Mercado imobiliário

Elie Horn, nos 60 anos da Cyrela: 'Crise nos obrigou a repensar. Foi bóia de salvação'

Em entrevista à EXAME, fundador da construtora dá lições com base em sua trajetória

Elie Horn: "Somos otimistas com qualquer governo. Não contamos com ele para trabalhar" (Cyrela/Divulgação)

Elie Horn: "Somos otimistas com qualquer governo. Não contamos com ele para trabalhar" (Cyrela/Divulgação)

Marília Almeida

Marília Almeida

Publicado em 18 de outubro de 2022 às 06h00.

Última atualização em 10 de novembro de 2022 às 16h00.

A Cyrela vem navegando bem o cenário de juros e inflação em níveis altos. Após registrar lucro de R$ 151 milhões no segundo trimestre, na prévia de seu balanço do terceiro trimestre, divulgada na quinta-feira, 13, a incorporadora acumula R$ 5,22 bilhões em vendas contratadas no ano, uma alta de 32%.

Como resultado, o Credit Suisse considera que a ação da construtora está performando acima do esperado. A visão dos analistas é de que a companhia não vai reduzir operações ao nível que o mercado estava esperando neste ano, considerando o forte pipeline de projetos que serão lançados e o sucesso da construtora em posicioná-los no mercado.

A estratégia é fruto de uma experiência que completa 60 anos em 2022. A empresa encarou de frente os altos e baixos dos ciclos econômicos do país. E boa parte da visão do negócio vem de seu fundador, Elie Horn, que está desde 2014 à frente do Conselho de Administração da companhia, após seus filhos, Raphael e Efraim Horn, assumirem como copresidentes.

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Desde então, a companhia já colocou um pé no financiamento com garantia de imóvel com a CashMe e começou a oferecer crédito para condomínios, aquisição de imóveis e para empresas. Também criou sua marca do segmento econômico, a Vivaz, em parceria com o Programa Minha Casa Minha Vida, rebatizado de Casa Verde e Amarela. Em 2020, a construtora entrou também no segmento de residenciais para renda em parceria com SKR e o fundo canadense CPP.

Mas o crescimento não foi linear. Em 2002, a companhia precisou encerrar sua operação na Argentina quando uma crise atingiu o país vizinho. Já em 2006, passou por um intenso processo de expansão geográfica, quando criou dez joint-ventures e parcerias com empresas localizadas em 12 cidades e sete estados do país. Pouco depois, em 2008, quando estourou a crise financeira global, viveu a pior crise da sua história: foi forçada a voltar a focar sua atuação em São Paulo, no Rio de Janeiro e sul do país.

Em entrevista à EXAME, Elie Horn e conta o que aprendeu nestas seis décadas à frente do negócio.

Qual a sua visão sobre o mercado imobiliário no atual momento macroeconômico do país e do mundo? Sabemos que o segmento sofre com a inflação global. O que o senhor tem a ensinar?

Com inflação ou sem inflação, a empresa tem de andar. Ela é uma entidade viva, que precisa construir, vender e distribuir dividendos. Existe a crise e existe o boom. Quem não sabe perder, não sabe ganhar. Se não consegue superar uma crise, vai morrer.

A flexibilidade é uma fortaleza. Já fazem 15 anos que resolvemos expandir para o Brasil todo e fechamos mais depressa do que abrimos. Tivemos a percepção do perigo. Não podemos nos enganar, não podemos ter medo de falar que perdemos. Na crise de 2008, assumo a minha culpa. Errei, e aprendi a não errar mais. Se não houvesse crise, íamos expandir mais ainda, e apanhar mais. A crise nos obrigou a repensar depressa o Brasil. Foi uma bóia de salvação.

O setor de construção, motor do PIB e emprego, é importante em um ano eleitoral. O que pode ajudar o setor a se desenvolver em um novo governo?

