SXSW 2025: festival continua como um dos principais encontros globais de inovação e criatividade, com a delegação brasileira sendo a maior entre as internacionais (Mat Hayward/Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 24 de março de 2025 às 12h02.
*Por Leopoldo Jereissati
O South by Southwest (SXSW) é um farol para inovação, criatividade e tecnologia. O festival, realizado anualmente em Austin, Texas, reúne mentes brilhantes de todo o mundo para discutir o que vem a seguir nos mais diversos campos. De inteligência artificial a biotecnologia, de economia criativa a tendências culturais, o evento nos desafia a enxergar o futuro e a repensar o presente.
Mas, em meio a tantas inovações, uma reflexão se destacou para mim: estamos presos em uma teia digital sem tempo para absorver tudo o que consumimos?
Vivemos entre três dimensões do tempo. O futuro nos chama por meio de relatórios como os de Amy '(W)ebb', que mapeiam tendências e cenários estratégicos.
O passado se revela em descobertas da ciência, como as imagens do telescópio James '(W)ebb', que expandem nosso entendimento do cosmos e de nós mesmos.
E o presente? Estamos mergulhados na '(w)eb', consumindo mais informação do que conseguimos processar, mas sem tempo para refletir sobre ela.
Se conseguimos ver o passado com mais clareza e antecipar possíveis futuros, por que estamos tão desconectados do agora? Ainda não tenho uma resposta, mas tiveram quatro palestras que trouxeram reflexões poderosas.
A palestra de Ian Beacraft trouxe uma provocação essencial: não podemos usar novas tecnologias com o modelo mental antigo. Quem começou usando o ChatGPT como se fosse o Google? Todos nós. Mas o verdadeiro potencial da IA não está em substituir o que já fazemos, e sim em transformar como pensamos e trabalhamos.
Isso exige uma mudança fundamental: trabalhar duro para transformar a forma de trabalhar, não apenas otimizar o que já fazemos hoje. Nossos sistemas estão se desfazendo ("Our systems are fraying"), e insistir em remendá-los não é a solução. A IA não vai substituir os melhores dos seus times, mas será melhor do que 80% do restante.
E se a IA pode liberar o ser humano para apenas o que é essencial, o que isso significa na prática? O Fim da "Sociedade do Cansaço" de Byung-Chul Han?
A palestra sobre Alzheimer trouxe um insight poderoso: por mais diferentes que fôssemos no SXSW, todos estávamos igualmente suscetíveis à doença. Isso nos lembra de algo essencial: saúde é a base de todo o resto.
Se esquecemos involuntariamente no nível biológico, será que não estamos também esquecendo sem perceber no nível social e tecnológico? As redes sociais são empty calories — dão a sensação de saciedade, mas não nutrem conexões reais. Um a cada quatro pessoas não tem para quem ligar no momento do aperto.
Se continuarmos assim, podemos construir um futuro incrivelmente produtivo, mas assustadoramente solitário
A palestra de Peter Attia trouxe um novo olhar sobre longevidade e prevenção. A saúde é um estoque que precisamos armazenar, cuidar e gerar um buffer para quando for preciso utilizá-lo.
Enquanto estamos lendo aqui, nossa microbiota está definindo nosso sono de hoje, nosso corpo de amanhã e nosso "life span".
O conceito de "life span" foi amplamente discutido no evento, reforçando a importância de estratégias para viver mais e melhor.
A palestra "NASA’s Love Letter" nos mostrou imagens do nascimento e da morte de estrelas. Mas o mais impressionante foi perceber que ao olhar para o cosmos, estávamos olhando para nós mesmos. Em algum momento do passado, éramos o cosmos e nada além.
Quanto mais rápido e mais longe vamos, mais acabamos no vazio.
Se tentamos alcançar o futuro, ele sempre escapa. Assim como as galáxias se afastam na expansão do universo, a obsessão pelo amanhã pode nos afastar do presente.
A única saída é desacelerar. No universo, permanecer onde ainda há galáxias visíveis é a única forma de não acabar no vazio. Na vida, isso significa viver o presente, sem querer acelerar o tempo ou saber tudo antes da hora.
O futuro é agora. E a saída é humana.
Se queremos um futuro melhor, não podemos ser apenas consumidores passivos da web. Precisamos aprender a navegar a incerteza, usar a tecnologia a nosso favor e criar conexões reais.
Se a IA aprende com os dados que damos a ela, talvez seja hora de alimentá-la com o que nos torna verdadeiramente humanos: curiosidade, coragem, empatia e criatividade. A pergunta final não é o que o futuro nos reserva, mas o que vamos fazer com ele.
O SXSW consegue nos deixar encantados, inquietos e com nossas cabeças cheias de novas ideias ou confusões mentais que devem sedimentar com o tempo.
Minha conclusão é que estamos diante de uma enorme folha em branco, e isso é ótimo! Se der frio na barriga, lembre-se: estamos a um prompt de distância de um especialista de nível aceitável sobre qualquer tema. "Good enough is usually good enough" nesse mundo digital.
No fim da viagem, fui à Broadway assistir ao espetáculo do Michael Jackson. A música e a dança ao vivo estão entre as formas mais puras de expressão. Lágrimas caíram dos meus olhos sem que eu precisasse chorar. Talvez de alívio ao tangibilizar o que nos diferencia das máquinas: somos pura poesia.
A vida é mágica.