EXAME.com (EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h55.
Preste atenção no próximo intervalo da TV. Aposto que você vai deparar com três ou quatro comerciais seguidos, de produtos os mais variados, mas todos usando celebridades e famosos de ocasião. E tome: "Faça como eu, use X" e "Use Y, eu garanto".
Até pouco tempo atrás, esse recurso manjado estava restrito às agências menos dotadas e às house agencies. Tais comerciais eram fruto de indigência criativa, amadorismo ou puro deslumbramento. Já as agências mais competentes e seus clientes mais profissionalizados tinham certo prurido, quando não urticária, em lançar mão dessa solução primária, apelativa e freqüentemente enfadonha para o telespectador.
Hoje, infelizmente, a coisa descambou de vez. O uso dos chamados "testemunhais" vem se alastrando como gripe asiática. Ou, se preferirem, febre Cicarelli, praga Antonelli, peste Daniel.
Mas por que me incomodo? Despeito do Gianecchini? Implicância com o Fagundes? Claro que sim, mas não apenas por isso. O preocupante é que essa prática esvazia uma das missões mais importantes do marketing, que é construir imagens sólidas e duradouras para as marcas. Porque o uso de celebridades como avalistas de produtos nada mais é que a terceirização da credibilidade, efêmero aluguel da notoriedade alheia -- como se um produto, sozinho, não pudesse ter valor e personalidade próprios, precisando de pistolão para entrar de penetra em lares, corações e mentes. O uso injustificado de famosos significa que o anunciante não acredita muito na sua marca, na sua oferta, na sua agência ou nas três juntas.
Outro problema com esse truque barato é que é caro. Cachês de celebridades estão cada vez mais altos, dragando quantias consideráveis de verba que poderiam ser mais bem aplicadas. Mas o anunciante, apoiado na falsa segurança que o testemunhal de celebridade dá, não percebe que está gastando mais do que precisava. O que é, no mínimo, contraditório num momento de crise e de encolhimento das verbas.
Um momento. Falei em segurança? Pois um produto atrelado a uma personalidade fica totalmente à mercê da conduta desta. Que pode dirigir embriagada e atropelar alguém, viajar para o Marrocos e mudar de sexo ou, encerrado o contrato, bandear-se para a concorrência. Imagino o calafrio do anunciante que, em algum momento, cogitou alavancar as vendas por meio de testemunhal do então galã Guilherme de Pádua.
O termo testemunhal, diga-se, nem é lá muito apropriado, porque se trata, isto sim, de falso testemunho, perjúrio mesmo. Por acaso alguém acredita que eles usem o produto que anunciam? O consumidor, pelo menos, não acredita, é o que confirmam todas as pesquisas sobre o assunto. Ele sabe que estão ali pelo cachê. Não é bobo, embora agências e clientes se esmerem em subestimar seu intelecto. Lembro-me de um comercial com atriz brasileira radicada no exterior, no qual ela dizia, sem nem ficar vermelha: "Moro nos Estados Unidos, mas para lavar a minha roupa sempre mando buscar do Brasil o sabão em pó X". Me engana que eu gosto, vai.
É preciso admitir que o recurso é altamente eficiente em certos casos. Funciona maravilhosamente bem com crianças, inocentemente crédulas, e com pessoas muito humildes, que confundem ator com personagem e engolem qualquer barbatana de tubarão que artistas sem muita consciência lhes empurrem. Mais um bom motivo para que as empresas sérias utilizem o testemunhal com parcimônia.
Claro que há agências e anunciantes que usam os famosos com competência, baseando-se em roteiros criativos e que respeitam a inteligência do consumidor. Nesses casos, nota-se que as celebridades comparecem a serviço de uma idéia -- e não em substituição a ela. Mas mesmo essas boas campanhas tendem a ver seu impacto e sua eficácia reduzidos diante da overdose atual.
A recorrência de famosos, hoje, é tamanha que começam a faltar celebridades. Qualquer rostinho mais ou menos conhecido já está valendo. Daqui a pouco, por falta de opções, vão nos brindar com Betty, a Feia. E, enquanto novas alternativas não surgem, os famosos ungidos por pesquisas de opinião vão se revezando à exaustão, numa superexposição que tem preocupado até as emissoras de TV, zelosas de seu casting.
Mesmo os entusiastas do testemunhal já percebem que o truque está gasto. E sabe como "resolvem" isso? Colocando mais famosos por comercial. A última moda são duplas ou trincas de famosos, declamando, serelepes, o texto em jogral.
Comerciais que marcaram época, fizeram grande sucesso com o público e trouxeram benefícios duradouros aos anunciantes, às suas marcas e a seus produtos não exibiam celebridades. Não traziam famosos o "Primeiro Valisère", o "Bonita camisa, Fernandinho", a campanha "Não é assim nenhuma Brastemp", os mamíferos da Parmalat, a formiguinha da Philco. Porque não precisavam: tinham uma boa idéia por trás deles. Todos inesquecíveis. Todos muito mais baratos e eficientes que qualquer filme gravado com pressa e má vontade por um galanzeco canastrão que vai estar no limbo ano que vem.
Boas idéias agregam valor ao produto e às marcas, economizam cachês, superproduções, efeitos especiais e outras firulas. Barateiam a produção e aceleram os resultados, por fisgar o interesse do consumidor logo nas primeiras veiculações. Boas idéias constroem uma marca e um negócio. Já um testemunhal de celebridade constrói, antes de tudo, a casa de praia de quem faturou o cachê.
Se, ainda assim, continuarmos abrindo mão das idéias e insistindo nas celebridades, talvez fosse mais prático que os anunciantes, em vez de agências, contratassem a Marlene Mattos. Pois esta pode lhes oferecer artistas sem intermediários. Aliás, recentemente, a imprensa noticiou a intenção de Marlene de abrir uma agência de propaganda. Na atual conjuntura, faz todo o sentido.
Eugênio Mohallen é sócio e diretor de criação da agência Fallon PMA e orgulha-se de já ter utilizado celebridades em campanhas como Havaianas e "Sua TV é Sharp?"