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4 perguntas e respostas sobre o ataque dos EUA contra a Síria

Ofensiva americana contra o regime de Bashar Al-Assad abre novo capítulo na guerra síria. Entenda os reflexos que esse movimento pode trazer

Míssil americano usado em ataque na Siria (7 Ford Williams/Cortesia da Marinha dos EUA/Reuters)

Míssil americano usado em ataque na Siria (7 Ford Williams/Cortesia da Marinha dos EUA/Reuters)

Gabriela Ruic

Gabriela Ruic

Publicado em 8 de abril de 2017 às 07h00.

Última atualização em 8 de abril de 2017 às 07h00.

São Paulo – A semana trouxe um novo capítulo para a guerra que assola a Síria há 7 anos: após um suposto ataque químico na província de Idlib, cuja responsabilidade vem sendo atribuída ao regime sírio de Bashar Al-Assad, o presidente americano Donald Trump ordenou a primeira ofensiva direcionada ao governo do país.

Na última quinta-feira, 59 mísseis foram lançados pelos americanos do Mar Mediterrâneo em e tiveram como alvo a base aérea de Khan Sheikhun. Segundo o Pentágono, foi esse o local de onde decolaram os aviões envolvidos no massacre de Idlib.

A reação global ao ato de Trump foi mista. Enquanto entre aliados históricos do país o sentimento foi de apoio, entre países como Rússia e Irã, a ação foi criticada. O clima, agora, é de incertezas quanto aos rumos dessa guerra.

Abaixo, EXAME.com compilou algumas perguntas e respostas com base nas análises de especialistas em política internacional e assuntos militares dos maiores institutos de pesquisa do planeta e que podem elucidar os reflexos desse movimento dos EUA daqui em diante.

Por que os EUA atacaram o regime sírio?

Tudo começou no início da semana passada, quando um ataque aéreo na cidade de Khan Sheikhoun, um reduto rebelde que fica na província de Idlib, se tornou suspeito de ser um ataque químico. O episódio matou ao menos 86 pessoas e feriu 546.

A Turquia realizou exames em muitas das vítimas e constatou que elas mostravam sintomas compatíveis com uma exposição a substâncias tóxicas. Prontamente, a comunidade internacional acusou o regime de Assad de ser o responsável. A Rússia, aliada do governo sírio, acusa os rebeldes.

Até agora, contudo, o incidente não foi completamente esclarecido.

Marwan Bishara, analista político da rede de notícias Al-Jazeera, crê que a ação dos EUA, aos olhos do público, foi uma resposta de caráter humanitário e de proteção dos interesses nacionais. Mas ele é cético quanto às intenções de Trump.

“Se Trump se preocupa tanto com as crianças sírias, ele não teria impendido que entrassem nos EUA”, notou, referindo-se às tentativas do governo de banir a imigração de cidadãos e refugiados de países como a Síria e outros países muçulmanos.

Na sua visão, o ataque ajudou a imagem de Trump e ainda enfraqueceu os rumores sobre o envolvimento de membros de seu gabinete e oficiais russos. “É uma ação desenhada para ser uma resposta de baixo risco que deixa alerta o regime sírio, aumenta a pressão sobre os russos e abre caminho para um envolvimento maior dos EUA no conflito”, avaliou.

Afinal, esse ataque foi positivo ou negativo?

Depende. Do ponto de vista dos aliados de Assad, negativo, é claro. Já do ponto de vista da política externa dos EUA, o movimento foi bem recebido por seus aliados, como na União Europeia, no Oriente Médio e na Ásia.

“A decisão de Trump foi significativa”, avaliou Ghadi Sary, especialista em Síria da consultoria Governance House, em entrevista a EXAME.com. “Ele virou a mesa em que lhe acusava de ser leniente com Assad e se mostrou mais assertivo que Obama”, explicou.

Contudo, Sary lembra que a responsabilidade pelo ataque em Idlib ainda não foi totalmente apurada. “E isso significa uma nova ação sem o aval do Conselho de Segurança da ONU pode colocar Trump em xeque com a Rússia e as leis internacionais. E isso poderá acontecer se a não houver provas do envolvimento do regime de Assad nesse ataque”, notou.

Para Michael O’Hanlon, pesquisador da Brookings Institution, a ação é um desenvolvimento “bem-vindo”. “Manda uma forte mensagem para Assad de que o uso de armas químicas não será tolerado e para a Rússia de que os EUA não temem agir”, considerou.

Chuck Call, também da Brookings, considera que essa ação, que classificou como “surpreendente”, pode ser positiva se contribuir com barreiras para o uso de armas químicas. Agora, se esse ataque não trouxer novas estratégias para a ação americana no país, então poderá ter o efeito reverso e fazer a administração de Trump parecer incompetente.

Esse ataque foi um recado para outros países?

Além de um recado para Assad, esse ataque foi também um alerta claro para outros países que vem sendo ameaçados de retaliação por Trump, como a Coreia do Norte e o Irã, por exemplo, explica Sary.

Call, inclusive, vê que a mensagem deixada pelo governo americano na Síria serve de alerta para os norte-coreanos, a Rússia e a China de que os EUA podem reagir de forma imprevisível e letal.

Como fica a relação entre os EUA e a Rússia?

Nada boa. Ao menos oficialmente. “Foi uma agressão contra um Estado soberano e uma violação das leis internacionais”, disse Putin. Mas, além do governo russo ter criticado veemente o ataque dos EUA e ter negado, novamente, o envolvimento de Assad no suposto ataque químico, suspendeu as coordenações militares com os americanos.

“Essa é a reação que se esperaria de Moscou”, explicou James Nixey, diretor do departamento de estudos russos da Chatham House. “Se esse for um ataque apenas, a Rússia pode sobreviver com isso. Agora, se os EUA estão mesmo tentando restringir a influência russa na região, então creio que veremos ainda mais tensão entre os países”, avaliou.

O que esse ataque representa para a política externa dos EUA?

“É uma mudança dramática na política da administração Trump”, avalia Daniel Byman, da Brookings. “Os bombardeios me parecem mais uma tentativa terapêutica de aliviar a nossa consciência que um movimento sério de mudança na estratégia dos EUA na Síria”, avaliou.

Byman lembra que, ao assumir a presidência, Trump manifestava o desejo de trabalhar ao lado da Rússia e da Síria para derrotar o Estado Islâmico e, ainda que implicitamente, foi conivente com a ideia de que Assad permanecesse no país. “Me preocupa que esse embate contra o regime sírio não seja coordenado diplomaticamente”, pontou.

Natan Sachs, Brookings, notou que a atitude do presidente está bem longe do discurso “América em 1º lugar” que permeou toda a sua campanha no ano passado. “Foi uma mudança profunda e rápida em sua política externa”, explicou o analista.

“Perigosamente impulsiva” é como Ezra Klein, editor-chefe do site americano Vox, classificou essa mudança na política externa de Trump. “Esse ataque está em linha com as normas da política externa dos EUA”, escreveu ele em um artigo divulgado após o episódio.

“Mas eles estão bem longe dos limites da sua ideia de política externa”, avaliou. “Estamos testemunhando uma estratégia baseada nas reações de Trump às imagens que ele vê na televisão. E isso é perigoso”.

Tal virada foi recebida com desgosto por apoiadores do atual presidente, especialmente os conservadores do movimento alt-right. Richard Spencer, um dos maiores nomes desse grupo, é um deles, informou o jornal The New York Times. Além de ter condenado o ataque, disse ainda que apoiaria outro candidato para as eleições de 2020: a democrata Tulsi Habbard.

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