Em 60 anos apanhamos muito, mas também crescemos. Convivemos com vários governos e politicas. Uma empresa tem de se adaptar às situações. Se houver coisas positivas, será bom, mas se não, tem de sobreviver do mesmo jeito. Já passamos por momentos nos quais a inflação no país foi de 80% por mês. Quando o governo congelou recebíveis, pensamos que íamos quebrar. Não podemos receber pagamentos congelados e pagar inflacionados. Mas logo veio outro governo e corrigiu. O governo erra e temos de suportar as consequências: faz parte do jogo. Portanto, melhor trabalhar sem pensar no governo.

Mas a politica financeira depende do governo. A Caixa é o motor do setor imobiliário no país. Mas sou otimista com qualquer governo. Se tiver crédito ou não, tenho de conviver com ele. Para a Cyrela, nunca faltou financiamento nem dinheiro. Porque o dinheiro vem com um bom nome no mercado. Os bancos vêm atrás de você se você paga as contas em dia. Se atrasarmos, perdemos o nosso nome e não há como continuar.

O negócio não pode depender de ninguém. Nossa tese é ter fluxo de caixa suficiente para passar quatro anos sem vender, construindo e pagando dívidas. Dessa forma, conseguimos sobreviver em qualquer situação do país. Não temos um número perfeito para essa equação, mas pelo menos sempre tentamos chegar nele. Quando falei que perseguiria este objetivo, riram da minha cara e disseram que era impossível. Mas se não fosse isso, teríamos quebrado. Estamos vivos porque somos muito atentos ao fluxo de caixa. Com esse colchão, nossa provisão de vendas pode ser zero.

Sua trajetória é a de um empresário inovador, que colocou no mercado um fundo imobiliário quando ninguém fazia e está com pé no segmento de buy to rent também. Qual é a sua visão sobre o futuro da incorporação?

O que os Estados Unidos fazem, faremos 10 anos depois. O segmento de residencial para renda não poderia existir no país com inflação alta, mas com inflação mais controlada pode. Estamos construindo prédios bem acabados para a classe média alta. Estamos também investindo no setor de logística e no comercial. Temos de atacar todas as brechas possíveis para crescer. Então, inovamos na estética dos empreendimentos, inserindo tecnologia e os adaptando a novos modos de viver. Precisamos inventar e seduzir o público. No futuro, irá mudar o formato de venda, de construir, de financiar, e o próprio produto. É algo esperado.

Quando a taxa de juros chegou à mínima histórica, foi possível testar novas frentes. Agora, ela já voltou aos dois dígitos novamente. O Brasil é feito de altos e baixos. Como essa característica torna desafiador explorar o segmento econômico no país, no qual as margens são apertadas? 

Se a música é samba, temos de dançar samba. A música é o momento. Temos de ser flexíveis e ágeis para aproveitá-lo. Se dançarmos com a música errada, quebramos a cara. Muitas construtoras desapareceram e outras apareceram nesses ciclos. Tem gente com muita técnica e inteligência, mas que é cabeça dura. Isso é um veneno. Ora a onda é o luxo, ora é popular: temos de estar atentos a tudo. Nesses 60 anos o mercado mudou muito, e para melhor. Até 1990 todas as construtoras populares não sobreviveram. Houve um momento em que o segmento não existia no país.

A fragmentação do setor parece ser uma questão global, mas é ainda mais desafiadora em um país de proporções continentais como o Brasil. Qual é a ambição de vocês para voltar a expandir a outras regiões do país e no exterior?

Zero. A única construtora que conseguiu abrir lá fora e manter sua operação com inteligência é a MRV. As outras não tentaram ainda e nós não temos mais intenção de iniciar uma operação no exterior. Nós fomos para a Argentina há muito tempo e perdemos dinheiro no câmbio. Terminamos no zero a zero e desistimos da operação.

Mesmo no país, a Cyrela apanhou muito quando resolveu expandir. São Paulo é São Paulo, o Rio de Janeiro é o Rio de Janeiro, e Belém é Belém. Se o paulista vai para Belém pensando que é São Paulo está morto. Tem de ter cultura e gestão local. São Paulo costuma importar mão de obra, mas na crise de 2008 passou a exportar mão de obra para o Nordeste. Não era normal: então as obras estouraram e os custos aumentaram. Nossa experiência nos diz que não convém expandir se não há condições de se adaptar à cultura local e realizar treinamentos neste sentido. É muito difícil.

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