Nem todo platô é estagnação. Às vezes, é pausa fértil para a criatividade voltar a pulsar. No marketing — e na vida — cultivar imaginação, silêncio e presença é estratégia. Potência não se impõe, se cultiva (mallmo/Thinkstock)
Redação Exame
Publicado em 9 de junho de 2025 às 19h32.
*Por Rubens Harb Bollos
Em ambientes de liderança e pressão por resultados — ou mesmo nos momentos mais íntimos da vida — muitos se deparam com as chamadas “fases de platô”: quando nada flui, o novo não emerge, e até a vontade de querer parece esgotada.
Fernando Pessoa, o grande poeta português, nos brinda com uma provocação filosófica sobre o desejo, a vontade e o poder: "Querer não é poder. Quem pode, quis antes de poder só depois de poder. Quem quer nunca há de poder, porque se perde em querer."
Ao contrário do ditado popular, Pessoa nos lembra que o simples fato de querer não garante que exerçamos o poder. Há quem deseje tanto que se perca no próprio desejo. E de tanto querer, esgota-se a criatividade, a imaginação, e então entra-se na fase de platô, estagnação ou até crise criativa — justamente o oposto do florescimento.
Mas há também quem, silenciosamente, transforma o querer em ser — não por força, mas por escuta, presença e entrega ao processo interior, onde a imaginação ainda pulsa e a potência pode renascer.
A estagnação criativa não é ausência de talento, mas, muitas vezes, excesso de pressão ou perda de sentido.
Quando o fazer se torna automático, desconectado da alma, o fluxo criativo se esgota. E é nesse vazio que a arte pode oferecer algo novo: não como resposta pronta, mas como presença restauradora.
É justamente nos períodos de platô que a poesia, o silêncio e a sensibilidade se tornam ferramentas de travessia. Como o inverno de uma alma criativa, esses momentos parecem áridos, mas são também tempos de recomposição subterrânea, onde o solo se aduba em silêncio. O platô, assim, pode ser visto não como fracasso, mas como um período de latência fértil e maturação interior.
“Quem pode, quis antes de poder” – essa frase carrega uma chave importante: a potência de uma vontade discreta, madura, que se encarna no cotidiano. Um querer que não espera permissão, nem se perde em fantasia. Um querer que já age. Um querer que se transforma em ser.
E ser, hoje, é mais do que ter ou poder.
É superar-se, expandir-se, abrir caminhos dentro de si e para além de si. É amadurecer os desejos a ponto de transformá-los em potencialidades concretas — não apenas sonhos idealizados, mas forças criativas que produzem sentido, vínculos e real transformação.
Aqui é vital distinguir duas palavras que costumam se confundir: poder não é o mesmo que potência.
O poder, muitas vezes, está ligado ao controle, à comparação, ao domínio. E esse esgotamento pode ser causa de declínio da criatividade, de perdas subjetivas profundas e prejuízos no campo afetivo, relacional e até profissional.
Do ponto de vista neuropsicológico, ele pode gerar bloqueios cognitivos persistentes, dificuldades na tomada de decisão, empobrecimento simbólico e diminuição da capacidade de elaborar novas ideias — afetando não apenas a produtividade, mas o próprio sentido da experiência humana.
Já a potência se refere à capacidade de realização, de construção, de criação de vínculos e regeneração. Potência é a expressão mais plena da vida, que se concretiza sem esmagar o outro.
Essa distinção entre poder e potência foi profundamente desenvolvida por Baruch Spinoza, filósofo holandês de origem sefardita espanhola, em sua Ética. Para ele, a potência (potentia) é a força interna de perseverar no ser, de agir segundo a natureza da própria existência, enquanto o poder (potestas) está relacionado a estruturas externas, à imposição, ao domínio. A verdadeira liberdade, segundo Spinoza, nasce quando vivemos segundo nossa potência — não quando exercemos controle sobre os outros.
É na potência que nascem as comunidades de trocas e não de predação, os relacionamentos sintrópicos — que regeneram, equilibram e nutrem. Vínculos onde a vida floresce em colaboração, e não em competição.
Essa potência também nasce do cultivo interior — especialmente da reserva cognitiva, conceito trabalhado por Yaakov Stern, neuropsicólogo e professor da Universidade de Columbia, amplamente reconhecido por desenvolver essa concepção no contexto da neurociência do envelhecimento e das doenças degenerativas. Trata-se da resiliência do cérebro diante de perdas, lesões ou envelhecimento, e que se constrói por meio de desafios cognitivos, leitura profunda, experiências simbólicas e expressão artística.
E aqui, a poesia e as artes em geral têm um papel vital. Estudos científicos demonstram que a prática e a fruição artística — seja pela música, pintura, dança ou literatura — estimulam a criatividade, fortalecem a empatia e contribuem significativamente para a saúde mental.
Por exemplo, pesquisas de Charles Limb (Johns Hopkins University) mostraram, por meio de ressonância magnética funcional, que a improvisação musical ativa regiões cerebrais relacionadas à criatividade e à expressão emocional. Kelly Lambert, neurocientista da University of Richmond, evidenciou que atividades manuais ligadas à arte promovem bem-estar psicológico ao ativar circuitos cerebrais de recompensa. Já Semir Zeki, da University College London, demonstrou que a apreciação estética ativa o córtex orbitofrontal, área associada à sensação de prazer, reforçando os benefícios cognitivos e emocionais da arte.
A neurociência contemporânea tem mostrado que experiências estéticas ativam áreas cerebrais ligadas à emoção, à memória e à imaginação, promovendo bem-estar, conexão e resiliência psicológica.
