CAMILO CIENFUEGOS, EM CUBA: a cidade, antes chamada Hershey, ainda relembra as glórias de um passado distante / Lisette Poole/The New York Times
Da Redação
Publicado em 21 de dezembro de 2016 às 11h17.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h46.
Kirk Semple
© 2016 New York Times News Service
Camilo Cienfuegos, Cuba – A refinaria de açúcar está fechada há 14 anos, mas mesmo assim Amarylis Ribot ainda sente saudade do som do apito a vapor que sinalizava as mudanças nos turnos de trabalho.
Ela sente falta do cheiro da colheita – “um odor difícil de explicar”, em suas palavras – e da doçura pairando no ar. Tem saudade do som da indústria, como o estalido dos trens trazendo cana-de-açúcar e levando embora sacos de açúcar, mas principalmente à noite, depois que desliga a televisão.
“É uma grande mistura de emoções. A indústria não existe mais, então a nostalgia toma conta”, conta Amarylis, de 68 anos.
Esta pequena cidade no litoral norte de Cuba está impregnada de lembranças e anseios, uma espécie de monumento vivo às histórias entrelaçadas dos Estados Unidos e Cuba e aos sucessos e fracassos da revolução social de Fidel Castro.
A cidade foi criada em 1916, quando Milton S. Hershey, o barão norte-americano do chocolate, visitou Cuba pela primeira vez e decidiu comprar as plantações de cana e usinas da ilha para fornecer material a seu crescente império doce na Pensilvânia (EUA). Em terras a leste de Havana, ele construiu uma grande refinaria de açúcar e uma vila ao lado – uma cidade modelo como sua criação em Hershey, Pensilvânia – para abrigar os trabalhadores e suas famílias.
Ele batizou o lugar de Hershey.
A vila viria a contar com 160 casas – as mais elegantes feitas de pedra, as mais modestas de madeira – construídas ao longo do traçado das ruas, todas com quintais pequenos nos fundos e varandas na frente, ao estilo dos crescentes subúrbios dos Estados Unidos. Também havia escola pública, clínica médica, lojas, cinema, campo de golfe, clubes sociais e um estádio de beisebol, sede da equipe patrocinada pela Hershey, relatam os moradores.
A fábrica se tornou uma das refinarias de açúcar mais produtivas do país, se não de toda a América Latina, e a vila era invejada pelas cidades vizinhas, que não contavam com o padrão de vida que Hershey emprestou ao povoado com seu nome.
A empresa era dona de todas as propriedades do vilarejo, mas era um patrono benevolente, dizem os residentes. Ela pagava salários relativamente altos, subsidiava a moradia e buscava manter felizes os empregados e suas famílias, reagindo rapidamente a pedidos de consertos nas casas e mantendo os serviços de utilidade pública.
“Este era um lugar separado do resto do país”, afirma Pedro Gonzalez Bernal, 67 anos, antigo morador da vila e jornalista de rádio, cujo pai trabalhou como condutor da estrada de ferro que Hershey construiu para ligar a refinaria a Havana e ao porto de Matanzas. “Éramos um pequeno mundo à parte.”
Mas o código moral importado pela empresa também incluía segregação racial e de classe. Os supervisores norte-americanos moravam nas casas maiores, os trabalhadores, nas menores; os funcionários negros recebiam casas na parte mais distante da cidade.
Hershey morreu em 1945, e a empresa vendeu a fábrica e a vila, bem como suas outras propriedades cubanas, em 1948.
Após a ascensão de Castro em 1959, a refinaria foi estatizada, e a cidade rebatizada como Camilo Cienfuegos, um dos comandantes de Castro. A segregação terminou, afirmam com orgulho os moradores atuais, e as casas foram redistribuídas enquanto o socialismo de Castro buscava acabar com as hierarquias raciais e de classe.
Mas com a mudança na propriedade, a atenção aos detalhes logo começou a piorar, contam os residentes. Os moradores se tornaram os responsáveis pelos consertos das casas, mas os baixos salários públicos não permitiam cobrir os custos das reformas. A festa anual terminou sendo cancelada. O estádio de beisebol foi demolido.
Mesmo assim, a refinaria continuou sendo a mais produtiva do país, ajudando a fazer de Cuba o maior exportador de açúcar do mundo e do açúcar o sustentáculo da economia cubana. Mas o setor declinou após o colapso da União Soviética, seu principal patrocinador, e, no começo da década de 2000, o governo fechou inúmeras refinarias, incluindo a daqui.
Os moradores ficaram sabendo que a velha fábrica da Hershey deveria fechar porque não era mais eficiente; todos culparam o embargo dos EUA por tornar a importação de suprimentos e peças de reposição mais difícil, se não impossível.
Só que, ao contrário de fechamentos semelhantes em certas cidades norte-americanas, o fim da refinaria não matou a economia local, contam os residentes. O governo cubano ajudou os trabalhadores a achar novos empregos. Alguns foram enviados a escolas para se preparar para trabalhar em outros setores enquanto outros foram colocados em setores crescentes, como o turismo.
“Eles não ficaram sem emprego, é claro”, conta Mercedes Díaz Hernandez, 69 anos, esposa de Pedro Gonzalez Bernal – como que sugerindo que a noção de desemprego em Cuba era absurda.
Nos últimos meses, a maioria dos prédios da fábrica foi demolida e o entulho foi levado embora, deixando uma grande desolação, coberta com escombros e metal retorcido, pontilhada por três chaminés.
“Eu sou ‘fidelista’, inteiramente a favor da revolução”, declarou Meraldo Nojas Sutil, 78 anos, que se mudou para Hershey aos 11 anos e trabalhou na fábrica nas décadas de 1960 e 70. “Mas aos poucos a cidade foi se deteriorando.”
Muitos moradores não hesitam em fazer uma comparação entre o estado atual da cidade e seu jeito quando o “Sr. Hershey”, como ele é invariavelmente chamado aqui, era o patrão.
Eles parecem encantados, se não orgulhosos, dos laços com os Estados Unidos.
A maioria ainda usa o nome original da vila. E placas da Hershey ainda estão penduradas na principal estação de trem da cidade, em uma referência romântica a uma era remota embora, talvez, também um símbolo de esperança de que o passado – ao menos certos aspectos dele – voltará a se fazer presente.