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A caixa preta de e-mails de Hillary Clinton

Lourival Sant’Anna A primeira pesquisa de intenção de voto depois da declaração do diretor do FBI, James B. Comey, de que Hillary Clinton foi “extremamente descuidada” ao usar um servidor pessoal de e-mail quando era secretária de Estado mostra o estrago do caso sobre sua candidatura à Presidência pelo Partido Democrata. Hillary e seu adversário […]

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Da Redação

Publicado em 15 de julho de 2016 às 19h54.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h57.

Lourival Sant’Anna

A primeira pesquisa de intenção de voto depois da declaração do diretor do FBI, James B. Comey, de que Hillary Clinton foi “extremamente descuidada” ao usar um servidor pessoal de e-mail quando era secretária de Estado mostra o estrago do caso sobre sua candidatura à Presidência pelo Partido Democrata. Hillary e seu adversário republicano, Donald Trump, aparecem empatados, com 40%, na sondagem do jornal The New York Times e da rede de TV CBS. A vantagem de 6 pontos porcentuais que Hillary tinha sobre Trump no mês passado foi para o espaço, juntamente com os milhares de e-mails que ela trocou, durante os quatro anos em que ocupou o cargo no primeiro mandato do presidente Barack Obama.

Agora, 67% dos eleitores dizem que Hillary não é honesta e confiável — 5 pontos a mais do que na sondagem anterior. Ela perdeu 9 pontos também no quesito “quem é o mais preparado para exercer a Presidência”, embora ainda vença com folga de Trump, por 50% a 30%. Isso certamente diz mais sobre a imagem de estadista do exuberante bilionário do que propriamente de Hillary. A pesquisa foi feita entre os dias 8 e 12 de junho. Comey apresentou suas conclusões à imprensa no dia 5 de julho. Nelas, ele demoliu, uma por uma, as justificativas de Hillary, incluindo a de que as mensagens não envolviam informação sigilosa: 110 estavam classificadas nessa categoria. Mas o diretor do FBI disse que não pediria a abertura de processo ao Departamento de Justiça — que assume as funções de Procuradoria-Geral da República nos Estados Unidos — porque não têm como provar que Hillary tinha consciência de que estava violando a lei.

Comey foi chamado a depor no dia 7 de julho na Câmara dos Deputados pela maioria republicana. Os deputados de oposição só não exploraram com mais agressividade a influência política de sua decisão porque ele foi vice-procurador-geral no governo de George W. Bush e é conhecido e respeitado pelos republicanos. Mas a dúvida ficou no ar — e lançou certa mancha na carreira de Comey. A contaminação também já havia ocorrido com a secretária de Justiça (e procuradora-geral) Loretta Lynch quando foi revelado que ela se reuniu no dia 27 de junho com o ex-presidente Bill Clinton, marido de Hillary, em seu avião, em Phoenix, no Arizona. Clinton havia estado na cidade como parte de um giro de arrecadação de fundos para a campanha de sua mulher e atrasou o embarque no jato particular em que viajava para esperar a chegada de Loretta, a quem caberia julgar se abriria processo contra Hillary ou não.

Em entrevista coletiva sobre esse escorregão, um jornalista pediu a Loretta que elegesse uma coisa que gostaria que seu antecessor, Eric H. Holder Jr., tivesse lhe ensinado sobre o cargo. “Onde fica a trava da porta do avião”, brincou. A revelação da conversa de meia hora constrangeu profundamente a secretária de Justiça, que chegou a dizer depois que, se o FBI recomendasse a abertura do processo, ela o faria. Ou seja, a peripécia de Clinton apenas aumentou os riscos para Hillary.

Até mesmo o presidente Obama, geralmente muito certeiro em suas declarações, acabou tropeçando por causa do problema dos e-mails de sua ex-secretária de Estado e agora candidata a presidente. Obama atropelou o FBI numa entrevista em outubro ao programa 60 Minutes, da CBS. Antecipando-se aos resultados da investigação, que estava em andamento e longe de acabar, o presidente sentenciou: “Esta não é uma situação na qual a segurança nacional da América esteve em perigo”. Como assim? Era isso o que os agentes do FBI estavam tentando descobrir.

