EXTRAÇÃO DE PETRÓLEO NA RÚSSIA: o fim do vale-tudo entre os principais produtores está próximo? / Sergei Karpukhin/ Reuters
Da Redação
Publicado em 24 de novembro de 2016 às 12h16.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h19.
Lourival Sant’Anna
Representantes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e da Rússia, maior exportadora mundial, negociam a redução de sua produção, para provocar uma alta no preço da commodity. A Opep realizou esta semana uma reunião em Viena, como preparativo para sua reunião anual, a ser realizada dia 30 na mesma cidade, e a líder do cartel, a Arábia Saudita, assim como outros integrantes, pretendem chegar ao encontro com um acordo costurado. Mesmo que isso aconteça, pairam dúvidas sobre o cumprimento do compromisso, dado o histórico dos exportadores de fechar acordos com o intuito de apenas os concorrentes obedecerem.
Um aumento do preço do petróleo favoreceria o Brasil, que vai retomar no ano que vem os leilões do pré-sal, explica Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, consultoria especializada do Rio: “Para o Brasil é interessante, porque acabamos de aprovar a mudança da lei de partilha (eliminando a participação obrigatória de ao menos 30% da Petrobrás em todos os contratos), e o preco do petróleo mais alto cria maior atratividade para os leilões do pré-sal que ocorrerão no ano que vem”.
Já para a Petrobrás, “a notícia não é tão boa”, observa o especialista, porque “reduz o prêmio que ela recebe com a venda de gasolina e diesel bem mais caros do que o mercado internacional”. A estatal não repassou para o consumidor a queda de mais de 50% do preço do barril, desde novembro de 2014. O aumento do custo seria mais um problema para a companhia, que já sofre com a desvalorização do real frente ao dólar, causada pela eleição de Donald Trump, que abriu a perspectiva de aumento dos juros nos Estados Unidos e, com ela, da possível fuga de investimentos do Brasil.
Esse cenário pode levar a Petrobrás a aumentar em dezembro os preços da gasolina e do diesel, adverte Pires, lembrando que, no dia 14 de outubro, o presidente da estatal, Pedro Parente, anunciou uma nova política de preços de combustiveis, segundo a qual a empresa não os vende mais abaixo da paridade nacional. “A cada 30 ou 60 dias, a Petrobrás olha o mercado para reduzir, elevar ou deixar do jeito que está”, diz Pires. Na ocasião, os preços da refinaria foram reduzidos em 2,7% para a gasolina e 3,2% para o diesel. No dia da eleição presidencial americana, 8 de novembro, houve nova redução, de 3,1% da gasolina e 10,4% do diesel. “O barril estava caindo de preço porque o mercado estava muito cético quanto a essa reunião da Opep”, explica o especialista.
Diante dessas reduções, de um corte da produção mundial — que Pires estima elevaria o barril de 47 para 50 dólares — e da desvalorização cambial, a tendência seria a Petrobrás aumentar os preços. O barril de petróleo extraído da camada do pré-sal tem um break-even — o ponto a partir do qual se torna comercialmente viável — de 40 a 45 dólares, afirma Pires. Esse é o valor final, depois do pagamento dos direitos do governo. O custo de extração está entre 8 e 9 dólares, graças a um aumento notável da produtividade dos campos.
Dito tudo isso, Pires, assim como outros analistas e agentes do mercado, é cético quanto à capacidade dos integrantes da Opep e da Rússia de chegarem a um acordo e — mais importante — cumpri-lo: “O que a gente tem percebido nos últimos anos é uma grande dificuldade da Opep de se entender. Brinco que é o único cartel que tem concorrência. Isso tem impedido acordos mais firmes que realmente mudem o comportamento do mercado, e permitido que países de fora da Opep determinem esse comportamento”.
É o caso dos Estados Unidos, que, com a exploração do petróleo de xisto, aumentaram sua produção de 5,4 milhões de barris por dia (bpd) em julho de 2011 para o pico de 9,3 milhões bpd em julho de 2015. Foi em resposta a essa arrancada americana que a Opep aprovou em novembro de 2014 a proposta da Arábia Saudita de passar por cima do teto de 30 milhões bpd. Esse volume representava, na época, 1 milhão bpd a mais do que a estimativa da própria Opep de demanda diária do seu petróleo no ano de 2015. No dia do anúncio de que o teto não seria baixado, 27 de novembro de 2014, o preço do barril do Brent caiu 6 dólares, para 71, 25 dólares.
