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3 hábitos de pessoas que correm risco e se dão bem, segundo novo livro de Nate Silver; leia trecho

"No Limite", nova obra do gênio da estatística dos EUA, acaba de ser lançado no Brasil

Michael Mizrachi, campeão de poquer na WSOP, com prêmio de US$ 10 milhões 
 (Divulgação/WSOP)

Michael Mizrachi, campeão de poquer na WSOP, com prêmio de US$ 10 milhões (Divulgação/WSOP)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 9 de agosto de 2025 às 08h00.

Jogadores de pôquer e gestores de fundos de risco têm uma coisa em comum: coragem para arriscar e fazer altas apostas, mesmo em meio à incerteza. Em seu novo livro, "No Limite", o estatístico americano Nate Silver detalha como essas pessoas agem, e como elas influenciam áreas diversas, de eleições americanas a criptomoedas.

Silver ficou conhecido por criar novos modelos para interpretar dados de pesquisas eleitorais nos Estados Unidos. Ele acertou a vitória de Barack Obama em 2008 e depois indicou a vitória de Trump por duas vezes, ao captar um sentimento de desejo de mudança entre os americanos. Ele também é autor de "O Sinal e o Ruído", que se tornou bestseller global ao mostrar que, para interpretar dados é preciso saber separar o que é substância do que é fumaça.

Livro de Nate Silver analisa "excesso de contexto" que enfraquece a esquerda

Na obra, recém-lançada no Brasil pela editora Intrínseca, Silver dedica um capitulo a listar 13 hábitos das pessoas que aceitam correr riscos e obtém sucesso com isso. Leia a seguir um trecho deste capítulo, obtido de forma antecipada pela EXAME, que detalha três desses hábitos.

1. As pessoas que se expõem a riscos e são bem-sucedidas não se desesperam sob pressão.

Elas não tentam dar uma de herói, mas entregam o esperado na hora do aperto. Manter a calma quando outras pessoas perdem a cabeça é uma qualidade rara — e é essencial para um jogador vencedor. No pôquer, nunca se sabe quando de repente se verá jogando no Dia 6 do Evento Principal por apostas milhares de vezes maiores do que aquele seu joguinho de terça à noite valendo caixas de cerveja. Pouco importa que nas situações cotidianas a pessoa se saia bem — é impossível chegar ao topo na sua área se, na hora H, sob alta pressão, a pessoa amarelar.

O mesmo vale para o futebol americano: algumas jogadas são muito mais importantes que outras, e Anderson me disse que as lesões acontecem com mais frequência durante momentos imprevistos, de improviso e de alto risco: kickoff e retornos de punts; interceptações; e fumbles. O problema é que, diante de milhares de fãs aos berros, muitas vezes os jogadores se afastam do procedimento operacional padrão. “Quando há um estádio abarrotado de torcedores, você tem que se lembrar do controle básico padrão. Não tente fazer demais. Se eu cuidar da minha parte, e todos cuidarem das deles, devemos nos sair bem. Não tente agir de forma destrambelhada e fazer uma jogada na frente de 70 mil pessoas para ser um herói.” Não tente ser um herói — apenas faça sua parte. Vescovo, que treinou pilotos navais de elite na versão da vida real do programa militar às vezes informalmente chamado de “Top Gun”, usou uma frase quase idêntica. “Qualquer pessoa nas Forças Armadas sabe que a última coisa que se quer é obrigar alguém a fazer algo heroico.” Vescovo me contou que gostou de *Top Gun: Maverick*, de 2022 (“É um filme maravilhosamente divertido”), mas achou que deu uma falsa impressão aos espectadores. “Tive muitos momentos de vergonha alheia porque, na verdade, na Marinha eu era primeiro oficial navegador-operador. E não é assim que se faz.”

Cena de "Top Gun: Maverick" (YouTube/Reprodução)

