Presidente americano Donald Trump, dia 18/04/2017 (Kevin Lamarque/Reuters)
Gabriela Ruic
Publicado em 29 de abril de 2017 às 06h00.
Última atualização em 29 de abril de 2017 às 06h00.
São Paulo – A presidência de Donald Trump chega a um marco importante neste sábado, 29 de abril, quando completa 100 dias em exercício.
Nos Estados Unidos (EUA), a tradição de se examinar essa marca foi inaugurada em 1933 pelo então presidente Franklin Roosevelt. É quando se avalia tudo o que foi feito pelo novo líder e se enxargam os desafios que estão por vir. Um momento de balanço.
45º presidente, o republicano assumiu em 20 de janeiro de 2017, depois derrotar a democrata Hillary Clinton em uma disputa acirrada: embora ela tenha vencido na preferência popular com uma diferença de quase 3 milhões de votos, ele assegurou os 270 delegados necessários para garantir a eleição no Colégio Eleitoral. (Relembre como funcionam as eleições nos EUA)
Os primeiros 100 dias de Trump foram tudo, menos monótonos. Há tumultos na Casa Branca, especialmente por conta da disputa entre seu estrategista-chefe Steve Bannon e seu genro Jared Kushner, e no Congresso, onde o presidente se envolveu em embates com membros de seu partido, além das polêmicas em torno da ligação entre sua campanha e a Rússia.
Do lado das promessas, a plataforma que regeu esse período foi divulgada em outubro de 2016 e recebeu do então candidato o apelido de “contrato com o povo americano”. Previa, entre outras coisas, a seleção do novo membro da Suprema Corte e a suspensão da entrada no país de refugiados e imigrantes de países muçulmanos.
Agora, com 100 dias no poder, o magnata diz sentir falta de sua “vida antiga”. “Eu amava a minha vida antiga”, disse ele em entrevista à Reuters na qual fez um balanço sobre sua presidência. “Isso (a presidência) é mais trabalhoso. Achei que seria mais fácil”, ponderou.
No matter how much I accomplish during the ridiculous standard of the first 100 days, & it has been a lot (including S.C.), media will kill!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) April 21, 2017
O republicano nunca foi uma unanimidade entre os americanos. No entanto, os primeiros quatro meses da sua presidência obtiveram a pior aprovação já observada pelo Instituto Gallup, que conduz essa avaliação desde a Segunda Guerra Mundial.
A aprovação dos 100 dias de Trump é de 41%, mais baixa até do que a reservada a Bill Clinton, então detentor do pior desempenho para o período (55%).
No dia seguinte ao da posse, Trump viu sua aprovação bater em 46% (máxima), mas ela então afundou para 35% dias depois da tentativa frustrada de repelir o Obamacare, apelido da reforma da saúde instituída pelo ex-presidente Barack Obama.
Entre os eleitores do Partido Republicano, o cenário melhora: 87% deles aprova o trabalho do magnata durante os seus 100 primeiros dias.
Mas, analisa a entidade, se Trump não quiser ver a sua presidência atingir um novo recorde de reprovação (Harry Truman é ainda o presidente com a pior avaliação ao registrar apenas 45,6% de aprovação), precisará garantir o apoio dos eleitores democratas e independentes, já que, entre os republicanos, a sua aprovação já é alta.
Uma das vitórias de Trump durante esse primeiro período foi a aprovação da indicação de Neil Gorsuch para a Suprema Corte do país como substituto do conservador Anthony Scalia, morto em fevereiro do ano passado.
“Esse é sem dúvidas o ponto alto do presidente na política doméstica”, avaliou Márcio Coimbra, coordenador do MBA de Relações Institucionais do Ibmec e diretor do Comitê de Política Acadêmica do Institute of World Politics (EUA).
Segundo Coimbra, com a aprovação da indicação, Trump conseguiu assegurar que a maioria na Suprema Corte seguisse conservadora, algo que irá influenciar os rumos das decisões superiores nos EUA no longo prazo, mesmo após o fim da sua presidência.
Em outra conquista significativa, Trump assegurou a construção do oleoduto Keystone pela TransCanada, que havia sido proibida por Obama em razão dos seus possíveis impactos ambientais, minando a influência do país como líder na luta contra as mudanças climáticas.
Revogou, ainda, uma série de políticas de proteção do meio ambiente instituídas por seu predecessor e assinou um decreto que retira formalmente os EUA da Parceria Transpacífico, acordo comercial entre 12 países negociado por Obama.
