Vinhos (Dulin/Getty Images)
Isabela Rovaroto
Publicado em 30 de março de 2019 às 08h30.
Última atualização em 30 de março de 2019 às 08h30.
Entre os vinhos franceses, o Château Pétrus é lendário. Os consumidores pagam mais de mil dólares por garrafa. Conversando com Christian Moueix, proprietário e enólogo de longa data da Pétrus, Gregory Carpenter, da Kellogg, fez uma pergunta inocente: Quando cria um vinho, como você pensa em quem vai consumi-lo?
Surpreso, o vinicultor fez uma pausa, recostou-se na cadeira e abriu bem os olhos. “Ele disse: 'Eu não penso no consumidor! Eu faço o que bem me agrada”, lembra Carpenter, professor titular de marketing da Kellogg School.
Isso pode surpreender os que acham que para ganhar clientes são necessárias pesquisas exaustivas e análises precisas para descobrir o que as pessoas desejam. No entanto, essa atitude cética em relação ao consumidor é comum entre os produtores de vinho. “Eles suspeitam que os consumidores na verdade não apreciam nem respeitam o vinho”, diz Carpenter, “então não faz diferença perguntar a eles o que pensam”.
No entanto, do ponto de vista empresarial, o desafio se resume a: Como você capta clientes dedicados e obtém lucro se, essencialmente, ignora o que os clientes anseiam?
Enólogos não são os únicos que enfrentam este dilema. Os acadêmicos de marketing têm um termo – "empresas direcionadoras ao mercado" – para empresas que, em vez de reagirem aos gostos dos consumidores, tentam influenciar esses gostos a seu favor. Porém, pesquisas anteriores sobre empresas direcionadas ao mercado focaram em inovadores de alta tecnologia como Apple e Tesla. Essas empresas moldam as preferências dos consumidores ao apresentar produtos e serviços inéditos, o que muitas vezes torna a concorrência obsoleta. Como Steve Jobs declarou famosamente: "Nosso trabalho é descobrir o que [os clientes] vão querer antes deles mesmos".
Carpenter queria descobrir como uma empresa pode influenciar os consumidores sem oferecer uma nova tecnologia disruptiva. Assim, trabalhando com Ashlee Humphreys, professora associada de comunicações de marketing integrado na Northwestern's Medill School, ele se voltou para a indústria do vinho. "A indústria vinícola não muda há milhares de anos", diz Carpenter.
Em um novo estudo, os acadêmicos exploram como as vinícolas proeminentes têm êxito ao educar os clientes, em vez de atender aos anseios deles. Os pesquisadores fizeram uma imersão de cinco anos nas indústrias de vinhos francesa, italiana e americana, entrevistando cerca de 60 pessoas, incluindo CEOs, produtores de vinho, vendedores, profissionais de marketing, críticos de vinhos, distribuidores, varejistas e consumidores. “Fomos a degustações de vinhos", diz Carpenter. “Fomos a jantares. Observamos consumidores em salas de degustação em Napa Valley e, em alguns casos, participamos de eventos das próprias vinícolas”.
Com base nessa pesquisa, Carpenter e Humphreys traçam uma imagem de uma indústria onde as marcas são bem-sucedidas não porque simplesmente fazem vinhos que agradam os consumidores. Ao contrário, os produtores se esforçam para fazer algo grandioso e inovador, algo que vai além da imaginação dos consumidores. Eles então competem para influenciar críticos, especialistas e a mídia, que, por sua vez, moldam os gostos dos distribuidores, varejistas e, por fim, dos consumidores.
“É desenvolvido um consenso ao redor de quem está fazendo coisas interessantes que moldam o que os consumidores pensam", explica Carpenter.
Essa conclusão pode ser de interesse para empresas de qualquer setor que buscam influenciar o que os clientes desejam. No entanto, Carpenter adverte que, para vencer este “jogo de status”, as marcas precisam de uma história singular e convincente do que as diferencia de todas as demais que competem pelo mesmo cachê cultural.
