Mercado imobiliário

Com muita placa e uma dose de misticismo, Valentina Caran tem 10 mil imóveis em São Paulo

A corretora, que tem sua foto estampada de ponta a ponta da Avenida Paulista e já virou até fantasia de carnaval, contou à EXAME o que faz para se manter no topo

Valentina Caran é avessa às redes sociais, mas muito adepta das placas de 'aluga-se' e 'vende-se'. Hoje, tem cerca de 10 mil imóveis em sua base. (Leandro Fonseca/Exame)

Valentina Caran é avessa às redes sociais, mas muito adepta das placas de 'aluga-se' e 'vende-se'. Hoje, tem cerca de 10 mil imóveis em sua base. (Leandro Fonseca/Exame)

Publicado em 13 de agosto de 2024 às 08h34.

Última atualização em 14 de agosto de 2024 às 08h41.

Não haveria palácio melhor para quem se considera a rainha da Avenida Paulista. No 16º andar do Conjunto Nacional, no coração de São Paulo, está localizado o escritório de 840 metros quadrados da imobiliária Valentina Caran. Se você é de andar a pé pela cidade de São Paulo, por ruas cheias de requinte como Alameda Santos ou Frei Caneca, já viu o rosto dela pendurado por aí. Valentina Caran, com seus cabelos loiros e batom vermelho, faz parte da paisagem urbana de São Paulo. 

Num momento de grande transformação no mercado imobiliário, com proptechs bilionárias, como Loft e QuintoAndar, e com corretores apostando em inteligência artificial para achar o imóvel certo para o cliente certo, Valentina mantém a estratégia dos últimos 40 anos. Ela recebeu a EXAME para uma entrevista sobre saudosismo, mas também sobre futuro.

Apesar de amar fotos mas preferir tirá-las de óculos escuro para "ficar mais chique" –, investe em sua imagem nos icônicos cartazes de "vende-se" e "aluga-se" não por capricho ou exibicionismo. É para se destacar da concorrência e criar uma marca registrada. A estratégia a alçou ao patamar de um personagem tipicamente paulistano, e inspiração até mesmo para fantasias de carnaval. "Acho divertido, só fico pensando se as placas das fantasias foram tiradas da fachada de algum dos imóveis da base da minha imobiliária", brinca Valentina.

Hoje em dia, os clientes fazem questão que o rosto da corretora apareça nas placas. Mas ela não se considera precursora das influenciadoras do mercado imobiliário, e nem mesmo se importa com aqueles que colocam seus rostos nos cartazes. "Não ligo, no Brasil nada se cria, tudo se copia!", diz.

“Certa vez, na fila do mercado, umas meninas de uns 10 anos quiseram tirar foto comigo. Disseram me conhecer do TikTok, no que eu respondi: ‘Mas o que é isso?’”, conta Valentina, que diz se divertir com as brincadeiras e memes dos quais é alvo. Primeira corretora que colocou a cara, literalmente, no negócio não precisou das redes sociais para isso, e até hoje trabalha apenas com papel e telefone na mão. “É dom e esforço. Porque eu sou a vendedora”.

No tempo de Valentina, corretor era aquele que andava de ponta a ponta da cidade atrás de boas oportunidades – sem qualquer que fosse a rede social para ajudar. “Às vezes, via uma oportunidade muito boa no meio de minhas andanças e não conseguia de jeito nenhum fazer contato com o proprietário. Daí eu colocava minha placa na porta do imóvel. Não dava uma hora e eu recebia a ligação do dono reclamando. O dono ligava bravo, dizendo: 'Não estou alugando!'. E eu respondia: 'Eu sei, mas o senhor gostaria de alugar?”, conta, de forma bem humorada.

A cada esquina, há placas com o rosto de uma mulher loira de batom vermelho: é ela, Valentina Caran. (Reprodução/Twitter)

O jogo de cintura de uma verdadeira vendedora é perceptível durante a entrevista. Ao chegar no térreo do Conjunto Nacional, os recepcionistas já sabem que o 16º é de Valentina Caran. Ao andar pelos 840 metros quadrados de escritório, a corretora era parada por várias pessoas para cumprimentá-la.

A sala de reunião, onde a entrevista começou, foi palco para diversas transações da empresa de Valentina, que tem uma carteira com 10 mil imóveis, quase todos comerciais. O fim da conversa foi com um cafezinho em seu escritório, porque ela precisava acender um cigarro. "Não passo mais de duas horas sem fumar", conta ela ao som de um sertanejo de música ambiente.

Ao ser perguntada se gosta de sertanejo, ela respondeu, sem titubear: "Vou para Barretos na semana que vem! E faz pouco tempo que fui no show do Amado Batista". A empresa de Valentina patrocina alguns rodeios pelo interior de São Paulo, que ela diz que é de onde vem sua paixão pelo gênero musical.

Como hobby, ela chegou a trabalhar agenciando duplas sertanejas. Ela deixou esse passatempo de lado porque a dupla que estava sendo agenciada pela corretora brigou. "E também porque eu tentava terceirizar o trabalho, colocando outras pessoas para fechar os shows para mim. Mas não dava certo, porque eu mesma que acabava tendo que fazer as vendas, porque eu sou boa nisso. E vender prédios dá mais dinheiro que vender shows". Por isso, Valentina voltou a despender o seu tempo à venda de imóveis, algo que ela considera um lazer.