Essa atitude também é útil ao se expor a riscos financeiros. “Sou uma pessoa extremamente e excessivamente equilibrada. Sabe, para usar uma metáfora do pôquer, eu não tenho um botão de entrar em tilt”, disse David Einhorn, o fundador do fundo hedge Greenlight Capital (e jogador de pôquer de apostas altas) quando lhe perguntei qual característica era mais importante para seu sucesso. A resposta foi interessante porque, quando me encontrei com ele nos escritórios da Greenlight, senti que Einhorn chegou à entrevista um pouco exaltado (a sensação foi a mesma que tenho ao falar com um jogador de pôquer que acabou de perder apesar de ter ótimas cartas). Einhorn revelou mais tarde o porquê — ele fez uma aposta ruim nas taxas de juros. “Aconteceu literalmente hoje. Achei que o FED [Federal Reserve Board, o banco central dos Estados Unidos] ia dizer uma coisa. Fiz alguns investimentos nessa linha. Tinha acabado de ver [o presidente do FED, Jerome] Powell falar. E ele não disse nada do que eu estava esperando. Então eu retirei essas apostas, e perdemos algum dinheiro com isso.” O ponto vital aqui não é que Einhorn não estava sentindo a pressão. Na verdade, como aprendemos no Capítulo 2, a exposição ao risco financeiro desencadeia uma resposta inata ao estresse físico, uma reação do tipo “lutar ou fugir” não muito diferente de quando nos encontramos em perigo físico. Isso pode fazer com que pessoas não familiarizadas com a sensação entrem em tilt. Por outro lado, se você já enfrentou esse tipo de pressão e tem o dom de manter a calma e a cabeça fresca sob fogo cruzado, então será capaz de pensar com lucidez apesar de estar numa situação ruim — no caso de Einhorn, por exemplo, recuando em suas negociações em vez de dobrar a aposta.

2. As pessoas que se expõem a riscos e são bem-sucedidas têm coragem.

Elas são insanamente competitivas, e sua atitude é: Pode vir quente que eu estou fervendo! No pôquer e nas apostas esportivas, grande parte dos jogadores perde dinheiro. Não resta escolha, é preciso ter a ambição de estar no topo do seu campo de atuação; caso contrário, não ganhará dinheiro algum. E estar bem no topo requer um cuidadoso equilíbrio. O excesso de confiança pode ser mortal no mundo das apostas, mas jogar pôquer contra os melhores do mundo não é para os fracos e medrosos. “Existe uma correlação extrema de que para ser capaz de jogar contra os melhores todos os dias e ser um jogador de primeiro quilate é necessário ter muita arrogância”, disse Scott Seiver, ex-número 1 do mundo no Global Poker Index. “Para se tornar um dos cem melhores jogadores de pôquer, é preciso ter muita autoconfiança. É simplesmente um pré-requisito; você precisa mesmo ter isso na sua essência.”

A qualidade inerente a qual Seiver se refere é algo entre competitividade e confiança — porém, uma palavra melhor para descrever essa característica pode ser coragem. Pessoas diferentes a manifestam de maneiras diferentes. Há Sullivan, com sua silenciosa confiança na capacidade de dar conta do recado e de ser uma astronauta em uma situação em que muitas pessoas teriam desenvolvido a síndrome do impostor e sido esmagadas pela sensação de ser um peixe fora d’água. Há Maria Ho, com sua atitude de “fodam-se os haters”, de alguém que “realmente não se importa com o que as outras pessoas pensam” sobre as expectativas sociais em relação às mulheres. São os homens no River [conceito citado no livro] que às vezes podem ter egos mais frágeis e precisam de mais validação externa, caso do “Pentelho do Pôquer” Phil Hellmuth. Ainda assim, diga o que quiser sobre Hellmuth, mas ele entra na arena, ganha braceletes do WSOP e vence partidas mano a mano contra pessoas que têm metade da sua idade. E, em nossa conversa, Hellmuth mostrou discernimento suficiente para saber que sua “atenção obsessiva aos detalhes” deriva do fato de que “perder afeta minha autoestima”. Ele não é o único riveriano motivado pelo rancor de se sentir inferior aos outros; esse é um tipo comum também no Vale do Silício, como veremos no próximo capítulo. A coragem obtida por querer provar que as pessoas estão erradas ainda é melhor do que a covardia.

No entanto, mesmo pessoas insanamente competitivas precisam encontrar um lugar onde seus impulsos competitivos sejam recompensados. Katalin Karikó encontrou isso mais nos Estados Unidos do que na Hungria da era comunista. “Se eu ficasse na Hungria”, ela me disse, “você consegue imaginar que eu iria dormir no escritório?” Nos Estados Unidos, ela descobriu que “a pressão está em coisas diferentes, então é por isso que é ótimo”. Ela também encontrou mais oportunidades de exercitar sua coragem no setor privado, onde as recompensas apresentam uma relação mais direta com os resultados obtidos que no mundo acadêmico. Em vez de tentar agradar burocratas ou editores de periódicos, “temos que ir embora para casa se não tivermos algo que ajude alguém”, disse ela.