"É preciso ter uma visão do que se está tentando realizar", diz Carpenter. “É isso o que você realmente está vendendo".
Muitas marcas de vinhos de venda em massa (Barefoot ou Yellow Tail, que se pode encontrar em qualquer supermercado) seguem um modelo de negócios tradicional, fazendo bebidas frutadas e alcoólicas que atraem a maioria dos paladares. No entanto, Carpenter e Humphreys estavam interessados em como os chamados "vinhos finos” se distinguiam dos seus inúmeros concorrentes.
Quando Carpenter leu a pesquisa sobre vinhos, ficou chocado com o quanto o vinho pode ser desconcertante para os consumidores, mesmo para os apreciadores de vinho.
Em um famoso estudo, especialistas da florescente indústria de vinho tomaram duas taças de vinho, uma de tinto e outra de branco. Os provadores (alunos do programa de vinificação da Universidade de Bordeaux) descreveram os dois vinhos com uma linguagem completamente diferente. Mal sabiam eles que as duas taças continham o mesmo vinho - a bebida em uma das taças tinha simplesmente sido tingida com corante alimentar vermelho.
A conclusão para Carpenter foi que ótimos vinhos são assim considerados não simplesmente porque têm um gosto extraordinário, mas por causa do que acreditamos a respeitos dos mesmos. “Há muitos vinhos deliciosos, mas poucos vinhos excelentes, assim como existem muitos artistas excelentes, mas poucos excepcionais", diz Carpenter.
Assim, qual é a melhor forma de fazer com que os clientes, que são facilmente influenciáveis, creiam que um determinado vinho é “excepcional”? Como alguns produtores de vinho têm sucesso quando tantos outros fracassam?
Com esta pesquisa, ficou claro que os produtores de vinho reconhecem que seus clientes não são especialistas. Um vinicultor disse aos autores: “Em geral, as pessoas não sabem o que estão bebendo".
É por isso que, em vez de atender aos clientes, os produtores de vinho fabricam os vinhos que desejam fabricar, guiados mais pela visão artística do que pelas forças de mercado. Alguns até admitiram fazer vinhos que estavam cientes de que os clientes iriam achar intragáveis, insistindo que os consumidores, não a bebida, tinham culpa e acreditavam que os clientes acabariam se dando conta da sua falha de apreciação.
Então, como um vinicultor pode convencer os consumidores inexperientes a escolher o seu vinho dentre as milhares de excelentes alternativas? “O caminho para o sucesso junto aos consumidores começa com jornalistas e críticos de vinhos e outros produtores de vinho", diz Carpenter.
Os autores descobriram que as empresas, primeiro, criam relacionamentos com os críticos e a imprensa. Uma enóloga descreve sua visão para esses indivíduos, na esperança de transformá-los em defensores de sua visão. Se ela conseguir esta feita, um crítico de vinhos pode dar uma pontuação alta ao seu produto e escrever uma resenha brilhante. A partir de então, outro enólogo famoso pode ouvir falar e decidir endossar a última safra da vinícola em jogo.
Quando esses enólogos e críticos proeminentes elogiam um determinado vinho, as pessoas escutam. O vinho logo começa a aparecer nas prateleiras de mais varejistas e em mais cartas de vinhos, ganhando a atenção de vendedores e sommeliers.
Os clientes clamam então para comprar a marca, com o entendimento de que esta é a última e a melhor palavra em vinhos. “E eles compartilham com outras pessoas", diz Carpenter. “Assim, se cria um efeito bola de neve".
Embora este processo seja impulsionado especialmente por degustadores de elite, os viticultores podem melhorar suas chances de sucesso cultivando uma certa aura em torno de seu vinho. Os autores descrevem como as vinícolas costumam investir muito para transformar suas salas de degustação em espaços encantadores. Além disso, muitas delas promovem eventos luxuosos nos quais apresentam seu enólogo como o visionário por trás da marca, aumentando assim seu encantamento.
