Marketing

Por que a Nike mudou o slogan 'Just Do It' após quase 40 anos

Em campanha global com Vini Jr. e Rayssa Leal, marca reapresenta o icônico slogan como pergunta para a nova geração: 'Why Do It?'

Criado em 1988 pela Wieden+Kennedy, o “Just Do It” se tornou um dos slogans mais icônicos da publicidade e ajudou a posicionar a Nike como referência mundial no esporte
 (Divulgação)

Criado em 1988 pela Wieden+Kennedy, o “Just Do It” se tornou um dos slogans mais icônicos da publicidade e ajudou a posicionar a Nike como referência mundial no esporte (Divulgação)

Juliana Pio
Juliana Pio

Editora-assistente de Marketing e Projetos Especiais

Publicado em 10 de setembro de 2025 às 16h55.

Última atualização em 10 de setembro de 2025 às 18h31.

A Nike reformulou seu slogan mais conhecido. Depois de quase quatro décadas, o Just Do It (“Apenas Faça”) passou a ser apresentado como pergunta: Why Do It? (“Por que Fazer?”). A mudança faz parte de uma campanha global que procura reconectar a marca à nova geração de atletas em um cenário de queda de vendas, avanço de concorrentes e pressões econômicas e sociopolíticas.

Criado pela agência Wieden+Kennedy Portland, o conceito estreou no último dia 4, no início de diferentes temporadas esportivas. O filme de 60 segundos mostra, em câmera lenta, atletas de alto rendimento em momentos decisivos, entre eles LeBron James, Carlos Alcaraz, Caitlin Clark, Saquon Barkley, Qinwen Zheng e, do Brasil, Vini Jr. e Rayssa Leal. A narração é feita pelo artista Tyler, the Creator.

"Por que fazer isso? Por que você tornaria isso mais difícil para si mesmo? Por que arriscar? ... Você poderia dar tudo o que tem e ainda assim perder... mas a minha pergunta é: e se você não fizer isso?", questiona Tyler em off. O anúncio então corta para a clássica frase “Just Do It” em tela cheia e termina com uma gargalhada do artista de 34 anos.

A campanha foi lançada globalmente em transmissões ao vivo, redes sociais, serviços de streaming, cinema e mídia externa. A mensagem marca uma nova fase da comunicação da Nike e difere das ativações recentes, como a campanha olímpica “Vencer não é para todos” e o retorno ao Super Bowl com “Então Ganhe”, centrado em mulheres atletas.

“Com ‘Why Do It?’, estamos acendendo essa centelha para uma nova geração, desafiando-os a dar um passo à frente com coragem, confiar em seu próprio potencial e descobrir a grandeza que se revela no momento em que decidem começar”, disse Nicole Graham, vice-presidente executiva e diretora de marketing da Nike, em comunicado à imprensa.

Segundo a executiva, jovens atletas relatam enfrentar comparação constante, pressão por perfeição e medo de falhar, fatores que muitas vezes os impedem de agir. A nova pergunta surge como resposta a esse cenário e como incentivo a dar o primeiro passo. No filme, os atletas não são mostrados na vitória, mas no instante em que decidem arriscar, seja ao chutar a bola, saltar ou mergulhar.

Fenômeno global

O “Just Do It” nasceu em 1988, quando a Nike buscava uma mensagem simples e direta para se diferenciar dos concorrentes. Criado por Dan Wieden, da agência Wieden+Kennedy, o slogan foi inspirado nas palavras “Let’s do it”, ditas pelo condenado Gary Gilmore antes de sua execução. A adaptação deu origem a uma das frases mais conhecidas da publicidade mundial.

O primeiro comercial, com o corredor de 80 anos Walt Stack atravessando a ponte Golden Gate, mostrou que a mensagem podia falar com qualquer pessoa, não apenas atletas de elite. Esse caráter inclusivo ajudou o slogan a se conectar com diferentes públicos desde o início.

A força do “Just Do It” também está no casamento com o logotipo da Nike, o “swoosh”. Criado em 1971 por Carolyn Davidson, o traço simples que remete ao movimento ganhou ainda mais poder quando associado ao slogan. Juntos, logo e frase passaram a simbolizar superação, esforço e conquista.

O fenômeno se consolidou porque a Nike sempre atualizou a assinatura em diálogo com o espírito do tempo. Em 1993, Michael Jordan dividiu cena com Michael Jackson em um comercial que levou a marca além do esporte. Em 1995, a campanha “If You Let Me Play” associou a frase ao impacto social do esporte na vida de meninas. Em 2018, o filme Dream Crazy, com Colin Kaepernick, trouxe o slogan para o centro das discussões sobre justiça racial nos Estados Unidos.