Quando questionada se ela pretende se aposentar e viver em um lugar mais tranquilo que São Paulo, a resposta é direta: "De jeito nenhum!".

Valentina Caran: "O universo conspira a meu favor. Eu sempre digo: Deus amanhã te dá o melhor!" (Leandro Fonseca/Exame)

O que trouxe Valentina a São Paulo

Valentina é considerada por muitos paulistanos uma cidadã honorária de São Paulo, mas engana-se quem pensa que ela nasceu na cidade. Na realidade, a corretora nasceu em um lugar bem diferente da Avenida Paulista: na roça da cidade de Monte Mor, no interior do estado.

Os pais de Valentina eram lavradores em um sítio. Lá nos anos 1970, seu maior sonho era ser atriz – afinal ela sempre foi, e ainda é, noveleira. "Até hoje assisto muito Globoplay. Na época, eu gostava muito da novela 'Irmãos Coragem' [da Globo]", afirma. 

E foi a paixão pela televisão que fez com que Valentina, aos 21 anos, viesse tentar a vida em São Paulo. Nesse ramo, o que ela conseguiu foi fazer uma figuração na primeira versão de "Éramos Seis", do SBT. Nas tentativas de se manter na capital para conseguir ascender na carreira de atriz, Valentina descobriu que era ótima em vendas.

"Comecei vendendo livros para a Editora Abril. Até que fui fazer uma venda para um homem que trabalhava na corretora Bolsa de Escritórios de São Paulo, ele ficou impressionado com meu talento e me disse que eu deveria era vender imóveis, não livros".

Valentina se candidatou para uma vaga na mesma corretora, mentindo ter carro próprio, e deu certo. Ficou lá por três anos, até que o escritório iria mudar de endereço — da Avenida Paulista, ele iria para a Avenida Estados Unidos, em Santo André. À esta altura, Valentina estava mesmo apaixonada pela Avenida Paulista e não queria se mudar.

Foi então que a corretora decidiu empreender ao alugar uma sala de 30 metros quadrados na avenida, na altura 807. "Comprei uns móveis usados da Brasil Seguros, um de cada cor, e comecei a trabalhar. Com os anos, consegui muitos clientes! Foi quando fui contratando corretores para me ajudar e comprei meu outro escritório, na mesma avenida, altura 2006, dessa vez com 150 metros."

Mais alguns anos se passaram, e o próximo escritório de Valentina teria 250 metros quadrados, na altura 1754 da avenida mais famosa de São Paulo. De metro quadrado em metro quadrado, Valentina chegou ao 16º andar do Conjunto Nacional.

Apesar de ser apaixonada pela Avenida Paulista, Valentina mora mesmo é no Pacaembu, em uma casa espaçosa em uma área tombada. Ela já morou também no Ipiranga, Vila Mariana e Higienópolis. Quando perguntada sobre quantos imóveis próprios ela tem, ela pensou por um tempo e não conseguiu dar uma resposta precisa — o que deu a entender que são tantos que nem ela mesma se lembra de todos. Citou imóveis na capital, no litoral e no interior. Estes, porém, ela aluga por curta temporada para conhecidos, no boca a boca. Uma vez alugou um imóvel pelo Airbnb. “Nem vi como aconteceu, não falei com ninguém, e o dinheiro apareceu na minha mão. No fim acho que isso quer dizer que deu certo”, brinca.

Valentina tem também imóveis em Indaiatuba, interior de São Paulo, onde gosta de descansar e onde abriu uma unidade de sua imobiliária. É lá, inclusive, que a corretora é síndica em um condomínio de chácaras e sítios. "O condomínio tem 1 milhão de metros quadrados, eu tenho um terço de tudo. Sou uma síndica presente, a cada quinze dias vou lá para resolver problemas. Consegui levar um mercadinho lá!", diz, orgulhosa, admitindo ser bastante centralizadora.

Além de Indaiatuba, Valentina também visita com frequência sua cidade natal, Monte Mor. Mas ela não aguenta ficar muito tempo por lá. "Não vejo a hora de voltar. Depois que acostumei com São Paulo, não aguento mais interior!".

'O universo conspira a meu favor'

Para quem sobreviveu ao que foi o mercado imobiliário na época de Fernando Collor como presidente do Brasil, Valentina não parece se assustar fácil. Na época, com a inflação às alturas, os imóveis mudavam de preço do dia para a noite. No confisco da poupança, todos queriam vender imóveis, ninguém tinha dinheiro para comprar.

O percalço mais recente foi durante a pandemia. Desde então, os preços de imóveis comerciais vêm caindo drasticamente, já que hoje muita coisa pode ser feita de maneira remota. "Eu vejo em bancos, quase ninguém mais vai até lá. Com o Pix então... Aí eu sou obrigada a dobrar minha comissão. E os clientes pagam!", afirma, rindo.

Mas nada disso assusta Valentina, que afirma que não pensa em dinheiro. "O universo conspira a meu favor. Eu sempre digo: Deus amanhã te dá o melhor!". Sua sala tem desde imagens de santos católicos, até badulaques ciganos e cristais. Num mercado cada vez mais dominado pela inteligência artificial, um pouco de misticismo não há de fazer mal.

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