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A hora da decisão: Trump e Biden se enfrentam em eleição histórica

Quase 100 milhões de eleitores americanos votaram antecipadamente, e a demora prevista na apuração cria um ambiente de tensão nos Estados Unidos

Trump X Biden: de um lado, o republicano, um presidente eleito como a personificação do outsider político. De outro, o democrata Joe Biden, político com quase 50 anos de carreira, que conseguiu unir um partido fragmentado (Montagem/Exame)

Trump X Biden: de um lado, o republicano, um presidente eleito como a personificação do outsider político. De outro, o democrata Joe Biden, político com quase 50 anos de carreira, que conseguiu unir um partido fragmentado (Montagem/Exame)

FS

Fabiane Stefano

Publicado em 3 de novembro de 2020 às 06h00.

Última atualização em 3 de novembro de 2020 às 07h10.

A eleição presidencial dos Estados Unidos acontece oficialmente hoje, embora 97 milhões já tenham votado. O resultado pode demorar dias ou até mesmo semanas para ser conhecido. Essa incerteza, combinada com a polarização extrema da política do país e as insistências de Donald Trump de que vai haver fraude, pode se traduzir em confrontos violentos nas ruas. Para completar o quadro, a pandemia do coronavírus segue batendo recordes no país. Nunca na história americana houve uma eleição como a desta terça-feira.

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A votação não poderia opor duas figuras mais diferentes. De um lado, o republicano Trump, um presidente eleito como a personificação do outsider político. De outro, o democrata Joe Biden, político com quase 50 anos de carreira, oito deles como vice-presidente de Barack Obama, que conseguiu unir um partido fragmentado graças a um único atributo: as melhores chances de tirar Trump da Casa Branca.

Em quatro anos, Trump cumpriu a promessa de não fazer política tradicional. Ele ignorou todas as tradições e solenidades da Presidência e governou como se ainda estivesse em campanha, atirando contra inimigos reais e imaginários.

Em suas invectivas diárias pelo Twitter, muitas delas publicadas antes do nascer do sol, Trump ofendeu adversários políticos, atacou a credibilidade da imprensa, deu crédito a teorias da conspiração desvairadas e mentiu como se não houvesse amanhã.

A economia ia bem, obrigado, e a maioria republicana no Senado ajudou: em fevereiro deste ano, Trump foi indiciado no processo de impeachment da Câmara, mas absolvido no Senado do escândalo de toma-lá-dá-cá com seu colega ucraniano.

Mas tudo mudou com a chegada do coronavírus. A votação de hoje é antes de tudo um referendo sobre a atuação do presidente no combate a uma crise histórica na saúde pública e na economia. Até agora, 9,3 milhões de americanos foram infectados, e 230.000 morreram. A epidemia segue fora do controle às vésperas do inverno.

Os eleitores não estão satisfeitos com o trabalho feito por Trump, pelo menos segundo as pesquisas. A média das sondagens nacionais indica uma vantagem de 6,5 pontos percentuais para Biden.

Esse cenário segue inalterado desde abril, quando o democrata selou a vitória nas primárias do partido. Mas o presidente é escolhido em votação indireta, e vencer em determinados estados (os chamados swing states) é mais importante que receber a maioria dos votos populares. Foi assim que George W. Bush, em 2000, e Donald Trump, em 2016, chegaram à Casa Branca.

Diversos modelos estatísticos indicam que Biden tem maiores probabilidades de ser declarado o vencedor. O site FiveThirtyEight calcula em 89% a probabilidade de uma vitória do democrata. As projeções da revista The Economist dão a Biden 95% das chances.

Mas existe a chance de que Donald Trump declare vitória na noite de hoje, antes de apurados todos os votos. A tentativa de deslegitimar a voz de milhões de eleitores – que votaram de acordo com as regras -- pode abrir uma crise sem precedentes na democracia mais antiga do mundo e precipitar uma onda de violência.

Dois terços dos quase 100 milhões de americanos que votaram antecipadamente enviaram seus votos pelo correio. O processo de validação e contagem desses votos é lento, e em alguns estados só começa hoje (cada estado estabelece suas próprias regras eleitorais).

