Robôs humanoides da startup chinesa Unitree se apresentam ao público durante o Web Summit Lisboa, simbolizando o avanço da China em robótica e inteligência artificial (Marc Tawil)
Estrategista de Comunicação
Publicado em 12 de novembro de 2025 às 16h23.
Paddy Cosgrave, CEO e fundador do Web Summit, não fala chinês, mas deixou claros seus planos de aportar no país dentro de duas edições. Depois de uma década em Lisboa, o maior evento de tecnologia e negócios do mundo se prepara para uma nova virada: em 2027, deve desembarcar na China — convidada de honra da edição portuguesa e, ao que tudo indica, novo centro de gravidade da inovação global.
A decisão, ventilada nas redes sociais pelo próprio Cosgrave, é estratégica e também simbólica: um mês antes da conferência em Lisboa, ele percorreu Pequim, Shenzhen, Xangai e Hangzhou em uma maratona de dez dias, reunindo-se com ministros, investidores e fundadores locais.
A missão era escolher qual cidade sediará o evento em 2027. “É impossível negar os feitos da China, não apenas na última década, mas até no último ano”, disse ele no primeiro dia de evento por aqui. “A China venceu o século XXI. Não há mais competição de poder.”
“Há apenas um ano teria sido inimaginável pensar que um modelo open source chinês estaria na linha da frente da inteligência artificial (IA). O Deepseek foi lançado há nove meses e nos meses seguintes, se olharmos para os rankings dos melhores grandes modelos de linguagem natural (LLM) são cada vez mais dominados pelos modelos de IA chineses“, afirmou Cosgrave, acrescentando que nas muitas viagens que fez à China pôde testemunhar a “incrível transformação da China nos últimos anos”.
Não por acaso, o fórum da China e seus muitos palcos espalhados em Lisboa tiveram casa cheia e filas no pavilhão dedicado ao país asiático.
O palco, aliás, foi aberto pelo próprio Cosgrave e reuniu autoridades chinesas como Jianchao Wang, da Administração do Ciberespaço, e Guangyao Zhu, do Ministério do Comércio.
Wang definiu a participação como um “evento pioneiro” e “uma ponte entre a China e o mundo”. Para Zhu, o Web Summit não é apenas uma vitrine de tecnologia. “É um novo motor para cooperação e inovação globais.”
A presença chinesa em Lisboa foi muito mais que institucional. De startups emergentes a gigantes como Huawei, Tencent e Alibaba, o país mostra que já não busca validação. Busca liderança.
Os temas que dominaram a agenda foram IA generativa, robótica industrial, energias limpas e o papel da educação como base do salto tecnológico. “O segredo está na educação”, resumiu Joleen Ling, fundadora de uma empresa de IA baseada em Xangai.
A programação “China Summit” atraiu centenas de pessoas, com público em pé por quase toda a manhã.
Enquanto robôs humanoides da startup Unitree dançavam para o público, economistas como Philip Pilkington e Einar Tangen discutiam o futuro da economia global.
Pilkington aproveitou para alfinetar Donald Trump: “As tarifas não criam indústria. Só protegem”. Tangen completou: “A China tem um plano. Os Estados Unidos, não”.
O contraste entre o otimismo chinês e a cautela ocidental dominou os debates.
Para o público, ficou evidente que a China não quer apenas ser um ator relevante, mas um modelo alternativo de globalização tecnológica, baseado em escala, disciplina e Estado empreendedor. Enquanto o Ocidente fala em regulação, a China fala em execução.
O Web Summit, hoje com versões em Lisboa, Rio de Janeiro, Doha e Vancouver, vê na China o passo natural de sua expansão.
O tigre asiático é o maior mercado digital do mundo, com mais de 1 bilhão de usuários conectados e liderança em IA, 5G, e-commerce e pagamentos móveis.
Cosgrave, que nos últimos anos foi crítico da dependência ocidental dos Estados Unidos, agora faz um movimento geopolítico claro ao aproximar a conferência da região que mais investe em infraestrutura tecnológica e educação científica. “A globalização não acabou. Ela só mudou de endereço”, provoca.
Com a edição chinesa, o Web Summit deseja criar uma ponte entre o Vale do Silício, a Europa e o que Cosgrave chama de “o novo eixo da inovação”.
A escolha de 2027 também coincide com a meta do governo chinês de consolidar a liderança global em IA e computação quântica até o final da década.
Segundo o fundador, o evento deve reunir 70 mil participantes, nos moldes de Lisboa, mas com foco em deep tech, hardware, robótica e energia.
A China não quer mais seguir o roteiro da globalização. Quer escrever o próximo capítulo ou, como resumiu Cosgrave: “A China não copia mais o futuro. Ela o fabrica”.