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Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h54.
O empresário Senor Abranavel obteve, nas últimos dias, aquilo que, nas palavras do publicitário paulista Washington Olivetto, só o apresentador Silvio Santos conseguiria: fazer do Brasil seu grande auditório.
Ao anunciar, em entrevista exclusiva à revista Contigo, da Editora Abril (que também edita EXAME), a venda do SBT para o grupo mexicano Televisa e para o executivo José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, Silvio atraiu para si como um ímã as atenções da imprensa, da audiência televisiva e, acima de tudo, do mercado. As notícias, acompanhadas da iminência de morte do apresentador, foram desmentidas por ele mesmo em entrevista na noite desta sexta-feira (11/7) na TV Bandeirandes, mas já causaram o estrago necessário.
A repercussão da entrevista foi tão forte que obrigou até a emissora mexicana Televisa a se pronunciar. A empresa afirmou que realmente tem uma opção de compra de 30% das ações do SBT, que vale até 2006, mas negou que tenha fechado o negócio em parceria com Boni. A emissora, do maior grupo de mídia em língua espanhola do mundo, recebeu a concessão do SBT como parte de acordos de programação firmados em abril de 2001, quando começou a produzir novelas em parceria com a emissora de Silvio Santos.
Em nota oficial, a Televisa afirmou também que não pretende "realizar esta opção de compra agora nem sozinha nem com nenhum outro investidor". As notícias chegaram a provocar impacto nas ações da emissora, tanto na Bolsa de Nova York quanto na Bolsa Mexicana de Valores, que operaram durante toda a sexta-feira (11/7) com pequena baixa.
De suas férias em Paris, Boni também declarou à imprensa que não havia fechado nenhum negócio com o SBT. Apesar dos desmentidos, até o início da noite, a assessoria de imprensa do SBT não havia se pronunciado a respeito das bombásticas declarações do chefão nem para confirmá-las, nem para desmenti-las, nem sequer para corrigi-las. De qualquer forma, qualquer compra ou transferência de um canal aberto, ou de sua concessão pública, depende da aprovação do governo. E isso Silvio Santos também esqueceu.
A entrevista de Silvio, concedida à Contigo! de sua casa, no condomínio Celebration (EUA), deixou os funcionários da emissora consternados e naturalmente preocupados com o futuro de seus empregos, mas foi recebida com risadas no QG da SS Participações, o centro nervoso do grupo Silvio Santos. Poucas empresas funcionam com uma máquina de sinergia tão azeitada como o grupo SS. A imagem do grupo é o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), que em 2002 faturou 259,9 milhões de dólares, de acordo com o anuário MELHORES e MAIORES de EXAME, e ocupa a 320a posição entre as 500 maiores empresas brasileiras.
De todas as empresas do grupo, o SBT é braço mais estratégico, por materializar seu animador e vendedor-mór: o próprio Silvio Santos. Mas o faturamento está caindo (foram 231,5 milhões de dólares em 2001), o lucro de 4,8 milhões em 2001 se converteu em um resultado negativo de 1,6 milhão no ano passado, a rentabilidade sobre o patrimônio é negativa (-2,4%) e o endividamento cresceu de 59,5% em 2001 para 63,6% em 2002.
No total, o grupo Silvio Santos registrou um faturamento de 828 milhões de dólares no ano passado, mas o lucro mal passou dos 18 milhões, um resultado muito tímido em rentabilidade. Com um colar de 33 empresas que reúne bancos, financeiras, consórcios, seguradoras e varejistas, é difícil imaginar o que aconteceria ao grupo SS sem o carisma de seu fundador em ação.
Tome-se o caso do Banco Panamericano, um banco de pequeno porte que vive basicamente de financiar compras de varejo e cujo risco é considerado baixo. A consultoria carioca Lopes Filho, por exemplo, classifica o Panamericano como um banco de boa qualidade. Mas, sem Silvio, a situação pode mudar totalmente. "Todo mundo no Brasil conhece o Silvio Santos e eu concedo crédito para o Panamericano", diz o principal executivo de um pequeno banco que atua no mesmo setor. "Mas, se o Sílvio vendesse o banco, eu iria recalcular o limite de crédito."
Como um maestro, Silvio Santos adiciona aos programas de entretenimento as pílulas com as mensagens comerciais dos produtos de sua empresa. É isso o que torna o SBT uma emissora peculiar. O problema que se coloca para o SBT e as demais empresas do grupo é exatamente essa dependência entre a figura do animador e o conglomerado de negócios. Ao desmentir para o Jornal da Tarde, de Paris, a sociedade na suposta compra do SBT, o próprio Boni tocou nesse nervo: ele afirmou que a emissora, avaliada em 2 bilhões de reais, valeria menos sem a presença de Silvio, seu principal ativo.
Numa tentativa de preparar o futuro da rede sem Silvio Santos, um projeto de profissionalização com planos de duplicar o faturamento em dois ou três anos, começou a deslanchar no ano passado. Mas foi abortado pelo próprio Silvio no início deste ano, com a demissão da nova equipe, da qual faziam parte Antonio Droguetti, diretor de novos negócios, encarregado de liderar o processo de reestruturação e preparar a plataforma de crescimento do grupo, e José Roberto Maluf, que comandava o SBT. Na entrevista à Band, Silvio Santos afirma que está muito bem de saúde e que não vai vender o SBT, por enquanto. "Se a Televisa pagar o que eu quero, ela leva", afirmou.
