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A Copa do Mundo já tem um vencedor: Vladimir Putin

A simples presença de 400 mil visitantes estrangeiros enfraquece muito a noção de uma Rússia isolada, um pária internacional

Putin: grandes líderes do Ocidente preferiram, como era esperado, assistir a abertura pela TV para não prestigiar Putin

Putin: grandes líderes do Ocidente preferiram, como era esperado, assistir a abertura pela TV para não prestigiar Putin

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Da Redação

Publicado em 16 de junho de 2018 às 09h37.

Última atualização em 16 de junho de 2018 às 10h57.

A Copa do Mundo está apenas começando, mas o seu principal vencedor já está definido: Vladimir Putin. O poder hipnótico do maior espetáculo da Terra (desculpem, carnavalescos), a eletricidade que impede de desgrudar os olhos da TV até mesmo pessoas que normalmente não ligam muito para o futebol ficará, nos próximos quatro anos, até a próxima Copa, associado subliminarmente à Rússia. E a Rússia é de Putin.

Na abertura, não havia muitos chefes de Estado e de governo de peso. Evo Morales, o caudilho da Bolívia, e Mario Abdo Benítez, recém-eleito presidente do Paraguai, não agregam muito à imagem de estadista buscada por Putin. Mas foi bastante simbólica a presença do príncipe-herdeiro do reino saudita, Mohammed bin Salman, na goleada de 5 a 0 dos russos sobre os seus pouco talentosos súditos.

Depois de décadas de estranhamento, a Rússia e a Organização dos Países Exportadores de Petróleo, liderada pela Arábia Saudita, passaram a se coordenar. Sua decisão conjunta de reduzir a produção de petróleo no ano passado está empurrando os preços do barril e enchendo de dólares os cofres dos produtores. Rússia e Arábia Saudita são, respectivamente, o primeiro e o segundo maiores do mundo.

Os governos do Reino Unido e da Austrália não enviaram representantes, em protesto, respectivamente, pelo envenenamento do ex-agente duplo Sergei Skripal e da comprovação de que o avião da Malaysia Airlines foi derrubado em 2014 por um míssil russo, durante o conflito na Ucrânia. O importante é as seleções participarem, esnobaram autoridades russas.

Se os grandes líderes do Ocidente preferiram, como era esperado, assistir a abertura pela TV para não prestigiar Putin, com quem vivem às turras, isso não representa uma perda. As relações entre a Rússia e o Ocidente já estão há muito tempo — desde a intervenção russa na Ucrânia em 2014 — estremecidas, e o futebol não tem o poder de mudar essa realidade.

Se a escolha da sede tivesse sido depois de 2014, e não em 2010, dificilmente a Rússia teria sido a vencedora.

A simples presença de 400 mil visitantes estrangeiros, que devem deixar na Rússia 1,6 bilhão de dólares, somada à audiência de 3,4 bilhões de telespectadores — quase metade da população mundial — enfraquecem muito a noção de uma Rússia isolada, um pária internacional.

Isso não é um feito pequeno, considerando as escaramuças em tantas frentes entre o Kremlin e o Ocidente: anexação da Crimeia, apoio aos separatistas no leste da Ucrânia, intervenção na Síria a favor do ditador Bashar Assad, derrubada acidental do avião da Malaysia Airlines, interferências em eleições americanas e europeias, acusação do envenenamento de Skripal na Inglaterra e o escândalo do falseamento de exames antidoping.

Diante de tudo isso, a Copa dá um respiro à Rússia e lhe permite sair da defensiva, vendendo ao mundo a imagem de um país, digamos assim, “normal”. A ambição do presidente russo vai além disso: “Putin quer mostrar que a Rússia é uma grande potência de volta ao palco global, que as pessoas ao redor do mundo gostam dela e não pode ser isolada”, declarou Alexander Gabuev, do Carnegie Center de Moscou, ao jornal Financial Times.

Até mesmo Ramzan Kadyron, presidente da Chechênia, apoiado por Putin e acusado de violações de direitos humanos, pegou carona e invadiu o treino da seleção egípcia em Grozny, capital da república russa de maioria muçulmana. E aproveitou para tirar fotos com o atacante Mohammed Salah, uma das estrelas do torneio.

O Kremlin confia tanto no poder hipnótico da Copa que, na noite da goleada, por trás da fumaça dos fogos de artifício, lançou um saco de maldades: a elevação da idade mínima de aposentadoria, de 60 para 65 anos para homens, e de 55 para 63 para mulheres; e o aumento da alíquota do imposto sobre valor agregado, de 18% para 20%.

Eram medidas consideradas necessárias pelos economistas e já previstas: “A reforma previdenciária era necessária há muito tempo”, tuitou o economista liberal Alexei Kudrin, ex-ministro das Finanças. O sistema previdenciário tem déficit equivalente a 3,1% do PIB.

Mas, pelo seu alto teor de impopularidade — 92% dos russos se opõem à reforma, segundo pesquisa recente —, o governo estava esperando o momento certo. O anúncio foi feito pelo primeiro-ministro Dmitry Medvedev, enquanto Putin celebrava a vitória com os jogadores russos.

O presidente consegue manter sua popularidade na casa dos 80% distanciando-se de tudo o que é impopular, sejam ajustes econômicos, políticas fracassadas ou denúncias de corrupção. No poder desde 2000, ele se reelegeu facilmente em março para mais um mandato de seis anos. Seus opositores mais competitivos estão exilados, mortos, presos ou com os direitos políticos cassados. A imprensa é fortemente controlada. É a democracia sem riscos.

Dentro de um mês, Putin estará sob os holofotes novamente, entregando o troféu ao campeão, a glória do jogador mais uma vez associada subliminarmente à do presidente. Faixa preta de judô e aficionado de hóquei sobre gelo, é ao futebol que ele terá a agradecer.

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