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Wille Dijon, no bairro Andrinópolis, em Manaus, permanecia abandonado em 2022 (Domingos Petroceli/Manaus Abandonada/Reprodução)
Repórter de Mercados
Publicado em 24 de novembro de 2025 às 10h11.
Última atualização em 24 de novembro de 2025 às 10h23.
Incorporadora que começou valendo "meio fusca", em 1961, a Encol construiu mais de 100 mil imóveis em todo o Brasil nos anos 1990, empregando mais de 20 mil pessoas. Ela não foi só uma das principais construtora da época, como também uma das mais polêmicas — e certamente a mais emblemática.
Seu fundador, o engenheiro Pedro Paulo de Souza, iniciou a empresa com um capital equivalente à metade do valor do veículo mais popular da época. A fórmula do crescimento da Encol envolvia uma série de facilidades no financiamento de imóveis, incluindo a possibilidade de utilizar carros, outros imóveis e até linha telefônica como forma de pagamento.
Na mesma década de seu apogeu, veio a grande queda. Nem mesmo o esforço de 30 bancos unidos salvaram a Encol da falência. Na época, um pool de instituições financeiras foi formado para arquitetar uma solução de consenso para todos os credores, mas a iniciativa não teve sucesso.
Em 1997, em entrevista à Folha de São Paulo, de Souza chegou a fazer um mea culpa, afirmando que cresceram acima do desejável e que erraram na parte de controle.
“Íamos lançando os imóveis à medida que íamos vendendo. O crescimento que seria normal em uma economia normal passou a ser indesejável em uma economia que passou a praticar juros altos”, disse ao jornal na época. Até então, segundo o fundador da Encol, a empresa tinha um patrimônio líquido positivo estimado em R$ 400 milhões, um estoque de unidades para vender de R$ 900 milhões e os mutuários ainda tinham R$ 1,561 bilhão a pagar.
Foi também em 97 que a companhia efetuou o pedido de concordata judicial. “Ela alegava um descompasso entre caixa e seu endividamento, que era muito alto. Para se ter ideia, temos dados de mais de R$ 5 bilhões na Receita Federal em passivos trabalhistas”, afirma o síndico da massa falida da Encol, Miguel Ângelo Cançado, à EXAME. Em 1999, a incorporadora teve a falência decretada, deixando 708 obras inacabadas pelo país, do Rio Grande do Sul ao Amazonas.
Em Manaus, jaz a carcaça do Wille Dijon, um empreendimento de duas torres e 88 apartamentos que jamais foi concluído e passa por severa degradação.
Há casos parecidos em todo o Brasil, impactando mais de 40 mil famílias. O prejuízo financeiro estimado na época ficou em R$ 2,5 bilhões, o que em valores atuais ultrapassaria os R$ 10 bilhões. Cançado assumiu a gestão à frente da massa falida da Encol em outubro de 2018 e, desde então, já pagou mais de 6,8 mil trabalhadores, totalizando R$ 225 milhões de reais em verbas trabalhistas. “Muito perto de 100% dos trabalhadores já receberam alguma coisa, ao menos aqueles que recorreram ao poder judiciário”, afirma.
A falência da Encol deixou lições sobre os perigos de um modelo de gestão para empresa pequena colocado em prática numa companhia gigante. “O que se ouve é que a empresa cresceu demais, com uma gestão ainda muito pessoalizada, em torno da figura do proprietário e de alguns diretores. Tudo isso numa estrutura gigantesca, espalhada do Oiapoque ao Chuí”, opina Cançado.
O impacto da falência da Encol vou tamanho que reverberou em mudanças na legislação brasileira. Foi sancionada, em 2004, a Lei 10.931, que instituiu o patrimônio de afetação. Essa lei trouxe mecanismos para proteger os recursos destinados a um empreendimento imobiliário específico, assegurando que esses valores não sejam incorporados ao ativo geral da empresa, evitando a situação à qual chegou a Encol.
Além disso, mudanças na legislação de falências permitiram a proposta de planos de recuperação extrajudicial para construtoras em dificuldade, algo que poderia ter evitado a falência da Encol se estivesse vigente à época. A nova lei de falências possibilita também que o controle das empresas em crise seja transferido para cooperativas de funcionários ou adquirentes, garantindo maior proteção e continuidade dos empreendimentos.
A grande maioria dos 708 empreendimentos da Encol que estavam em andamento na época da falência da empresa foi transferida aos próprios proprietários dos imóveis. Em geral, eles constituíram associações para contratar outras empresas ou incorporadoras para finalizar a construção.
Embora a transferência tenha permitido que os proprietários conseguissem terminar seus empreendimentos, é verdade que eles tiveram que suportar prejuízos significativos. No caso do Wille Dijon, o empreendimento só tinha 13% da obra executada quando foi transferido, em 2003. Mais de dez anos depois, o edifício permanecia inacabado.