Habitação: setor acredita que uso do FGTS como garantia em consignado "desvirtua" a função do fundo e pode esgotá-lo. (Elio Capelati Junior/Creative Commos/Flickr)
Da Redação
Publicado em 31 de março de 2016 às 11h29.
São Paulo - A medida provisória que autoriza o uso de recursos no FGTS como garantia para empréstimos consignados (com desconto em folha) pode ajudar a suavizar a vida financeira de endividados, mas o setor imobiliário teme esgotamento do fundo já que sua principal finalidade é a habitação, segundo especialistas ouvidos pelo Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado.
A expectativa do Ministério da Fazenda é que a iniciativa viabilize R$ 17 bilhões em créditos embora até os favoráveis à decisão acreditem que somente cerca de R$ 1 bilhão desse montante vire de fato novas operações neste ano em meio à fraca demanda por crédito.
Voltada para trabalhadores do setor privado, a MP 719 prevê que 10% do saldo dos recursos no FGTS ou até 100% do valor da multa rescisória por demissão sem justa causa sejam convertidos para crédito foi publicada na quarta-feira, 30, mas ainda depende da definição das regras por parte do conselho curador do fundo (CCFGTS) que se reunirá nesta quinta-feira.
Neste momento, os bancos estão avaliando a medida e devem enviar sugestões para a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) que, posteriormente, deve endereçar a demanda ao CCFGTS. Procurada, a entidade diz que não está comentando o assunto.
O assunto, conforme uma fonte, está quente e muitos são contrários à medida. "Não vai funcionar", avalia o executivo de um banco.
Para um especialista, que também prefere falar na condição do anonimato, o uso dos recurso do FGTS como garantia de crédito consignado pode acelerar o esgotamento do fundo que, conforme estimativas, somava cerca de R$ 340 bilhões em contribuições de trabalhadores ao final do ano passado.
"Se a atual situação do País perdurar, isso pode acontecer. Diante do aumento do desemprego, crescem também os saques. O foco é a habitação. É preservar o bem conquistado", diz ele.
Representantes do mercado imobiliário alertam ainda que o uso do FGTS como garantia para contratação de crédito consignado pode desvirtuar a destinação dos recursos do Fundo.
Na opinião do diretor da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz Fernando Moura, a medida provisória aumenta a preocupação de um desgaste do FGTS, diante de níveis elevados de desemprego.
"Em um momento de desemprego alto, a garantia do FGTS pode virar fonte de pagamentos", afirma o executivo da Abrainc.
Como consequência de possíveis saques do FGTS, há o risco de redução dos recursos direcionados para construção civil e infraestrutura.
"Já não há grandes fontes de recursos para desenvolvimento de construção e infraestrutura. Agora, o direcionamento para consumo pode limitar esse funding", avalia.
Em contrapartida, alguns executivos do setor bancário defendem a medida como uma alternativa para endividados colocarem as contas em dia em um prazo maior e a juros menores.
Eduardo Jurcevic, diretor de crédito consignado do Santander Brasil, avalia que, do ponto de vista do setor privado, a medida provisória pode contribuir para a adequação de produtos às necessidades das pessoas.
"Será possível oferecer condições mais positivas para que os trabalhadores se adequem ao cenário atual que estão vivendo", pondera ele.
Outro especialista admite que a medida poderia ser negativa diante do aumento do desemprego, mas lembra que o crédito consignado tem taxas mais baixas que outras linhas como cheque especial e cartão de crédito.
Uma fonte acrescenta, porém que, neste caso, a saída seria estimular o home equity, financiamento pessoal com o imóvel dado como garantia, que além de juros menores, tem prazo maior que o do consignado.
"Consignado é dívida de médio prazo e não longo prazo. Com home equity, a queda da prestação poderia, de fato, ser representativa frente ao salário do trabalhador", atenta ele.
Já Luiz Antonio França, da consultoria França Participações, sugere a utilização dos recursos do FGTS para o pagamento das prestações do financiamento imobiliário. Uma espécie, segundo ele, de seguro desemprego.
"O uso para essa finalidade seria mais condizente com a agenda do FGTS, que é a habitação", opina ele.