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A dura realidade: é pouco provável que países pobres tenham vacina rápido

A OMS criou a Covax para garantir uma distribuição equitativa, mas iniciativa pode não ser suficiente -- e não contém a vacina da Pfizer

Fábrica de vacinas em Lyon: corrida global pela vacina do coronavírus pode deixar países pobres para trás (AFP/AFP)

Fábrica de vacinas em Lyon: corrida global pela vacina do coronavírus pode deixar países pobres para trás (AFP/AFP)

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Carolina Riveira

Publicado em 14 de novembro de 2020 às 15h40.

Última atualização em 14 de novembro de 2020 às 15h41.

Os países pobres terão acesso a uma vacina contra a covid-19? Esta pergunta ganhou força depois do anúncio, esta semana, por parte do gigante americano Pfizer e de seu sócio alemão, sobre uma vacina 90% eficaz.

O diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, defendeu na sexta-feira (14) que qualquer "avanço científico" deve beneficiar todos os países. "Não há dúvida de que uma vacina será um instrumento essencial para controlar a pandemia", lembrou.

Mas, enquanto os países ricos já planejam suas campanhas de vacinação até o final de 2021, especialistas alertam sobre os obstáculos que esperam os países pobres.

A Pfizer e a BioNTech esperam distribuir as primeiras doses dentro de várias semanas, depois que tiverem recebido as autorizações de emergência por parte das agências sanitárias. Ambas as empresas esperam produzir até 1,3 bilhão de doses no próximo ano.

O tratamento consiste em duas doses e custa US$ 40. Os países ricos se apressaram em comprar milhões de doses antes mesmo que a eficácia da vacina fosse confirmada. Mas e as nações com menos recursos?

"Se tivermos apenas a vacina da Pfizer, e todo mundo precisar de duas doses, estaremos claramente diante de um dilema ético", disse à AFP a diretora da Global Health Network da Universidade de Oxford, Trudie Lang.

Hoje, existem mais de três dezenas de vacinas em desenvolvimento. Destas, 11 se encontram na fase 3, a última antes de solicitar uma homologação às autoridades competentes.

A OMS criou a iniciativa Covax para garantir uma distribuição equitativa (o Brasil faz parte da aliança e, assim, poderá comprar vacinas de farmacêuticas com as quais ainda não têm acordo). A Covax reúne governos, cientistas, sociedade civil e setor privado. A Pfizer não faz parte dela, mas "expressou interesse em um eventual suprimento", disse um porta-voz da empresa farmacêutica à AFP.

Distribuição equitativa

Para Rachel Silverman, do Centro de Desenvolvimento Global, é pouco provável que grande parte do primeiro lote de vacinas chegue aos países mais pobres.

Com base nos acordos de compra antecipada com a Pfizer, Silverman estima que US$ 1,1 bilhão já foi comprado por países ricos. "Não sobra grande coisa para o resto", afirma.

Alguns países, como Japão e Reino Unido, fazem parte da Covax, sendo possível que pelo menos algumas doses cheguem aos países menos desenvolvidos por meio de seus acordos de compra.

Já os Estados Unidos, que encomendaram 600 milhões de doses, não são membro dessa iniciativa, embora isso possa mudar com o presidente recém-eleito, o democrata Joe Biden.

"Devemos evitar que os países ricos absorvam todas as vacinas e que não haja doses suficientes para os mais pobres", defende o coordenador da vacina de covid-19 do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Benjamin Schreiber.

Além da questão ética, os dados epidemiológicos mostram a necessidade de uma distribuição equitativa.

Pesquisadores da Northwestern University (Estados Unidos) publicaram recentemente um estudo examinando a ligação entre o acesso à vacina e a mortalidade por covid-19.

A equipe trabalhou com dois cenários: o primeiro, sobre o que aconteceria se os 50 países mais ricos monopolizassem os primeiros 2 bilhões de doses de uma vacina; o segundo, se ela fosse distribuída de acordo com a população de um país, e não com sua capacidade de pagamento.

Na primeira hipótese, as mortes por covid-19 seriam reduzidas em cerca de 30% no mundo, em comparação com 61% se a distribuição fosse equitativa.

Desconfiança

Mesmo que o financiamento seja providenciado para os países pobres, também será preciso lidar com o desafio logístico.

Baseada em uma nova tecnologia, a vacina da Pfizer/BioNTech precisa ser armazenada a uma temperatura de -70ºC, enquanto "a maioria dos congeladores da maioria dos hospitais do mundo está a -20ºC", aponta Trudie Lang.

A Pfizer e alguns governos vêm preparando um protocolo de distribuição há vários meses, mas "isso não acontece em países de rendas baixa, ou média", de acordo com Rachel Silverman.

"Temos a experiência da distribuição da vacina do Ebola", lembra Benjamin Schreiber, destacando que ela tem um perfil semelhante ao da Pfizer em termos de temperatura de armazenamento.

É "mais difícil, mas não impossível" armazenar e administrar com segurança a vacina da covid-19 no sul do planeta, mas isso exigirá investimento e treinamento significativos, ressalta.

O último obstáculo está relacionado com a desconfiança em relação à vacinação, uma das dez maiores ameaças para a saúde global, segundo a OMS.

A vacinação contra o ebola virtualmente erradicou o vírus, mas vários estudos mostraram como os avanços se desaceleraram, devido à desconfiança e à desinformação, tanto on-line quanto dentro das comunidades.

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