Atletas como Serena Williams, Tiger Woods e Kobe Bryant também deram corpo à mensagem ao associar suas conquistas individuais à assinatura da marca. Com o tempo, “Just Do It” deixou de ser apenas publicidade: virou quase uma 'mentalidade'. Está presente de vestiários a salas de estar, inspirando tanto quem compete em alto nível quanto quem busca motivação no dia a dia.

Contexto empresarial

A mudança do slogan ocorre em um momento em que a Nike enfrenta queda nas vendas e maior concorrência de marcas como Adidas, On, Puma e Hoka. Além disso, a aposta no modelo direto ao consumidor, em 2021, trouxe perdas relevantes. No último ano fiscal completo, encerrado em maio de 2025, a receita recuou 10%, totalizando US$ 46,3 bilhões. Esse declínio inclui um impacto estimado de cerca de US$ 1 bilhão devido às tarifas impostas pelos Estados Unidos.

Como resposta, a Nike passou a organizar o negócio por modalidades, em vez de dividir por gênero e faixa etária. Também lançou a estratégia “Sport Offense”, que recoloca o desempenho esportivo no centro das campanhas e produtos, integrada ao plano “Win Now”, voltado para acelerar resultados de curto prazo e recuperar relevância no mercado. A meta é reforçar a identidade da marca no esporte, deixando em segundo plano a ênfase em lifestyle.

Entre as recentes ativações, a Nike voltou ao Super Bowl após 27 anos com a campanha “So Win” e lançou “Winning Isn’t Comfortable”, direcionada a corredores. A companhia também anunciou planos para cortar menos de 1% da equipe corporativa, em meio a uma reestruturação liderada pelo CEO Elliott Hill. Nicole Graham assumiu o cargo de CMO no fim de 2023, e Hill foi nomeado CEO em setembro de 2024.

Conforme mostrou a EXAME, no quarto trimestre fiscal a companhia teve queda de 86% no lucro líquido, para US$ 211 milhões, e recuo de 12% na receita, a US$ 11,1 bilhões, ainda acima das projeções. As vendas diretas caíram 14%, com retração de 26% no digital e 9% no atacado, enquanto as lojas físicas avançaram 2%. Mesmo com os números negativos, as ações subiram mais de 9% no pós-mercado.

O Brasil na campanha

No filme global, os brasileiros Vini Jr. e Rayssa Leal aparecem ao lado de atletas de diferentes países. A Nike disse que a ideia é reafirmar a relevância local dentro de uma mensagem unificada e atualizada para a nova geração.

Vini Jr. reforça essa perspectiva ao destacar que a prática vai além do desempenho esportivo. “Toda vez que entro em campo, jogo não só com paixão, mas com a convicção inabalável de que tudo é possível”, afirmou o atacante brasileiro, em nota. Rayssa Leal aparece como representante da nova geração do skate, em uma narrativa que coloca a coragem de começar no centro da mensagem.

O filme também retoma a crença fundadora da Nike de que tentar já é parte essencial do processo. Ao mostrar atletas de diferentes origens e modalidades, do futebol ao tênis, passando pelo atletismo, skate e basquete, a marca reforça que a grandeza é definida pela decisão de dar o primeiro passo. Com a reformulação, a empresa mantém o slogan, mas o apresenta como escolha e não como destino.

Reações

Segundo análise da Fortune, a atualização do slogan da Nike dividiu especialistas em marketing e branding. De um lado, há quem veja no “Why Do It?” uma forma eficaz de dialogar com a geração Z, marcada pelo ceticismo em relação a tradições e pela busca de propósito. Conforme a publicação, pesquisas da Stanford e da EY reforçam que esse grupo é mais pragmático e questionador, tendência que a Nike tenta refletir ao transformar seu slogan histórico em uma pergunta.

Por outro lado, especialistas apontam riscos. Oana Leonte, fundadora da consultoria de branding Unmtchd, disse à Fortune que o “Just Do It” é um patrimônio atemporal do marketing, que atravessa gerações e não deveria ser relativizado. Já Katya Varbanova, CEO da Viral Marketing Stars, interpretou a mudança como uma transição do arquétipo de “herói” para o de “explorador”, na tentativa de aproximar a Nike dos jovens sem abrir mão do slogan original.

yt thumbnail
Acompanhe tudo sobre:estrategias-de-marketingNikeBranded Marketing

Mais de Marketing

Publicidade cresce 12,5% no semestre e soma R$ 11,9 bilhões, mostra Cenp-Meios

Apple aposta em Dua Lipa para promover o iPhone 17 nas redes sociais

Autenticidade define influência para 70% dos brasileiros, mostra estudo do IAB

'Não é só tecnologia: água, biscoito e cueca também são produtos para gamers', diz Gaules