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A guinada à direita de Merkel

Lourival Sant’Anna  Em uma eleição, há duas táticas opostas: diferenciar-se ou aproximar-se das posições do adversário. Quanto mais temido o rival, maior a tentação de pular o muro e roubar algumas ideias que frutificaram no seu quintal. Na noite de terça-feira, 6, a chanceler alemã, Angela Merkel, deu um atestado do quanto o jardim do […]

MERKEL: para segurar a ultradireita e assegurar mais um mandato, ela está mudando o tom  / Fabrizio Bensch/ Reuters

MERKEL: para segurar a ultradireita e assegurar mais um mandato, ela está mudando o tom / Fabrizio Bensch/ Reuters

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Da Redação

Publicado em 12 de dezembro de 2016 às 09h53.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h59.

Lourival Sant’Anna 

Em uma eleição, há duas táticas opostas: diferenciar-se ou aproximar-se das posições do adversário. Quanto mais temido o rival, maior a tentação de pular o muro e roubar algumas ideias que frutificaram no seu quintal. Na noite de terça-feira, 6, a chanceler alemã, Angela Merkel, deu um atestado do quanto o jardim do vizinho, no caso o partido ultranacionalista Alternativa pela Alemanha (AfD), lhe parece mais verde. Fustigada por uma intensa campanha contra a imigração em seu país, e por desempenhos eleitorais ruins de seu partido, a campeã da “política de portas abertas” deu um passo atrás, ao se lançar para a quarta eleição, que ocorrerá entre agosto e outubro.

“Não queremos sociedades paralelas e onde elas existirem temos de enfrentá-las”, discursou Merkel, para cerca de mil filiados, no congresso anual da União Democrata-Cristã (CDU). “Nossas leis têm prioridade sobre códigos de honra, regras tribais e familiares, e sobre a Sharia”, continuou ela, referindo-se às leis islâmicas. “Isso precisa ser expresso claramente.”

Merkel entrou então no tema do véu usado pelas muçulmanas conservadoras que expõe apenas os olhos (chamado de niqab): “Isso também significa que, na comunicação interpessoal, mostramos nosso rosto. É por isso que o véu que cobre todo o rosto é impróprio, e deve ser banido onde for legalmente possível. Não pertence a nosso país”.
Foi a primeira vez que a chanceler, há 11 anos no cargo, assumiu essa posição. A declaração foi um apoio a um projeto de lei defendido pela CDU. Proibições como essa foram impostas na França e derrubadas pelo Tribunal de Cassação francês e pela Corte Europeia de Justiça. Merkel, no entanto, não endossou uma outra proposta de seu partido, de obrigar os filhos de imigrantes de escolher, até os 23 anos, entre a cidadania alemã e a de seus pais.

O discurso parece ter caído bem. Pesquisa encomendada pela rede de TV ARD indicou aumento de 13 pontos porcentuais no apoio à candidatura de Merkel de setembro para cá, atingindo 59%. A CDU tem 35% das intenções de voto; o Partido Social-Democrata (SDP), seu parceiro de coalizão, 22%; a AfD permaneceu com os mesmos 13% da sondagem anterior; os Verdes e o Partido Liberal-Democrata ficaram empatados com 11%, e a Esquerda, 9%.

“Apesar de todas as críticas contra a política dela para os refugiados, dois terços concordam com a decisão dela de se candidatar e acreditam que ela continuará chanceler no ano que vem”, diz Peter Matuschek, do instituto Forsa, que também fez uma sondagem essa semana.

Entretanto, depois dos avanços eleitorais da AfD este ano, a CDU se mantém cautelosa. O partido foi fundado em 2013, com base na proposta de um referendo para a Alemanha sair da União Europeia. Em 2015, ganhou força ao explorar a rejeição dos alemães contra a enxurrada de imigrantes no país, que foi o que mais os acolheu na Europa: 890.000 pessoas.

Em março, a AfD ficou em segundo lugar em eleições regionais na Saxônia-Anhalt, com 24%, atrás apenas da CDU, que obteve 30%. Em setembro, em Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, de novo terminou em segundo, com 21%, atrás do SPD, que obteve 31%, e na frente da CDU, que recebeu 19%. Duas semanas depois, em Berlim, reduto mais de esquerda, o resultado foi bastante embolado: 22% para o SDP; 18% para a CDU; 16% para a Esquerda; 15% para os Verdes e 14% para a AfD. O partido já ocupa cadeiras em 10 dos 16 parlamentos estaduais.

