Campanha de Natal da Coca-Cola gerada por IA reacendeu debate sobre coerência de marca (Reprodução/YouTube)
Redação Exame
Publicado em 13 de novembro de 2025 às 09h31.
Última atualização em 13 de novembro de 2025 às 09h35.
*Por Ulisses Zamboni
Apesar das pesadas críticas recebidas por sua campanha de Natal de 2024, por ter usado inteligência artificial em sua produção, a Coca-Cola dobrou a aposta em 2025 e lançou novamente uma campanha natalina chamada “Holidays Are Coming”, gerada por IA.
Parece que o Instagram Storm e o X Storm do ano passado — tanto de consumidores quanto de influenciadores e formadores de opinião — não serviram para mudar absolutamente nada nas decisões do staff da Coca.
Pratik Thakar, Vice-Presidente da Coca americana, dá uma “suavizada” na questão dizendo que a campanha continua a tocar corações porque está repleta de “storytellers humanos” e, por isso, “continua a ser tão autêntica quanto sempre foi”. E ainda coloca uma “cereja” no comentário, prejudicando ainda mais a imagem da marca, ao trazer para a discussão o benefício dos menores custos de produção proporcionados pela tecnologia.
Na direção diametralmente oposta, a Apple mostrou ao público, na mesma semana, com menos alarde, mas não com menos reverberação, a nova vinheta do seu streaming Apple TV (sim, estamos dando adeus ao Apple TV+), produzida totalmente de forma analógica.
Por trás desse movimento, a Apple descortina duas estratégias para a marca: a primeira pode estar escondendo uma grande pista sobre sua nova vocação como produtora de filmes originais, seguindo o caso de tremendo sucesso do longa Apple Original “F1”, com Brad Pitt; e a outra estratégia está alicerçada numa espécie de reforço cognitivo do próprio slogan e do seu eterno mote de marca, “Think Different”.
Enquanto o mundo surfa a mega onda da IA, a Apple pensa diferente e traz o analógico de volta como valor, provando que se importa com a qualidade das produções físicas, com o “craft” (artesanato) do cinema e com o que é humano na tecnologia.
Por que a indignação dos seguidores da Coca e a celebração e os elogios de todo o mercado pela Apple?
Simples: coerência. Ambas as marcas têm estatura de “mega brands” e, ao longo do tempo, pavimentaram suas estradas relacionais com seus usuários: Coca-Cola em um universo da simplicidade, da felicidade e do que emociona; e a Apple na transgressão ao status quo.
Arquetipicamente, a Coca-Cola tem o comportamento do Inocente, arquétipo com valores terrenos, de transparência total, sem dissimulações e de natureza objetiva e direta. Pense numa criança — daquelas que, inocentemente, te dizem espontaneamente que seu cabelo está feio num “bad hair day” ou que revelam que não gostaram do presente porque esperavam outro. Esse é o arquétipo do Inocente: direto, assertivo, sem rodeios, sem mentiras, sem fake news.
A Apple incorpora desde sempre, ao menos desde a icônica campanha do lançamento do Macintosh, chamada “1984”, o arquétipo do Fora-da-Lei. O Fora-da-Lei tem como lema principal: “se há governo, sou contra”. Ou ainda: se alguns fazem Zig, eu faço Zag. E está aí a grande coerência da marca nessa atitude de marketing. Enquanto os negócios e o marketing mundial se rendem aos movimentos mágicos da inteligência artificial, a Apple faz o contrário: valoriza o artesanal, indo contra a cultura dominante.
Num mundo repleto de incertezas, de deep fake e de fake news, a confiança nos valores de uma marca e sua coerência atitudinal são um “asset” a ser resguardado.
A Apple, com esse passo estratégico para um de seus braços de negócios, o Cinema e o Streaming, fez um bom trabalho. Perpetuou a estratégia que segue há tantos anos. Está sendo elogiada, não porque fez uma vinheta analógica apenas, mas porque despertou de volta na população a beleza do mundo analógico, indo contra a maré.
Já a Coca-Cola, na adoção da IA, gerou uma sensação de dissonância cognitiva, um estranhamento sobre seus valores atuais serem adversos ao seu costumeiro modo de agir, ou seja, com a simplicidade de um Inocente.
A exigência de um consumidor contemporâneo não está apenas na entrega de um produto de qualidade ou na excelência das matérias-primas, mas no modus operandi das marcas: sua sustentabilidade, seu impacto e, principalmente, seu comportamento enquanto negócio.
Para os consumidores da Coca-Cola, a pergunta que não quer calar é: qual é o equilíbrio entre inovação e consistência de marca? Até que ponto o público aceita uma mudança como essa, da ordem “patrimonial” da marca?