Mundo

A duríssima vida da oposição russa

O líder oposicionista Alexei Navalni foi acusado de ter perturbado a ordem pública por liderar os protestos

NAVALNI: ele galvaniza um sentimento de repúdio aos desmandos e arbitrariedades de Putin / Tatyana Makeyeva/ Reuters

NAVALNI: ele galvaniza um sentimento de repúdio aos desmandos e arbitrariedades de Putin / Tatyana Makeyeva/ Reuters

CR

Carolina Riveira

Publicado em 29 de março de 2017 às 17h01.

Última atualização em 8 de outubro de 2019 às 15h04.

Enquanto as manifestações de domingo na Avenida Paulista e em uma série de cidades brasileiras passaram praticamente despercebidas, na Rússia uma série de protestos organizados no mesmo dia pode mudar o rumo da política no país. O movimento foi considerado o maior desde 2012, quando grandes manifestações aconteceram como resposta a acusações de fraude nas eleições legislativas e presidenciais de 2011 — pleito em que o presidente Vladimir Putin foi eleito para seu terceiro mandato, com 63% dos votos.

O principal alvo foi a corrupção: os protestos foram desencadeados por um vídeo divulgado nas redes sociais, em que o líder oposicionista e pré-candidato à Presidência, Alexei Navalni, faz acusações de lavagem de dinheiro contra o primeiro-ministro Dimitri Medvedev. Em uma gravação de 50 minutos, Navalni aparece citando investigações independentes feitas por ele, que mostram como o premiê construiu um “império da corrupção” por meio de uma rede de fundações ligadas a propriedades e bens de luxo.

Medvedev é um dos homens de confiança de Putin, escolhido para substituí-lo na Presidência em 2008, quando o mandatário não pôde se candidatar pela terceira vez consecutiva — após ser eleito em 2000 e 2004. Assim, Medvedev se tornou presidente com mais de 70% dos votos, e quando Putin retornou ao cargo, naquele polêmico pleito de 2011, foi nomeado como seu primeiro-ministro.

No domingo, Medvedev foi apenas um símbolo usado para protestar contra Putin, o real alvo. Os protestos de domingo foram considerados “ilegais” pela polícia russa, e mais de 1.000 pessoas foram presas — 600 só em Moscou. A Anistia Internacional alega que as autoridades usaram “força excessiva” e a União Europeia e os Estados Unidos pediram a libertação dos presos. A maioria foi liberada horas depois, mas cerca de 200 permaneceram detidos na segunda-feira. O líder oposicionista Alexei Navalni foi julgado por ter perturbado a ordem pública e condenado a ficar mais 15 dias na prisão, além de pagar uma multa de 300 euros.

Advogado e blogueiro de 40 anos, Navalni é a principal voz oposicionista da Rússia na atualidade. Trabalha em seu blog e na Fundação Russa Contra a Corrupção, fundada por ele próprio em 2007. Para apurar os casos de corrupção, tem um método peculiar: realiza crowdfundings para levantar fundos e, com o dinheiro, compra ações em empresas majoritariamente estatais, como a petroleira Rosneft e o gigante do gás Gazprom. Como acionista, tem acesso a balanços e informações privilegiadas. “Seu trabalho anticorrupção atrai especialmente os mais jovens e a população urbana, que possivelmente estão frustrados com o alto nível de corrupção na Rússia”, diz a cientista política Valerie Sperling, professora da Universidade Clark e membro do Davis Center para Estudos da Rússia e da Eurásia na Universidade Harvard.

Navalni já havia liderado as manifestações de 2012, após ter tentado, sem sucesso, concorrer ao Parlamento nas eleições legislativas de 2011. Mas a consolidação veio em 2013, quando obteve seu melhor resultado eleitoral ao ganhar 27% dos votos na disputa pela Prefeitura de Moscou. Na ocasião, perdeu para o então prefeito e candidato de Putin, Serguei Sobianin.