Trump vem há meses afirmando que o voto à distância dá margem a fraudes em larga escala – o que é comprovadamente falso, como mostram décadas de uso do sistema no país.

A maioria dos eleitores de Biden pretende votar pelo correio; entre os republicanos, a preferência é pelo voto em pessoa.

Eis um cenário perfeitamente plausível para a noite de hoje: como a apuração dos votos depositados nas urnas é mais rápida, é provável que Trump saia na frente em alguns estados-chave.

Com essa vantagem inicial, ele se diz vitorioso e afirma que todos os votos contados a partir daquele momento – e que poderiam representar uma virada de Biden – são forjados e devem ser descartados.

Em uma reportagem publicada no domingo, o site Axios afirmou que Trump teria descrito este plano a assessores (o presidente negou o teor da reportagem horas depois).

Mas há meses ele vem colocando em dúvida a lisura do processo eleitoral, algo que muitos consideram inconcebível partindo do presidente. No domingo, Trump afirmou: “Assim que acabar a eleição, vamos entrar com nossos advogados”, disse Trump no domingo.

Mas a eleição não acaba na noite de hoje, apesar de tradicionalmente o vencedor ser conhecido nas primeiras horas da madrugada da quarta-feira (as eleições sempre acontecem às terças-feiras nos Estados Unidos).

“Acho terrível que não possamos saber o resultado na noite da eleição numa era moderna de computadores”, afirmou Trump. Mas quase todo o processo de conferência dos votos enviados pelo correio – abertura, identificação do eleitor, conferência da assinatura etc. – é manual.

Além do enorme volume de votos – que em alguns estados só começam a ser processados depois do fechamento das urnas, hoje à noite --, existe o risco real de contestação na justiça, um imbróglio que pode durar semanas.

“Não acreditamos que os eleitores devam esperar dias a fio”, afirmou a secretária de imprensa da Casa Branca, Kayleigh McEnany. “Sabemos que isso abre o caminho para fraudes, para encontrarem mais votos.”

“Em circunstância nenhuma Donald Trump será declarado o vencedor na noite da eleição”, afirmou Jen O’Malley Dillon, assessora de Biden, numa entrevista concedida ontem.

O risco de violência

Na rua 34, em Manhattan, trabalhadores corriam para cobrir com tapumes as vitrines da Macy’s. Em Los Angeles, a Rodeo Drive, rua que concentra grifes famosas, ficará fechada até quinta-feira, pelo menos. A polícia de Chicago cancelou a folga de todos os seus policiais esta semana.

O temor é que a incerteza sobre o vencedor da eleição e as acusações de fraude possam causar confrontos violentos. Trump se recusou a afirmar que vai aceitar o resultado das urnas e pediu “um exército” de fiscais nas urnas.

Ele também se pronunciou a favor de seguidores que foram para as ruas armados supostamente para “defender propriedades” durante as manifestações por justiça racial no meio do ano.

Enfrentamentos entre esses grupos – incluindo bandos paramilitares dominados por supremacistas brancos e carregando armas militares – e manifestantes pró-Biden pode ter consequências imprevisíveis caso não haja uma resolução rápida da eleição. Pelo menos 24 pessoas morreram em manifestações que acabaram em violência.

No domingo, um ônibus com integrantes da campanha de Joe Biden foi interceptado numa estrada do Texas por picapes com bandeiras pró-Trump. Comentando o incidente, Trump chamou de “patriotas” os apoiadores que emboscaram o ônibus. Não houve feridos no incidente.

Também no domingo, carreatas de apoiadores do presidente bloquearam o tráfego nos arredores de Nova York.

Uma longa noite

Os primeiros resultados que importam na contagem do colégio eleitoral devem ser divulgados por volta das 21h (horário de Brasília), quando será encerrada a votação na Geórgia, na Flórida e na Carolina do Norte.

As pesquisas nos três estados estão muito apertadas, e tanto Biden quanto Trump podem sair vitoriosos. O resultado da Flórida, que tem o maior número de votos no colégio eleitoral (29) entre os swing states, deve concentrar as atenções. A contagem dos votos pelo correio já começou no estado.

Se Biden for vitorioso na Flórida, a reeleição de Trump fica muito mais difícil. Caso Trump repita a vitória de 2016 no estado, a semana promete ser longa.


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