Construção em São Paulo: Secovi-SP espera queda de 13% nas vendas na capital paulista (Eduardo Frazão/Exame)
Guilherme Guilherme
Publicado em 15 de março de 2022 às 06h55.
Última atualização em 15 de março de 2022 às 08h54.
A Tenda (TEND3), uma das maiores incorporadoras do país com foco na baixa renda, perdeu um terço de seu valor de mercado em apenas dois dias. O motivo? O resultado do quarto trimestre, que saiu muito abaixo das estimativas de analistas de mercado. A explosão de custos, que afetou os números da empresa, foi a maior surpresa negativa.
A inflação de materiais de construção, segundo a Tenda, aumentou em R$ 350 milhões os custos do quarto trimestre e em R$ 532 milhões os do ano. O volume representa cerca de 20% da receita líquida da companhia no ano.
O aumento de custos da Tenda, conhecida pela sua execução, assustou investidores e analistas, diante do que pode ser um prenúncio do que vem por aí nos resultados das demais incorporadoras do país. Nesta terça-feira, dia 15, será a vez da Trisul (TRIS3), que anuncia seus números do quarto trimestre depois do fechamento do mercado.
Na última sexta-feira, dia 11, as ações do setor de construção imobiliária como um todo foram arrastadas para baixo em razão desse temor.
Na outra ponta, os números da Direcional (DIRR3), divulgados na noite de segunda-feira, dia 14, mostraram que a incorporadora conseguiu preservar as margens brutas no quarto trimestre apesar da alta dos custos.
“Está todo mundo esperando números piores para o segmento que atende o Casa Verde e Amarela (ex-Minha Casa Minha Vida), pois existe um teto para os preços dos imóveis, o que limita o repasse de preços, provocando uma queda de margem”, afirmou Sérgio Berruezo, analista da Ativa Investimentos.
A pressão de materiais de construção, segundo Berruezo, pode se intensificar com a guerra entre Rússia e Ucrânia, que impulsiona os preços de commodities e, consequentemente, a inflação global.
O que diferencia o resultado positivo da Direcional do negativo da Tenda?
Segundo analistas do BTG Pactual (BPAC11), "o aumento recente de custos de construção (materiais) tem pressionado as margens de desenvolvedores, mas a Direcional tem sido capaz de compensá-los parcialmente por meio de preços mais elevados de vendas e ao se mover para segmentos fora do Casa Verde Amarela, por meio da marca Riva".
No mercado, parte do pessimismo já foi incorporado nos preços. Desde o susto com a Tenda, as ações da Direcional (DIRR3) chegaram a cair quase 10% na sexta, antes de leve alta de 1,37% antes da divulgação do balanço ontem.
Já a MRV (MRVE3), que irá apresentar seus números na quarta, dia 16, voltou a se desvalorizar, acumulando queda de 15% em dois dias.
Incorporadoras voltadas para a alta renda estão menos expostas a esse cenário, justamente porque têm maior capacidade de repasse dos custos para os preços aos consumidores -- é a estratégia adotada pela Direcional.
A ação da JHSF (JHSF3), por exemplo, chegou a cair 4,37% na sexta, 11, após o balanço da Tenda, mas subiu 6,24% ontem, mais do que recuperando a perda. A empresa já havia divulgado os números trimestrais.
Mas a capacidade de repassar a alta de custos é apenas um desafio a mais para as incorporadoras. A alta da taxa básica de juros, que saiu de 2% ano no início de 2021 para os atuais 10,75% -- com projeção para chegar a 13% nos próximos meses --, é apontada como fator determinante para a maior cautela do mercado sobre o setor, assim como a piora da atividade local esperada para este ano.
“Os juros altos atrapalham o setor, pois reduzem a capacidade de pagamento dos consumidores. Já o emprego e os salários têm crescido pouco”, disse Fernando Siqueira, head de research da Guide Investimentos.
Siqueira ainda ressaltou a aceleração de lançamentos nos últimos dois anos, o que aumentou a oferta de imóveis. “É difícil conseguir ter uma rentabilidade boa nessa situação.”
Estimativas do Secovi-SP, entidade que reúne as empresas do setor de habitação no estado, apontam para uma retração de 13% nas vendas de imóveis na capital paulista e de 17% no número de lançamentos para este ano.
As ações do setor estão com mais de 50% de queda em relação aos níveis de 2019. Os preços, para parte dos investidores, já estão em níveis atrativos, mesmo com a piora das perspectivas de curto prazo.
“A desaceleração macro é um vento contrário ao setor, mas os construtores listados estão bem posicionados. Como as avaliações são atrativas, mantemos nossa visão positiva sobre as ações do setor”, afirmaram analistas do BTG Pactual (BPAC11) em relatório.
Todas as incorporadoras cobertas pelo banco têm recomendação de compra. As ações da Tenda, por sinal, são aquelas com maior potencial de valorização nas projeções do BTG Pactual, com upside de quase 400%.
Os analistas, porém, advertem que não veem grande espaço para fortes altas tão cedo. “A confiança nas margens 'normalizadas' pode impedir a recuperação das ações no curto prazo.”
Berruezo, da Ativa, também enxerga as empresas do setor como uma oportunidade, mas apenas para investidores que miram horizontes mais longos. “Ainda há um déficit de habitação enorme no Brasil. A menos que a visão seja extremamente pessimista, as incorporadoras listadas estão com preços interessantes."