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O império dos micro-textos: por que o bom comentário virou arte na internet

Ser memorável em até 280 caracteres tornou-se moeda social nas mãos de marcas e criadores

Na era da atenção fragmentada, comentários deixaram de ser coadjuvantes e se tornaram protagonistas — capazes de derrubar campanhas milionárias ou alavancar marcas em segundos (Freepik)

Na era da atenção fragmentada, comentários deixaram de ser coadjuvantes e se tornaram protagonistas — capazes de derrubar campanhas milionárias ou alavancar marcas em segundos (Freepik)

Marc Tawil
Marc Tawil

Estrategista de Comunicação

Publicado em 23 de junho de 2025 às 12h27.

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Se você ainda acredita que comentários são meros devaneios soltos, opiniões vazias ou hates gratuitos de quem está num dia ruim, precisa urgentemente repensar sua estratégia de conteúdo e marketing.

Enquanto marcas investem milhões em campanhas super elaboradas e influenciadores usam seu tempo em produções cada vez mais complexas em texto, áudio e vídeo, três linhas podem viralizar mais do que o teor original – e também destruir reputações ou catapultar carreiras.

Bem-vindo ao novo sistema econômico da atenção, em que comentários aparentemente aleatórios se tornaram uma nova moeda social na internet.

Comecemos pelo lado sombra dessa história, o “poder da negatividade”: uma pesquisa da Nature revelou a capacidade devastadora dos comentários negativos. Eles não apenas afetam a percepção do conteúdo original, como reduzem drasticamente a intenção de compartilhamento e até a credibilidade percebida.

Mais impressionante: mesmo quando misturados com comentários positivos, os negativos dominam completamente a percepção dos usuários. É o que os pesquisadores chamam de “viés de negatividade” ou a nossa tendência evolutiva de dar mais atenção a ameaças potenciais.

Uma das respostas a isso pode estar na psicologia da autoridade percebida: quando alguém critica, nosso cérebro automaticamente atribui maior conhecimento a essa pessoa. Afinal, é mais fácil destruir que construir, mais simples apontar falhas que soluções. Um comentário como “isso está completamente errado” soa mais assertivo e carregado de autoridade do que “concordo plenamente” ou um emoji.

Uma nova hierarquia

A dinâmica de quem comenta com consistência vem criando uma espécie de hierarquia invisível nos comentários: no topo estão os críticos articulados, seguidos pelos especialistas que corrigem detalhes, depois os que fazem perguntas inteligentes, e por último os que apenas concordam.

Marcas e negócios que entendem essa hierarquia podem usar comentários estratégicos para posicionar autoridade – desde que tenham coragem de questionar o próprio conteúdo.

Quando a AirBnb, gigante das locações compartilhadas, foi criticada por taxas ocultas, em vez de defesa corporativa, o CEO Brian Chesky comentou “vocês estão certos, vamos ser mais transparentes”. O comentário gerou mais engajamento que qualquer campanha da marca.

E aqui mora o dado que faz todo CMO se retorcer na cama: usuários de redes sociais são 1,91 vezes mais propensos a compartilhar artigos negativos (Scientific Reports, 2024). Isso, por si só, cria um looping vicioso onde imprensa, sites de fofoca, portais sensacionalistas, perfis Red Pill e até cortes de podcast são incentivados a produzir conteúdo negativo, gerando mais engajamento – o que, por sua vez, alimenta os algoritmos.

Comentários não apenas seguem essa tendência, como a amplificam exponencialmente.

Em seus estudos, pesquisadores da Indiana University Observatory, nos Estados Unidos, descobriram que o mundo do marketing já aderiu há tempo ao universo dos comentários, com marcas que postam centenas de milhares de comentários por dia, usando perfis gerados apenas para curtir e descurtir o mesmo conteúdo centenas de vezes em sequência.

Nações inteiras – da Ásia à África – operam exércitos de bots criados com IA generativa que comentam, retuitam e moldam opinião pública de forma indetectável.

Há muitos anos, marcas já contratam “social listening strategists”, que monitoram menções e identificam oportunidades nos comentários alheios. Uma startup, por exemplo, pode nascer de uma resposta inteligente no post de um investidor. Uma parceria pode surgir de um comentário em discussões setoriais.

Estamos testemunhando o nascimento de profissões que não existiam: curadores de comentários, estrategistas de resposta, analistas de sentimento.

O LinkedIn, maior plataforma B2B do mundo, com 1,1 bilhão de usuários em nível global, tem reportado um crescimento explosivo em “alfabetização em IA” (Solutions Review, 2025) como nova competência.

Eu adicionaria a isso a “inteligência de comentários” como capacidade de ler entrelinhas digitais e responder estrategicamente.

Timing é tudo!

Esteja ele coalhado de bots ou não, particularmente, eu adoro comentar o post alheio. E tenho ciência de que meus comentários dependem de uma janela de atenção para viralizar. Se o post é antigo, por exemplo, já foi. Meu texto, por menor que seja, precisa ter um início ou ideia impactante, controvérsia calculada e timing perfeito. Réplicas bem formuladas geram mais curtidas e threads que afirmações categóricas.

Prova disso, em 2024, quando um cliente reclamou da demora no atendimento da Magazine Luiza no X, a marca respondeu em 3 minutos com humor (“já estamos correndo atrás, literalmente”). O post viralizou com 50 mil curtidas.

Em 2025, a Magalu voltou a atacar, chamando para seu palco Marisa Maiô, a influenciadora de IA que tinha dias de “vida”, pagando a seu criador um cachê robusto. Timing.

Pesquisas mostram, além disso, que responder nos primeiros 15 minutos maximiza alcance orgânico. Entre 15 minutos e 1 hora, o impacto cai 60%. Após 24 horas, comentários servem apenas para gestão de crise, não para crescimento (Nature, 2021).

Mas, atenção: se de um lado comentários gerados por IA podem ser mais persuasivos que humanos médios, nessa nova internet cabe rediscutir o que é autenticidade, alcance e performance. Como manter a centelha humana numa conversa cada vez mais artificial?

Aqui está o que ninguém diz: os comentários mais poderosos não são os que você vê.

Existe uma camada invisível de influência que move mais mercados que qualquer viral público. São os “comentários fantasma” – prints mandados por DM, discussões em grupos fechados, conversas de WhatsApp iniciadas por um post específico.

Pessoas que nunca comentam publicamente, mas capturam, encaminham, debatem em círculos privados. Essa rede subterrânea de opinião vale infinitamente mais que métricas visíveis. É o verdadeiro “boca a boca” da era digital, e quem consegue ativá-la controla a narrativa real.

Dominar a micro-comunicação virou arte e não basta só “ter razão”, “ser sagaz” ou “divertido”. É preciso ser memorável em 280 caracteres.

Comentários são o último canal verdadeiramente orgânico que resta, pois amplificam, humanizam, questionam e melhoram a mensagem.

Em tempos em que qualquer um pode comentar, quem comenta melhor vence.

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