A arte não apenas expressa a vida — ela a transforma e a renova internamente.
Quando deixamos de ler poemas, de interpretar obras complexas, de nos encantar com o não óbvio — atrofiamos as vias da imaginação e da interpretação profunda. Trocar o simbólico pelo raso empobrece a mente e endurece a alma. Mas imaginar cura.
Vivemos tempos marcados pela aceleração, pela superficialidade e pela fragmentação da atenção. O excesso de estímulos digitais, a pressa constante e a cultura da produtividade têm minado a capacidade de contemplar, escutar e imaginar profundamente.
Na era dos estímulos incessantes e da hiperconectividade, a imaginação é uma das primeiras vítimas. A leitura simbólica cede lugar ao clique automático. A poesia exige pausa, presença e profundidade — tudo o que o mundo digital nos ensina a evitar.
Em tempos de urgência, cultivar a potência da imaginação é um ato de resistência e cuidado. Como alerta o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, vivemos uma era marcada pela hipertransparência, pela aceleração digital e pela exaustão psíquica. Em obras como A Sociedade do Cansaço e A Sociedade da Transparência, ele mostra como a cultura do desempenho e da exposição constante nos afasta da contemplação, da escuta profunda e da interioridade — exatamente os territórios onde a imaginação floresce.
Segundo Norman Doidge, a imaginação simbólica, a linguagem poética e as emoções estéticas ativam a neuroplasticidade: a capacidade do cérebro de criar novos caminhos, mesmo após traumas ou processos degenerativos. Interpretar um poema é criar sinapses inéditas, é reconectar-se com a vida de forma singular.
A arte é uma medicina silenciosa. Educar a sensibilidade — por meio da arte, da escuta, da contemplação e do símbolo — é tão essencial quanto alfabetizar. Sem ela, perdemos a capacidade de sentir o outro, de escutar o silêncio e de responder com humanidade às dores do mundo. A poesia, a música, a pintura, a dança — tudo que convoca o símbolo e o silêncio — são expressões da potência da vida, e não do poder sobre a vida. A arte não controla. A arte toca. E, ao tocar, reorganiza. Ela nos devolve ao nosso lugar mais humano, mais íntegro.
Por isso, a imaginação, a inspiração e a intuição são fundamentais: são formas superiores de cognição — metacognições. Elas ampliam nossa capacidade de criar sentidos, de compreender o outro, de ressignificar o sofrimento. Elas não apenas ampliam a inteligência — elas restauram a inteireza.
Como destaca a filósofa norte-americana Martha Nussbaum, a imaginação é essencial para o desenvolvimento moral e cívico: ao nos colocarmos no lugar do outro, ampliamos a empatia e a capacidade de julgamento ético. Em sua obra Sem Fins Lucrativos, Nussbaum defende que a arte e a literatura são ferramentas cruciais para uma educação democrática e humanizadora, pois cultivam a alma e protegem a dignidade.
Essa visão já estava presente na pedagogia de Maria Montessori, que compreendia a infância como uma força de paz e potência no mundo. Para ela, educar é cultivar a liberdade interior, a presença silenciosa, o contato com o belo e o real. Montessori já postulava o que hoje chamamos de educação neurocompatível: aquela que respeita o tempo interno, estimula a autonomia criativa e promove a construção de seres humanos inteiros — não apenas instruídos, mas conscientes.
Na mesma direção, Paulo Freire, educador e filósofo brasileiro, nos ensinou que a leitura do mundo precede a leitura da palavra — e que educar é libertar, é dar forma ao inédito. Lev Vygotsky, psicólogo russo, destacou o papel da imaginação como base do desenvolvimento psíquico e da aprendizagem. Já Gaston Bachelard, filósofo e epistemólogo francês, nos lembrou que a imaginação não é fuga, mas profundidade. É nela que mora o real transformador.
Por isso, ser é isto: superar-se. Ter uma ideia é um ideal, mas ter uma imagem viva dentro de si é um querer com desejo — e é aí que o futuro pode nascer.
Quando o querer se transforma em ser, o mundo muda. O platô não é o fim da criação, mas o intervalo necessário para que algo novo possa emergir — mais enraizado, mais autêntico, mais ser. É nesse silêncio criativo que a alma se recompõe. E só então o futuro pode vir.
E para estimular a imaginação, intuição e inspiração — e nos potencializar de vitalidade para sairmos de fossos ou platôs estagnados — deixo algumas sugestões.
Essas práticas não têm por objetivo “produzir mais”, mas sim restaurar a inteireza do ser e abrir passagens para que o novo floresça com verdade e sentido.
E para líderes, gestores e profissionais em ambientes de alta performance, aqui vão mais cinco práticas integrativas para cultivar metacognições (imaginação, inspiração e intuição) no dia a dia corporativo:
Essa travessia — da vontade que se esgota à potência que se reinventa — é o verdadeiro gesto criativo. Entre silêncios e imagens, entre intuições e ideias, floresce aquilo que não se pode forçar: a inspiração que cura, transforma e conduz. Porque, no fim, não se trata de fazer mais, mas de fazer sentido.
No início, o poeta Fernando Pessoa nos alertou: "Quem quer nunca há de poder, porque se perde em querer." Agora, ao final, ele nos entrega um convite à superação: "Tudo vale a pena se a alma não é pequena."
Juntas, essas duas frases desenham o arco do amadurecimento criativo — do desejo disperso à presença potente, da estagnação à potência serena. Que possamos, entre silêncios e versos, reencontrar a inteireza e seguir cultivando — e liderando — com a nossa alma poética e presente, onde o querer já floresceu em ser.
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