Naquele mês, os EUA se aproximavam do pico de sua escalada, bombando 9,3 milhões bpd. O objetivo era baixar o preço do barril de maneira a tornar o petróleo de xisto, cuja extração era mais cara do que o óleo convencional, comercialmente inviável. A produção americana de fato caiu, para 8,7 milhões bpd em agosto deste ano, mas não tanto quanto a Opep esperava, porque o grosso dos investimentos na produção do xisto já havia sido amortizado, e também porque, com o desenvolvimento tecnológico, o custo da extração caíra, explicou Thomas Covert, especialista em energia da Universidade de Chicago.
Política na mesa
Outros objetivos, na época, foram prejudicar a Rússia e o Irã. O reino saudita, propagador da corrente sunita do Islã, tem no Irã, maior país xiita, seu principal adversário regional. Rússia e Irã apoiam a ditadura de Bashar Assad, assentada na minoria alauíta, que deriva do xiismo. Os dois países combatem grupos rebeldes sunitas apoiados pelos sauditas na Síria. Os russos haviam ultrapassado os sauditas como maiores exportadores mundiais, e, sob sanções financeiras e comerciais dos EUA e da União Europeia, teriam dificuldades em elevar sua produção para compensar a queda no preço. O Irã também estava sob sanções dos EUA e da UE, por causa de seu programa nuclear. Depois do acordo de julho de 2015, as sanções deixaram de vigorar em janeiro deste ano, e em maio o Irã voltou ao seu patamar de exportações pré-embargo. Até então, recusou-se a discutir qualquer corte em sua produção.
Desde setembro, os 14 membros da Opep vêm negociando a redução de sua produção total, de 33,8 milhões bpd para entre 32,5 milhões bpd e 33 milhões bpd — em torno de 4%. O Irã continuou impondo resistência, assim como o Iraque, a Líbia e a Nigéria, que, em razão de seus conflitos internos, alegam estar produzindo abaixo de seus volumes históricos. A Líbia e a Nigéria foram isentadas de diminuir suas cotas. O primeiro-ministro Haider al-Abadi disse nesta quarta-feira em Bagdá que o Iraque está disposto a bater o martelo: “O que perdemos em baixar a produção, ganhamos em receitas do petróleo. Nossa prioridade é elevar o preço do barril”.
Restaram as posições ambíguas de iranianos e russos. O Irã se queixa de que foi prejudicado pelo longo período de sanções, impostas entre 2006 e o final do ano passado. O presidente Vladimir Putin anunciou que a Rússia concordava com o corte. Mas fontes do mercado ouvidas pela agência Reuters disseram que não há acordo entre as gigantes do petróleo russo sobre quais delas e em que quantidade deveriam cortar sua produção.
“Assim como o encontro da Opep do Dia de Ação de Graças de 2014 foi um catalizador (para a queda dos) mercados globais de petróleo, a reunião de novembro de 2016 também será um catalizador, desta vez para a subida”, prevê Dan Pickering, sócio do banco de investimentos Tudor, Pickering, Holt & Co, de Houston (Texas). “Embora haja bastante ruído até a reunião, haverá uma ação coordenada para aumentar os preços do petróleo. Isso acelerará o aperto atual do equilíbrio global de oferta e demanda de petróleo.”
As estimativas são de que o barril possa subir dos atuais 47 a 49 dólares para até 59 dólares, dependendo do tipo de petróleo. Mas há quem acredite que nada mude. “Embora a Opep possa anunciar um congelamento ou corte na produção, houve um vale-tudo entre seus membros para produzir tanto quanto possível desde o anúncio do congelamento em setembro”, avalia Andy Lipow, presidente da consultoria Lipow Oil Associates, também de Houston. “Acho que, independentemente de qualquer acordo que ocorra em Viena, o mercado se manterá cético de que os membros da Opep terão a disciplina de realmente pôr em prática um corte substancial na produção.”
Veremos.