“Eles são um novo poder político, e temos de levá-los a sério”, diz o deputado Peter Beyer, da CDU. “Eles não serão tão fortes a ponto de integrar uma coalizão, mas é 100% certo que elegerão deputados no ano que vem, talvez até com mais de 10%.” Sudha David-Wilp, analista do instituto americano German Marshall Fund em Berlim, faz uma avaliação semelhante, citando a líder da AfD: “Frauke Petry não vai se tornar chanceler da Alemanha em setembro. Mas a AfD pode ser um desmancha-prazeres e criar instabilidade no sistema.”

Para a deputada Annalena Baerbock, do Partido Verde, o mais preocupante não é a AfD em si, mas o quanto ela pode empurrar a CDU e sua aliada da Baviera, a União Social-Cristã (CSU), para a direita: “Meu maior temor é que os conservadores já estão tão nervosos que já deslocaram sua plataforma para a direita”.

Postfaktisch

O mais desconsertante é que isso nem sequer tem funcionado nas eleições regionais. Segundo Matuschek, a mesma tática de disputar o terreno conservador com a AfD foi empregada nas eleições de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental e de Berlim, com os resultados conhecidos. “Não funciona, porque as pessoas vêem como manobra de campanha.”

Parte disso se deve ao fato de que, como Donald Trump, a AfD tem atraído eleitores novos, que antes não compareciam às urnas, e não necessariamente roubado antigos simpatizantes da CDU e da CSU — embora isso também tenha acontecido. E, como em Trump, o voto nela também é antiestablishment. “Não é só a questão dos refugiados”, analisa Alexander Mauss, de Berlim, que faz pesquisas de opinião para partidos políticos. “Como em muitos outros países, incluindo os EUA, acho que há uma insatisfação mais ampla com a política em uma certa fatia da população que não foi verbalizada ainda. E agora, com a AfD, eles podem projetar sua raiva e irritação.”

Inicialmente, os alemães receberam bem a onda de imigrantes do Oriente Médio, África e Ásia. Entretanto, o número cresceu muito, e eles começaram a sobrecarregar os serviços sociais, e a ocupar as ruas de algumas cidades. Então veio o incidente de Colônia, onde, segundo a polícia, “homens do Norte da África e do Oriente Médio” assediaram sexualmente centenas de mulheres durante as comemorações de rua do Ano Novo.

O clima azedou de vez com a onda de quatro atentados de julho deste ano, que deixaram 9 mortos e 46 feridos na Baviera e uma mulher morta a facadas no Estado de Baden-Württemberg. Três deles foram cometidos por imigrantes — um afegão e dois sírios —, e o quarto por um filho de iranianos. Todos muçulmanos. O afegão e o sírio dedicaram seus ataques ao Estado Islâmico; os outros dois foram atribuídos a transtornos psicológicos.

Na segunda-feira, 5, véspera do congresso da CDU, a polícia anunciou que um refugiado afegão de 17 anos era suspeito de estuprar e matar uma estudante universitária de 19. De acordo com as estatísticas, os crimes cresceram em 2016 na mesma proporção que a população alemã. Menos de 1% dos crimes sexuais, e uma fatia menor ainda dos homicídios foram cometidos por imigrantes. Mas, como acontece em todos os lugares, crimes cometidos por estrangeiros repercutem mais, e o fato de os autores serem imigrantes é bastante ressaltado.

Para complicar ainda mais a campanha de Merkel, a chanceler e seu partido temem que hackers russos tentem influenciar nos resultados da eleição, contra ela, assim como ocorreu com Hillary Clinton. O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, garantiu na sexta-feira que Merkel havia concordado que esse risco era “non-sense”. Mas funcionários do governo alemão desmentiram indiretamente essa versão, lembrando que a chanceler mencionou duas vezes a ameaça no mês passado.

De acordo com a Associação para a Língua Alemã, a palavra do ano no país é “postfaktisch”, ou seja, o pós-verdade, o ambiente em que a versão é mais importante do que o fato. Não há dúvida de que o conceito veio para ficar, e estará presente nas eleições de 2017.

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