Capa do livro "No Limite", de Nate Silver (Divulgação)

3. As pessoas que se expõem a riscos e são bem-sucedidas têm empatia estratégica.

Elas se colocam no lugar do oponente. As pessoas que fazem apostas altas são competitivas, corajosas e calmas sob pressão — até aí, sem grandes surpresas. Há, entretanto, uma outra característica que, antes de iniciar este projeto, jamais considerei e acabou surgindo repetidas vezes em diferentes contextos: empatia. Ora, não é o tipo de empatia sentimentalista que associaríamos à definição do termo. Essa pode ser difícil para os riverianos. Em estudos psicológicos, há uma correlação negativa entre pensamento sistemático (algo em que os riverianos são habilidosos) e comportamento empático. Pense da seguinte forma: se o sujeito é bom em raciocínio abstrato e analítico, tende a obedecer a princípios consistentes em vez de fazer muitas exceções para casos especiais ou mesmo pessoas especiais. Não estou falando sobre se deparar com um cachorrinho ferido e se sentir comovido. Estou me referindo a situações adversas como o pôquer — ou a guerra.

McMaster conversou comigo sobre a importância da empatia estratégica, termo que ele atribuiu ao livro do historiador militar Zachary Shore, *A Sense of the Enemy* [Uma noção do inimigo]. McMaster acha que muitas vezes falta aos planejadores militares esse senso, uma noção sobre como os inimigos no campo de batalha veem a guerra. Por exemplo, ele criticou o que chamou de “estratégia do saco de fezes em chamas” dos Estados Unidos na Guerra do Iraque, quando serviu lá em 2006 — a teoria era “Basta entregar aos iraquianos um saco de fezes em chamas e sair pela porta”, ignorando as crescentes ameaças dos insurgentes. “O problema é que, em Washington, eles estão escrevendo diretrizes políticas e estratégias para MY-raq”, disse, citando um comentário que ouviu de um colega do Exército. “MY-raq é ‘Meu Iraque’, um Iraque imaginário, pode ser o que você quiser que seja. Estamos aqui no I-raque, onde temos que confrontar as realidades.”

Mark Cuban, no programa Shark Tank (Christopher Willard/Getty Images)

A empatia estratégica vem à tona também nos negócios. Perguntei a Mark Cuban, cofundador da Broadcast.com e ex-proprietário do Dallas Mavericks, como ele seleciona os rápidos discursos de venda para investidores que ouve no "Shark Tank", o reality show com investidores interessados em dar apoio financeiro a grandes ideias de empreendimento do qual ele é um dos jurados há mais de uma década. Cuban me disse que o "Shark Tank" é mais parecido com reuniões reais de investidores do que seria de se imaginar; nos estágios iniciais do investimento, tenta-se filtrar com agilidade os discursos de vendas, e as primeiras impressões contam muito. A melhor heurística de Cuban é olhar para a empresa da perspectiva do empreendedor. “Em geral, tenho uma boa noção do que uma empresa precisa fazer para alcançar o sucesso. Então eu consigo me sentar lá e ouvir o discurso deles, me colocar no lugar deles como se fosse minha empresa e fazer as perguntas difíceis com as quais eu precisaria lidar”, contou. Ele usa a mesma tática com os próprios negócios, só que ao contrário, analisando-os do ponto de vista de um concorrente. “Com as minhas próprias empresas, sempre tento fazer a pergunta: ‘Como eu daria uma surra em mim mesmo?’”

E, é lógico, a empatia estratégica surge no pôquer — que, como vimos, é tanto um jogo matemático quanto um jogo de pessoas. Alguns jogadores como o tagarela Scott Seiver têm o que ele chama de “dom inato... de se conectar com os outros”. No entanto, diferentemente de algumas de nossas treze características, a empatia estratégica pode, em tese, ser praticada e aprendida. Para Daniel “Jungleman” Cates, que tem dois braceletes do WSOP e mais de 14 milhões de dólares ganhos em torneios ao longo de sua carreira, se colocar no lugar do outro não é algo natural. Ele foi diagnosticado com autismo aos 12 anos e certa vez descreveu sua infância como “estranha, um pouco distante e, sobretudo, solitária”. Não obstante, Jungleman me disse que fez “um enorme progresso” para superar sua introversão. Às vezes, envolve uma estratégia incomum: com frequência, durante os jogos, ele se veste de acordo com um personagem, do lutador de luta-livre “Macho Man” Randy Savage a Son Goku, da série de anime japonesa "Dragon Ball Z". Cates me disse que habitar essas personas pode facilitar o relacionamento com seus oponentes, uma vez que é forçado a ser mais ponderado, a pensar em como seus personagens se comportariam na situação. "Talvez, por essa razão, bancar o ator seja bom para mim. Porque tenho que pensar em todos esses detalhes. Pensar no que fazer com meu rosto. Na verdade, sou bastante estóico, então não é natural para mim".

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