesejáveis.
Com o fim da lei, Espinal propõe também a criação de um cargo que acaba de ser aprovado: "Prefeito da Noite" de Nova York, um intermediário entre bares, vizinhos e a cidade - como existe em Amsterdã -, que deve lutar para preservar a milionária fonte de receitas e atrativo turístico.
De Blasio ratificou a lei que cria o novo cargo em um evento festivo em uma discoteca do Brooklyn, onde tocou Marky Ramone, baterista da banda punk The Ramones.
Uma das vítimas da lei foi Andrew Muchmore, advogado dono de um bar com música ao vivo em Williamsburg, bairro da moda do Brooklyn, que há anos luta na Justiça para declará-la inconstitucional.
Em uma noite de 2013, quando 20 clientes faziam barulho fora do bar, um policial aplicou uma multa de 200 dólares baseado na "lei do cabaré".
Quando foi pagar a multa, ela tinha desaparecido dos arquivos. Mas Muchmore decidiu desafiar a lei, já que, em sua opinião, viola a Primeira Emenda da Constituição, que garante a liberdade de expressão.
"Ofendeu minha sensibilidade enquanto americano (...) que pudesse existir uma lei assim no século 21 em Nova York, ainda por cima", disse à AFP Muchmore, em seu bar.
O jovem advogado que se queixa de que a vibrante vida noturna nova-iorquina "agora seja só um fantasma de si mesma", como mostra seu bar, um dos poucos ainda abertos no bairro, que já foi um berço da cena musical da cidade, mas deixou de sê-lo devido à alta abrupta dos aluguéis e da burocracia que asfixia pequenos empresários.
"É muito chocante, um em cada cinco pequenos negócios foram perdidos nas últimas duas décadas em Nova York", lamentou De Blasio na House of YES, discoteca no Brooklyn.
"E um dos grandes motivos foi que é difícil navegar nas regras e restrições que, em muitos casos, foram longe demais", avaliou o prefeito.
Muchmore é otimista sobre o fim da lei. "Se a cidade não revogá-la logo, a Justiça vai declará-la inconstitucional", garante.