Ainda não se tem notícia de nenhum anunciante querendo rever seus investimentos no SBT por causa da entrevista. "Silvio gosta muito de brincar com a incoerência de tempos em tempos, até para quebrar a monotonia. E isso só dá certo com ele", diz o publicitário Washington Olivetto, da W/Brasil. Opinião semelhante tem um amigo de Silvio dos velhos tempos, o jornalista Arlindo Silva, autor da biografia A Fantástica História de Silvio Santos, com 150 000 exemplares vendidos. "Golpe de marketing" é como Arlindo qualifica a "tremenda brincadeira" de Silvio, para chamar a atenção para o retorno de suas gravações, a partir do próximo dia 22. "Ele não está numa fase muito brilhante no SBT", afirma Arlindo. "A programação e a audiência andam fracas."
Fato é que nem mesmo as novelas da Televisa nacionalizadas pelo SBT garantiram a audiência que a emissora tinha nos áureos tempos de "Casa dos Artistas" e de "Show do Milhão". Naquela época, Silvio Santos sozinho, comandando o reality show ou distribuindo dinheiro à platéia, conseguia médias de audiência de mais de 40 pontos no Ibope. A Globo chegou a perder para o SBT por mais de 20 pontos de diferença. Quando o "Show do Milhão" começou a perder a graça para os telespectadores, a emissora firmou uma grande parceria com a Nestlé, para a distribuir casas e prêmios. Ao final do acordo, mais uma vez a audiência de Silvio no horário nobre ficou ameaçada. Ele lançou mão de outros programas, mas não conseguiu repetir o sucesso.
Foi-se o tempo em que a nata da audiência do SBT era formada por todos os programas de domingo comandados pelo apresentador. Atualmente, o que segura a audiência do SBT são prioritariamente os filmes, Gugu Liberato, Tele-sena e um game-show apresentado por ele. Dados do Ibope mostram que esses programas líderes ficam com no máximo 23 pontos de audiência na Grande São Paulo (cada ponto corresponde a 48.489 domicílios). Na região metropolitana do Rio, essa audiência chega no máximo a 20 pontos, capitaneada por dois filmes.
Há dois meses, Silvio Santos desmontou núcleos de produção de jornalismo e demitiu diretores para pagar o alto investimento em filmes da Warner e da Disney. E começou a colocar no ar arrasa-quarteirões como "Matrix". Ele tem ainda na manga longa-metragens como "Harry Potter e a Pedra Filosofal", "O Senhor dos Anéis - A Sociedade do Anel" e "A Senha". Estima-se que o SBT tenha investido cerca de US$ 170 milhões só para adquirir os direitos dos filmes das produtoras. Antes mesmo da entrevista à Contigo era duvidoso que esse dinheiro retornasse na forma de anúncios.
Um anunciante como a Nestlé, por exemplo, foi pego de surpresa pela entrevista. "Não temos certeza de nada, até agora não fomos informados de nenhuma mudança", disse ao Portal EXAME Ivan Zurita, presidente da subsidiária brasileira da Nestlé. Segundo Zurita, o SBT deve ser visto como uma organização sólida em sua atividade. Mas, no mercado publicitário, as declarações trouxeram preocupação. "Silvio é um símbolo e seria um impacto muito grande para o SBT se ele abandonasse mesmo o palco", diz o publicitário Roberto Duailibi, sócio e diretor da DPZ. O proprio apresentador disse que gostaria realmente de parar, "mas como não tem jeito, vai trabalhar até o fim".
Nem Duailibi nem seu colega Olivetto acreditavam que o anúncio de Silvio fosse além de uma brincadeira. "Com sua atitude, ele pode querer fustigar seus diretores, como quem diz: uma emissora não pode depender de um homem s", afirma Duailibi. "Acho que ele [Silvio] sabe bem que a percepção no mercado publicitário a respeito de sua entrevista é de um grande truque", diz Olivetto.
Boni
Boni, o ex-executivo da Rede Globo, é um capítulo à parte na "novela" Silvio Santos. O dono do SBT afirmou à Contigo! que teria vendido a emissora meio-a-meio: Televisa e Boni. É bem verdade que Boni sempre teve trânsito livre no SBT depois da quarentena contratual da Globo, que acabou em 2001. Silvio Santos sempre cortejou o executivo para assumir a programação da emissora ou até mesmo para vender uma pequena participação na emissora, já que ele é conhecido por ser o criador do "padrão Globo de qualidade".
Mas parece pouco provável que Boni consiga bancar o bilhão de reais, metade do valor supostamente pedido por Silvio Santos (a Televisa pagaria o outro bilhão). "Como pessoa física, ele não teria meios de comprar uma rede do porte do SBT", diz Olivetto. O ex-executivo da Globo comprou uma participação de 90% em uma afiliada da Globo no Vale do Paraíba no início deste ano. Na mesma época, negociava a ida para o SBT em troca de um salário de R$ 300 mil, de acordo com entrevista à revista Veja. Em junho deste ano, Boni chegou a afirmar que conseguiu reunir um grupo de executivos para comprar 51% do SBT.
O mesmo Boni não acredita na tática de guerrilha usada por Silvio Santos para conquistar espaço na mídia. Na mesma entrevista a Veja, Boni declarou: "Ele [Silvio Santos] não é um estrategista da televisão. Não adianta ter 15% em determinado horário, como ele tem à noite, com o Ratinho. O importante é ter boa audiência média. Você precisa conquistar o que chamamos de público de lastro em todos os horários da programação. O Silvio prefere ter um canal de vendas da Tele Sena, do Baú da Felicidade. Desse modo, a emissora não vai passar de um certo patamar, apesar de vitórias eventuais, como a da Casa dos Artistas".
Colaborou Cláudio Gradilone