Em fevereiro deste ano, Navalni foi condenado a cinco anos de prisão por acusações de que teria desviado 400.000 euros de empresas públicas em 2009. O blogueiro afirma que a prisão é uma forma de o governo Putin tentar impedi-lo de concorrer nas eleições por suas opiniões “perigosas demais”.

Navalni é apenas o mais recente opositor de Putin a sofrer processos ou prisões sob circunstâncias questionáveis. Na semana passada, o ex-deputado Denis Voronenkov foi assassinado a tiros em frente a um hotel em Kiev, na Ucrânia. Voronenkov foi deputado entre 2011 e 2016 e fazia oposição a Putin, e se refugiou na Ucrânia ao ser condenado por fraude. O presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko, acusou o governo russo pela morte e chamou o caso de “terrorismo de estado”. O Kremlin classificou as acusações como “absurdas”.

Boris Nemtsov, ex-líder do partido de oposição Parnas, foi assassinado a tiros em 2015. Outro crítico de Putin, Vladimir Kara-Murza, da ONG Rússia Aberta, foi envenenado duas vezes: a primeira em 2015 e a última em fevereiro deste ano. Ele segue vivo.

O futuro russo

Apesar da relativa amplitude dos protestos de domingo, é difícil que algo mude dramaticamente no cenário político russo. Putin conta com mais de 80% de aprovação. A popularidade vem de uma combinação que mescla os bons resultados econômicos da última década a um perfil que passa segurança à população, amedrontada com um possível retorno dos tempos sombrios de recessão da década de 1990, pós-queda da União Soviética. Com a baixa nos preços do petróleo, a economia passou a desacelerar nos últimos anos, mas isso não abalou a aprovação do presidente.

Ainda assim, os protestos de domingo deram esperança à oposição, na visão do pesquisador russo Anton Shekhovtsov, do Institute for Human Sciences, da Áustria. “Ajuda aqueles que acreditam que o regime de Putin deve sofrer oposição. Ainda que essa oposição, no que se refere a partidos políticos, seja muito fraca”, diz.

No Parlamento — chamado Duma —, a Rússia Unida, partido de Putin, detém 76% dos assentos (343 das 450 vagas). O Partido Comunista é o maior adversário (com 42 cadeiras), mas representa uma oposição branda e sem um apoio popular massivo para além de nostálgicos da antiga União Soviética e alguns jovens da classe média urbana.

Até mesmo criar um partido é complicado: antes das eleições legislativas de 2011, por exemplo, dez legendas tiveram seu registro negado, um dos motivos que desencadeou os protestos daquele ano. Em 2016, 14 partidos participaram do pleito. O partido de Navalni, o Partido Progressista, foi fundado em 2014 e ainda não possui representação no parlamento.

As próximas eleições russas serão em março de 2018, e Putin concorrerá a um quarto mandato — ele foi presidente em 2000, 2004 e 2012. As pesquisas mais recentes, de um órgão estatal russo, nem sequer contam Navalni entre os candidatos. A última sondagem independente, do instituto Lavada Center, é de fevereiro de 2016, e mostra Putin com 53% dos votos e Navalni com 1%, junto a uma série de outros candidatos.

“Em uma país onde as estatísticas e pesquisas são controladas e contaminadas pelo governo, é muito difícil mensurar quantitativamente a força de Navalni”, diz o historiador Sidney Ferreira Leite, especialista em Relações Internacionais e pró-reitor do Centro Universitário Belas-Artes, em São Paulo. “Todavia, parece claro que ele consegue galvanizar um sentimento de repúdio aos desmandos e arbitrariedades levadas a cabo pelo governo Putin”. As manifestações, portanto, devem continuar. As prisões, também.

Acompanhe tudo sobre:Exame HojeRússiaVladimir Putin

Mais de Mundo

Manifestação reúne milhares em Valencia contra gestão de inundações

Biden receberá Trump na Casa Branca para iniciar transição histórica

Incêndio devastador ameaça mais de 11 mil construções na Califórnia

Justiça dos EUA acusa Irã de conspirar assassinato de Trump; Teerã rebate: 'totalmente infundado'