Sobre a imigração ilegal, o número de imigrantes tentando entrar no país parece ter caído nesses primeiros dias de governo Trump. Segundo o jornal The New York Times, o fenômeno foi constatado na fronteira com o México, uma das principais rotas, onde esse movimento caiu 36% ante o mesmo período em 2016.
Na política externa, Trump fez avanços, embora tenha adotado uma postura intervencionista diferentemente do que propôs durante toda a sua campanha com a chamada "América em 1º lugar".
Para Leonardo Freitas, sócio-fundador da consultoria americana HAYMAN-WOODWARD, um dos pontos altos nesse tema foi o bombardeio americano na Síria em resposta ao ataque químico em tese realizado pelo regime de Bashar Al Assad e que deixou 87 mortos em abril.
“Nessa questão, ele adotou uma postura mais dura que a de Obama e ainda mandou um recado para Coreia do Norte e Irã”, avalia Coimbra. “Isso marca uma mudança na política externa do seu governo, que sinaliza o endurecimento da estratégia ao fazer com que outros países paguem por suas ações”, considera.
Freitas avalia que essa mudança de eixo pode ter sido, ainda, uma tentativa de reverter a imagem negativa de seu governo, especialmente por ter ocorrido depois de derrotas significativas de Trump no Judiciário, que derrubou o veto à imigração, e no Congresso, que frustrou a tentativa de repelir o Obamacare.
Outro destaque na política externa é a melhora no relacionamento com a China, país que recebeu um tratamento áspero de Trump durante a corrida eleitoral, mas que se revelou um aliado imprescindível na estratégia de abafar os esforços nucleares da Coreia do Norte.
Apesar de ter conseguido vitórias em relação ao plano que propôs para seus primeiros 100 dias de governo, Trump amargou derrotas consideráveis. Uma das principais foi justo em sua tentativa de derrubar a reforma da saúde de Obama, cuja revogação foi um dos pilares de sua campanha presidencial.
“Trump mostrou que não tem o apoio do seu partido”, explica Coimbra, “ ele tentou derrubar o Obamacare e não conseguiu. E isso lembrando que os republicanos são a maioria no Congresso”, nota.
Na visão de Freitas, a derrota de Trump em repelir o programa de saúde mostra como ele tem sido incapaz de manter seu partido unido e de fazer articulações significativas no Congresso, que é composto por duas casas controladas pelos republicanos.
Outro revés notável sofrido pelo governo está na imigração. Apesar de os números em torno da imigração ilegal parecerem ter diminuído, as grandes bandeiras de sua campanha que visavam coibir esse fluxo não avançaram.
Uma delas é a promessa de vetar a imigração de refugiados e imigrantes de países muçulmanos, cujas resoluções estabelecidas até o momento foram todas derrubadas pelo Judiciário. Depois da segunda derrota, Trump agora ameaça levar o caso para a Suprema Corte do país.
O polêmico muro na fronteira com o México que, segundo o presidente, daria fim de uma vez por todas ao fluxo ilegal de pessoas nessa região, é outra. Durante a campanha, Trump chegou a dizer que o governo mexicano pagaria pelo muro. Até agora, contudo, essa promessa não virou realidade.
Trump disse também que começaria a articular a suspensão do financiamento federal para as chamadas “cidades santuário”, locais que oferecem algum tipo de proteção para imigrantes. Essa tentativa terminou em mais uma derrota para o presidente. Pelo menos por enquanto.
“Você pode prometer o que quiser em termos de política durante a sua campanha”, lembra Coimbra, “mas a realidade do salão oval faz você mudar as suas opiniões e estratégias”, avalia o professor quando perguntado sobre um balanço geral dos 100 dias de Trump na presidência e suas mudanças repentinas de posicionamento.
“O Donald Trump presidente está sendo moldado no exercício do cargo”, avalia Freitas. “Ele vem gastando rapidamente o seu capital político, conferido pela vitória nas eleições, e pagando um preço alto para aprender a transitar em Washington”, nota ele.
Seu diagnóstico é o de que presidente precisa aprender a se articular politicamente melhor se não quiser ver seu governo se engessar de forma prematura. “Só assim ele poderá estabelecer as condições básicas para governar com estabilidade e sem improviso”, crê. Resta saber se Trump conseguirá desenvolver essa habilidade.