A história da Dominus Estate, uma vinícola de Napa Valley, exemplifica como um vinho pode ser impulsionado para o sucesso. O enólogo da Dominus, Christian Moueix, produziu vinhos célebres em Bordeaux antes de comprar uma vinícola lendária em Napa Valley, na Califórnia. Mas em vez de fazer outro cabernet sauvignon típico da Califórnia, Mouiex seguiu sua própria visão pioneira: ele queria criar um vinho Napa distinto ao estilo francês.
Ele produziu sua primeira safra da variedade Napa em 1983. Os críticos elogiaram o vinho, mas, a princípio, nem a imprensa nem os produtores de vinho entenderam completamente sua abordagem. "Eles disseram: 'Não é californiano, não é de fato francês, então, o que é isso que você está fazendo?'", diz Carpenter.
Nas três décadas seguintes, Moueix permaneceu dedicado à sua visão e gentilmente explicou seu conceito aos colegas formadores de opinião. Enquanto isso, ele contratou arquitetos de vanguarda para construir uma vinícola que mostrasse a beleza natural dos vinhedos circundantes, reforçando sua reputação de enólogo tanto no que se refere à tradição como à mudança.
Gradativamente, os críticos e a imprensa acolheram a nova visão de Mouiex. Os críticos lhe deram pontuações cada vez mais altas. Eventualmente, em 2013, vários críticos proeminentes deram ao blend tinto assinado pela Dominus Estate a cobiçada pontuação perfeita. Em 2016, um crítico atribuiu 100 pontos, escrevendo que “se eu pudesse dar mais de 100 para este, eu daria”.
Com essa reputação de primeira linha, a demanda cresceu: hoje, uma única garrafa da Dominus Estate pode custar mais de US$ 300.
A lição, segundo os pesquisadores, é que as empresas que conseguem influenciar os gostos dos consumidores precisam ter um conceito único, que chame a atenção, e que os formadores de opinião possam defender. No caso da Dominus Estate, acima de tudo, foi a ideia inovadora de Moueix para um híbrido francês-californiano que mudou a forma como as pessoas pensam a respeito do excelente vinho Napa.
No entanto, em setores concorridos como os de vinhos, onde muitas garrafas têm um conceito ousado ou uma história inteligente impressa no rótulo, vender uma visão não é tarefa fácil. "É extremamente difícil de se ter sucesso", diz Carpenter.
Mas, uma vez que uma empresa mude os gostos com sucesso, os efeitos podem ser notavelmente duradouros. Por exemplo, em 1855, Napoleão ordenou uma classificação definitiva dos melhores vinhos produzidos em Bordeaux. Apenas quatro vinhos se qualificaram para a categoria principal e, nos 160 anos desde então, apenas uma vinícola foi adicionada, apesar de centenas de produtores renomados terem tentado entrar nessas classificações. Esse é um forte contraste com a indústria de tecnologia, em que novas empresas frequentemente aparecem e rapidamente eclipsam os líderes de mercado, explica Carpenter.
Além da indústria do vinho, o estudo proporciona um novo olhar sobre como as empresas podem moldar com sucesso os mercados sem inovações de alta tecnologia.
A Starbucks, Levi's e Chobani seguiram essa estratégia, argumenta Carpenter. Por exemplo, o fundador da Starbucks, Howard Schulz, decidiu refinar o gosto de seus clientes e acabou mudando drasticamente o modo como os americanos tomam café. O estudo sugere que a Starbucks conseguiu atingir um certo nível de status, o que ajudou a conquistar a confiança dos clientes, além do fato de Schulz ter uma visão radical e intransigente do que o café deveria ser.
“As pessoas pensam que basta fazer um bom produto”, diz Carpenter, “mas, na verdade, trata-se de visão”.