Tanto na coletiva quanto no Capitólio, Comey não garantiu que o sigilo dos e-mails de Hillary não tinha sido violado. Ele apenas afirmou que não havia evidências de que isso tinha acontecido, mas ressaltou: “Avaliamos que é possível que agentes hostis tenham ganhado acesso à conta de e-mail pessoal da secretária Clinton”. Hillary viajou com seu celular Blackberry (a mesma marca usada até hoje por Obama, mas o presidente só usa os servidores criptografados pelo serviço secreto) e acessou seus e-mails desprotegidos em 19 países, incluindo a China, a Coreia do Sul, Israel, a Autoridade Palestina e o Egito, e esteve com o chanceler russo, Serguei Lavrov, na Suíça. Ou seja, ficou exposta à fina flor da espionagem. “Invasores sofisticados saberiam da existência da conta, entrariam nela e sairiam sem ser vistos”, acredita Adam Segal, pesquisador de segurança cibernética no Conselho de Relações Exteriores, em Washington. “Lendo nas entrelinhas e seguindo a lógica de Comey, parece que o FBI considera uma exposição do e-mail de Hillary mais provável do que improvável.”

O caso transcende, no entanto, à questão objetiva por trás disso: se os interesses nacionais dos Estados Unidos foram ou não prejudicados pela autoridade cuja função é protegê-los. Durante um ano e meio, Hillary e seus assessores contaram mentiras sobre o uso do servidor privado instalado no porão de sua casa em Chappaqua, no estado de Nova York. As mentiras só não resultaram num processo de perjúrio porque não foram ditas sob juramento. Mas o caso só está tendo esse impacto tão grande na opinião pública americana que convive há tanto tempo com o casal — Bill chegou à Presidência em 1993 e ficou até 2001 — porque diz muito sobre a forma de agir dos Clinton. A imagem que ambos demonstram, quase por prazer, é de que são poderosos, espertos e charmosos, além de cultivar o hábito de sistematicamente burlar as regras e se safar.

O pior — ou melhor, dependendo do ponto de vista — é que eles podem mais uma vez ter razão. E o nome de sua garantia é, paradoxalmente, Donald Trump, segundo especialistas em eleições e opinião pública ouvidos por EXAME Hoje. “Ela está disputando com Trump, portanto deve superar a história dos e-mails”, prevê Clyde Wilcox, professor do Departamento de Governo da Universidade Georgetown, em Washington. “O GOP (Partido Republicano) vai investigar para sempre. Mas, se não houver novos escândalos, ela deve vencer. Trump é monumentalmente desqualificado.”

“A maior preocupação com o escândalo do e-mail era a possibilidade de indiciamento”, analisa Tom Knecht, do Departmento de Ciência Política do Westmont College, em Santa Bárbara, na Califórnia. “Com esse obstáculo removido, não acho que o escândalo acabe lhe custando a eleição. Certamente não a ajudou: muitos eleitores já não a achavam confiável, e os servidores privados só alimentaram essa percepção.” Mas, segundo Knecht, “muito da preocupação sobre a confiabilidade de Hillary tem vindo dos republicanos, que já não votariam nela mesmo”.

“Acho que ela estaria em apuros se estivesse concorrendo com um candidato republicano elegível, como [o ex-governador de Massachusetts Mitt] Romney ou [o senador pela Flórida Marco] Rubio”, conjectura Knecht. “Para a sorte de Hillary, ela está disputando com Trump.” Jerry Hagstrom, veterano jornalista de Washington, também acha que o vento sopra a favor de Hillary: “Minha previsão é que ela continuará em baixa nas pesquisas até depois da convenção republicana, na semana que vem. Passada a convenção democrata, que virá em seguida, acho que ela subirá de novo”.

“O anúncio do diretor do FBI de que não a indiciará remove uma das últimas variáveis nesta eleição presidencial, pelo menos que nós saibamos”, avalia Charlie Cook, editor do site de análises The Cook Political Report. “A declaração de Comey foi mais de condenação do que de absolvição, mas nos disse o que já sabíamos.”

No fim das contas, o jogo entre rejeição e aceitação parece muito determinado por um acordo, uma acomodação interna no eleitor comum, para quem raramente aparece um candidato “perfeito”. E, nesse jogo, o casal Clinton representa o conhecido; e Trump, o imponderável. “Nós já sabemos quem são Hillary e Bill”, escreveu a jornalista Maureen Dowd em uma coluna no New York Times. “Estamos resignados com o fato de que os Clinton estão focados em sua viabilidade e desprezam as consequências de suas ações descuidadas sobre os outros. Estão sempre oferecendo um acordo faustiano”, continuou Maureen, referindo-se ao pacto com o diabo do poema do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe. “A barganha da eleição deste ano: aguentem nossas iniquidades ou coloquem os dedinhos de Donald Trump no botão nuclear.”

Pode ser. Mas nunca se deve menosprezar a capacidade de um povo de olhar para um abismo e encantar-se com ele. Pergunte aos ingleses. “Neste momento, eu diria que ela ganhará em novembro por uma margem considerável”, diz o professor Tom Knecht. “Mas essa eleição tem sido maluca, as previsões dos especialistas têm sido espetacularmente erradas, e muita coisa pode acontecer até o dia da eleição.”

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