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Vitória histórica no Oscar: será que o Brasil finalmente aprenderá a construir sua marca país?

Esse reconhecimento internacional deve ser aproveitado para não ser apenas um feito isolado, mas um momento crucial para a construção da marca Brasil no cenário global

Ainda Estou Aqui: O Brasil tem dificuldade em capitalizar suas conquistas (Divulgação)

Ainda Estou Aqui: O Brasil tem dificuldade em capitalizar suas conquistas (Divulgação)

Publicado em 3 de março de 2025 às 16h04.

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A vitória de Ainda Estou Aqui no Oscar de Melhor Filme Internacional é o final perfeito de uma trajetória impressionante. Desde sua estreia em Cannes, onde foi aclamado pela crítica, passando pelo prêmio de Melhor Filme Estrangeiro no BAFTA, Melhor Direção no Festival de Berlim e o Prêmio do Público no Festival de Toronto, o filme e sua protagonista, Fernanda Torres, se consolidaram como um dos melhores filmes e atuações do ano. Esse reconhecimento internacional deve ser aproveitado para não ser apenas um feito isolado, mas um momento crucial para a construção da marca Brasil no cenário global.

O Brasil tem dificuldade em capitalizar suas conquistas, seja por falta de estratégia ou por um viés autodestrutivo que impede o país de fortalecer sua marca no exterior, com toda a complexidade cultural que temos. Nossa discussão sempre parece unidimensional, como “o país do samba” ou “o país do futebol”. Mas David Aaker, desde os anos 1980, desafiou a ideia de que marcas são apenas uma questão de unique selling proposition (USP). Marcas são sistemas complexos de associações, e seu valor vai além de uma proposta única de venda – elas operam em múltiplas dimensões, conectando-se emocionalmente, culturalmente e funcionalmente com diferentes públicos. Isso é ainda mais intenso no que hoje chamamos de place branding, um campo que estuda como cidades e países podem construir e gerenciar sua imagem para atrair investimentos, turismo e influência cultural. O place marketing destaca que países precisam estruturar sua marca de forma integrada, considerando políticas públicas, imagem turística, ambiente de negócios e influência cultural.

O Brasil nunca estruturou um trabalho consistente de place branding. Na dimensão dos negócios, apesar do grande mercado interno, somos vistos como um país de baixa confiabilidade. Relatórios como o Doing Business, do Banco Mundial, apontam a burocracia excessiva, a corrupção e a insegurança jurídica como barreiras aos investimentos. Enquanto Cingapura, uma ilha sem recursos naturais nos anos 1960, se tornou um hub financeiro e tecnológico com políticas claras e previsíveis, o Brasil continua sendo percebido como um mercado arriscado e instável. Regras mudam frequentemente por razões políticas, gerando um ambiente de insegurança para investidores. Cingapura, ao garantir segurança regulatória e incentivos estratégicos, atraiu um fluxo constante de capital estrangeiro e alcançou um dos maiores PIBs per capita do mundo. No Brasil, a falta de previsibilidade e gestão estratégica mantém o país preso à narrativa de “potencial desperdiçado” e prejudica sua marca na vertente econômica.

Se o ambiente de negócios já é um obstáculo, a questão cultural também é. O Brasil tem uma das indústrias criativas mais ricas do mundo, mas sempre desvalorizou sua própria produção. Enquanto a Coreia do Sul exporta doramas como produtos de alto valor agregado, o Brasil menospreza suas novelas. No cinema, muitas produções são boicotadas internamente antes mesmo de serem vistas. O problema não é apenas externo – o brasileiro tem dificuldade em celebrar seus talentos. Ozires Silva, fundador da Embraer, ouviu isso em um jantar com membros do comitê do Nobel: "Vocês brasileiros são destruidores de heróis". E isso se repete na cultura. Sempre que uma produção nacional se destaca, discussões políticas tentam desqualificá-la. O cinema já foi taxado de “panfletário” por governos de diferentes ideologias. A música, que já brilhou com a Bossa Nova e o Tropicalismo, carece de um reposicionamento global coordenado.

Enquanto isso, a Coreia do Sul mostra que cultura pode ser um ativo estratégico para um país. O fenômeno do K-pop não foi um acaso: foi resultado de investimentos massivos do governo na indústria do entretenimento, que se tornou um dos pilares da marca Coreia. Séries coreanas como Round 6 estão entre os conteúdos mais assistidos do mundo, e o cinema do país produziu um vencedor do Oscar de Melhor Filme com Parasita em 2020. A cultura sul-coreana não apenas atrai milhões de fãs globalmente, mas também impulsiona exportações de marcas coreanas e turismo.

No Brasil, essa conexão entre cultura e economia ainda é tímida. Produtos que poderiam ser grandes ícones da marca Brasil, como açaí, Havaianas, Natura e a moda praia brasileira, ainda são vistos como itens de nicho, exportados dentro de uma lógica étnica ou exótica. O açaí, por exemplo, tornou-se uma tendência global, mas, em vez de liderarmos esse mercado, deixamos que marcas estrangeiras capitalizassem em cima dele. Havaianas, uma das poucas marcas brasileiras verdadeiramente globais, ainda é vista como um nicho, mesmo depois de todo o esforço para se posicionar como um item de moda. A indústria de cosméticos nacional, que poderia ser referência global com produtos à base de ativos naturais, ainda exporta pouco em comparação com potências como França e, pasmem, Coreia do Sul.

A grande questão é que o Brasil nunca conseguiu contar sua própria história de forma consistente. Somos um país de cultura vibrante, biodiversidade única e criatividade pulsante – mas seguimos sem transformar isso em um diferencial competitivo.

A vitória de Ainda Estou Aqui é (mais) uma oportunidade para começarmos a mudar essa narrativa. O mundo pode, mais uma vez, olhar para o Brasil com novos olhos. A questão agora é se seremos capazes de transformar esse momento em um verdadeiro ativo estratégico – ou se mais uma vez deixaremos a oportunidade escapar. Temos todos os ingredientes para construir uma marca-país forte, mas isso exige algo que historicamente nos falta: planejamento, continuidade e valorização do que temos de melhor. O Oscar é apenas um troféu, mas pode ser o símbolo de um novo caminho para o Brasil no cenário global. A escolha de como seguir a partir daqui é nossa.

 

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